O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 28, 2014

PESSOAS A SENTIREM PESSOAS



É sempre gratificante ver o poder político louvar a ação da Igreja no apoio às populações mais fragilidades. E esse reconhecimento não afeta a sua laicidade. A gratidão enobrece quem a pratica e sensibiliza quem a recebe. Foi o que aconteceu, no passado dia 25 de abril, quando a Junta de Campanhã homenageou a Obra Diocesana. No desdobrável então distribuído, constava o texto que, com vénia, transcrevo: “A Obra Diocesana de Promoção Social (ODPS) é uma Instituição Particular de Solidariedade sediada na Cidade do Porto e diretamente dependente do Bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos. Foi fundada em 1964, fruto da vontade conjugada da Diocese do Porto, da Câmara Municipal do Porto e do Instituto de Serviço Social do Porto. O objetivo geral da Obra é a promoção social das populações onde a sua atividade é exercida, ou seja, toda a forma de ação social em ordem a dinamizar os indivíduos, grupos e comunidades, com o objetivo de encontrarem uma situação nova e mais elevada onde serão os próprios artífices, a partir de uma consciencialização das suas potencialidades e de participação de todos na vida social, económica e cultural, assim como desenvolver o espírito de convivência e solidariedade social. Do contacto com as comunidades locais e de conjunturas sociopolíticas do país, a ODPS fez a sua evolução criando Centros Sociais e gerindo equipamentos com valências que prestam apoio aos cidadãos na velhice e invalidez, às crianças, jovens e famílias, em ordem à promoção integral da pessoa, mediante a promoção da solidariedade e da justiça. Para a realização dos seus objetivos, a ODPS desenvolve a sua ação nos bairros do Carriçal, Cerco do Porto, Fonte da Moura, Lagarteiro, Machado Vaz, Pasteleira, Pinheiro Torres, Rainha D. Leonor, Regado, São João de Deus, São Roque da Lameira e São Tomé, apoiando a sua população mais carenciada. Aí, a ODPS tem instalado 12 Centros Sociais, onde mantém as respostas sociais de Creche, Pré- Escolar, ATL, Centro de Dia, Centro de Convívio, Serviço de Apoio Domiciliário e ainda Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) e Cantina Social. Atualmente, a ODPS presta serviços a cerca de 2500 clientes e conta com a colaboração de cerca de 390 trabalhadores“.

A Obra Diocesana escolheu o bairro do Cerco do Porto, em Campanhã, para iniciar o seu trabalho. Nascida do espírito maternal da Igreja, fez-se coração que foi crescendo à medida que abraçava outros bairros da cidade. Diversificaram-se serviços, multiplicaram-se trabalhadores, utentes e amigos, mas o mesmo afeto continuou a ritmar o seu trabalho, fazendo jus ao lema:
Pessoas a Sentirem Pessoas.
Um bem-haja para todos os que, no dizer do P. Lino Maia, “respiram” Odps.
(28/5/2014)

segunda-feira, maio 19, 2014

Mandela fala de si


 
Muito se falou de Nelson Mandela aquando da sua morte. Quando as luzes se iam apagando, soube-me bem ouvir Cristiano Ronaldo, ao receber a “bola de Ouro -2013“, lembrar “Madiba” como um dos seus modelos.

Para podermos penetrar melhor na intimidade deste “mestre em humanidade”, deixo aqui a sua voz como a li em Mandela a construção de um homem, de António Mateus.

Quem era? Um santo? - Não sou santo, a menos que vejam um santo como um pecador que continua a tentar. Apenas um homem que se foi construindo…

- Um homem que lutou contra o domínio branco e contra o domínio negro e para quem o amor é mais forte que o ódio: Se as pessoas aprendem a ser racistas e preconceituosas também podem ser ensinadas a amar, porque o amor é mais natural no coração humano do que o seu opositor.

- Um homem que amava a família. Quando lhe perguntaram o que mais o magoou na vida, segredou, com olhos humedecidos: A minha mãe… passam vinte e cinco anos que morreu e nunca lhe pude dizer adeus, nem a pude sepultar. Estava na prisão, pedi ao diretor, mas não fui autorizado a ir ao funeral… três meses depois, foi o meu filho mais velho… aconteceu o mesmo…Dei comigo impossibilitado de cumprir os meus deveres como filho, irmão e marido.

- Um homem que perdoava. Mesmo ao sentir-se “o homem mais só do mundo”, devido à traição da primeira esposa, confessou: Afasto-me da minha mulher sem ressentimentos… abraço-a com todo o amor e afeição que nutri por ela, dentro e fora da prisão, desde o primeiro momento em que a vi. Até nos guardas da sua prisão encontrou bondade: Conheci lá guardas que faziam o possível para amenizar a nossa situação.

- Um homem que soube cultivar o humor. Numa passagem clandestina por Portugal (1961), gracejou: Se algum dia vos disserem que insultei alguém ou me embriaguei, só pode ter sido com vinho do Porto.

- Um homem para quem o que importa é o futuro. Ao assumir a presidência, disse aos funcionários do anterior governo racista: O que é passado, é passado. Agora olhamos para o futuro. Queremos a vossa ajuda. Se quiserem ficar, estarão a prestar um grande serviço ao vosso país.Tudo o que vos peço é que o façam de bom coração. Eu prometo fazer o mesmo.(…) O momento de maior escuridão surge sempre imediatamente antes da alvorada.

- Um homem fiel ao diálogo. Dois dias antes das eleições, disse a De Klerk, o último presidente do regime de “apartheid”: Peço-lhe que ponha na mesa as suas cartas voltadas para cima. Trabalhemos em conjunto abertamente, sem agendas secretas. Estou disposto a trabalhar consigo apesar de todos estes erros.

Ah!...  se os nossos políticos o ouvissemSe quiseres fazer a paz com o teu inimigo, tens de trabalhar com ele. Aí, ele torna-se teu parceiro. E, no nosso caso, nem de inimigos se trata…

(25/2/14)

Coincidências...


 

Anos atrás, realizou-se, no Porto, o Colóquio Europeu de Paróquias que, há mais de meio século, reúne responsáveis paroquiais de diversos países da Europa. Para além das conferências, os participantes foram convidados a visitar algumas paróquias da Cidade. Por convite do P. Fernando, eu e minha esposa acompanhámos o grupo que se deslocou à nossa paróquia. Ao fim da tarde, ficámos surpreendidos quando nosso pároco nos pediu para levar o “Senhor Bispo” à Casa de Vilar. É que, durante todo o dia, não nos tínhamos apercebido de tão ilustre presença e não imagináramos que um bispo participasse nesse Colóquio de padres e leigos e, muito menos, se interessasse em visitar uma paróquia.

Na conversa que tivemos durante a viagem, prestou particular atenção à frase “em terra de missão, como são as nossas cidades, não são as pessoas que vão à igreja, é a Igreja que vai às pessoas” e ao dito de um bispo português que admirava “a grande maioria dos que pedem dispensa do exercício sacerdotal são homens de muito valor, espero que eles formem a retaguarda teológica da Igreja”. Ao chegar a Vilar, com palavras amigas, agradeceu a companhia e disse que teria muito gosto em receber-nos na sua casa episcopal. Ao que nunca pudemos corresponder.

No regresso a casa, comentámos suas palavras e partilhámos a impressão que nos deixara com especial relevo para a amabilidade de trato, sentimento de proximidade, atenção aos acontecimentos, preocupação em ouvir e capacidade de selecionar prioridades.

Passados uns tempos, um amigo, por sinal também Fernando, recordava-me seus tempos de infância na sua aldeia alcandorada na serra do Montemuro cujos píncaros se vestem de branco no inverno. Era com entusiasmo na voz e sorriso nos lábios que me descrevia as belezas do rio Bestança, “o rio mais bonito e menos poluído da Europa” dizia, que vem das alturas das “Portas de Montemuro” e, em Porto Antigo, se precipita no Douro. Na primavera, os carvalhos, loureiros, castanheiros, salgueiros, amieiros e azevinhos das suas margens despertam em sinfonias de mil aves em ritos de acasalamento. E, no meio da conversa, falou-me ainda dum colega de escola que fora estudar para padre e agora era bispo. Enalteceu sua inteligência e cultura bem como a afabilidade com que ainda hoje, já bispo, continua a acolher as pessoas que o viram crescer. E, com orgulho, falava do carinho que ele dedica aos seus antigos colegas. Quando referiu o nome, fiquei a saber que se tratava do bispo que eu havia acompanhado à Casa de Vilar.

Estava a terminar estas linhas quando o Vice-postulador da “Causa de D. António Barroso”, com agrado, me disse que D. António Francisco “também é grande admirador de D. António Barroso”. Coincidências…Sinais que abrem caminhos de Esperança.

(5/3/14)

Sacerdotes do exílio


 

Na sessão comemorativa de S. Francisco de Sales, o conferencista, P. José Adílio Macedo, apresentou uma antiga folha manuscrita com os nomes dos presbíteros ordenados por D. António Barroso, na Capela de Sant’Iago de Moldes, durante o exílio de Remelhe. Por exigências de espaço, limitar-me-ei a nomear os presbíteros da diocese do Porto e a data da sua ordenação.

9 – VII - 1911 - Alexandre de Sousa S. Estêvão - António Ferreira da Costa - Avelino Moutinho da Assunção - Manuel de Almeida e Silva - Manuel José de Oliveira -Manuel dos Santos Quelhas.

12 – XI – 1911 - António da Rocha Reis - Artur Aurélio Pinheiro - Augusto Ferreira Correia - Dr. Avelino de Sousa Soares - Camilo Rodrigues Moreira - Crispim Gomes Leite - Delfim Augusto Guedes - Ernesto da Rocha Nogueira - Felisberto de Bastos Ferreira Rocha -João Gonçalves Marinheiro -Joaquim Augusto dos Santos -Joaquim da Silva Gomes - Joaquim Esteves Loureiro -Joaquim José de Queiroz -Joaquim Soares Moreira - Luís Ferreira de Carvalho - Rodrigo Fernandes Santos.

4 - VIII - 1912 -António Ferreira Magalhães - António Luís da Silva - Domingos Andrade Coelho - Donaciano de Abreu Freire - Benjamim Soares - Joaquim Dias da Costa - Manuel José de Oliveira.

3-XI - 1912 -Adriano Sousa Vieira - Agostinho Pereira Silva Gomes - António da Cunha Machado - Justino Gomes dos Santos - Manuel Matos S. Soares Almeida.

21 – XII – 1912 -Alberto Sousa F. Leitão - António Ferreira Pombo - Manuel Francisco Henriques - Manuel Nédio de Sousa - Manuel Pinheiro de Castro - Vicente Cardoso de Oliveira.

17 –V - 1913 -António Aug. Rod. Faneco

27 –VII - 1913 - António Cardoso Vilarinho - António G. Magalhães Júnior - Carlos Moreira Coelho - David Pereira Magalhães - João Martins Morais Neves - Joaquim Moreira da Costa -Joaquim de Sousa Ferreira e Silva - José Valcuste de Almeida Miranda - Manuel Gomes Ferreira -Manuel Gomes Resende - Manuel Oliveira Neto - Manuel Rocha Barbosa (?) - Manuel Rodrigues Pereira (?)

Estes presbíteros, que tiveram a coragem de abraçar o sacerdócio em tempos tão difíceis, bem merecem que os recordemos e lhes prestemos homenagem.

Deixo-lhe, amigo leitor, um repto. Se algum destes nomes despertar em si memórias de infância, não as deixe morrer, partilhe-as connosco. Será uma riqueza para todos. E dizer obrigado é sempre um gesto de nobreza… Nas palavras, damos vida àqueles que recordamos.

Uma diocese sem história é como uma árvore sem raízes. O hoje da Igreja do Porto depende do ontem em que se radica e do amanhã a que se abre. A catolicidade da Igreja também é temporal. Ser Igreja é sentirmo-nos companheiros de quantos nos precederam na Fé. As suas pegadas ensinam o caminho e incentivam-nos a prosseguir.

(12/3/2014)

Diversos carismas - o mesmo Espírito



 
Na apresentação do livro comemorativo dos 50 anos da “Obra Diocesana”, fez-se memória de dois dos seus bispos. O primeiro foi D. Florentino de Andrade e Silva que a criou e embalou nos primeiros anos de vida. O segundo foi D. António Ferreira Gomes que a amparou e guiou nos anos conturbados da adolescência.

Do primeiro, o livro afirma: Desde a sua criação, a Obra era a menina bonita de D. Florentino que, sem interferir na sua autonomia, a acarinhava e acompanhava com particular desvelo. Do segundo, informa: Muito cedo se interessou por esta Obra que D. Florentino criara. E acrescenta: Não foram tempos fáceis. Só a autoridade e prestígio de D. António foi capaz de evitar uma rotura que poderia ter ditado o fim da Obra.

Depois de citar as palavras de Bento XVI “graças aos carismas, a Igreja apresenta-se como um organismo rico e vital, não uniforme, fruto do único Espírito que conduz a todos à unidade profunda, assumindo a diversidade sem aboli-la e realizando um conjunto harmonioso”, conclui que fruto do único Espírito, a Obra Diocesana tem, na sua génese, a intuição intelectual de D. António que o levou a fundar o Instituto de Serviço Social e o coração de D. Florentino que criou a Obra e aproveitou, inteligentemente, o saber e a disponibilidade desse Instituto.

E acrescenta: Como eram diferentes! Estas diferenças estão bem patentes na citação bíblica que cada um inscreveu nas suas “Armas de Fé”. D. Florentino escolheu “Clarifica nomen tuum” (Jo,12,28). Um contemplativo fazia da ação um hino de louvor a Deus. Na Obra, valorizava a proteção e a dignificação do pobre que via como sacramento de Cristo. Já D. António optou por “In lumine tuo videmos lumen(Ps 35,10). Mais que um bispo edificante, sempre se via como um bispo edificador, um educador, com a divisa “de joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens”. Privilegiava a “pastoral da inteligência” assente na “trilogia da Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Na Obra, agradava-lhe, sobremaneira, a promoção dos valores humanos que considerava essencial na missão da Igreja. Em D. Florentino, sobressaía a dimensão pastoral, em D. António, a profética. (…) Na diferença, se complementavam. Pecados? Quem os não tem?...

 E termina: Esta é a riqueza da Igreja que é Católica na diversidade das pessoas, dos lugares e dos tempos. Como disse o Papa Francisco, na entrevista que concedeu à Civiltà Cattolica, “Devemos caminhar unidos nas diferenças: não há outro caminho para nos unirmos. Este é o caminho de Jesus”.

Com carismas diferentes, os papas Bento XVI e Francisco, cada um à sua maneira, lembram-nos o que dizia S. Paulo “Há diversidade de dons, mas um só Espírito”(I Cor 12,4). Mensagem importante para os tempos que vivemos…

(19/3/2014)

 

 

O Porto na literatura


Aquando da eleição do Porto como “melhor destino europeu”, o JN escreveu: Mais que uma marca que se solidifica, o Porto é algo que marca quem o toca e por ele é tocado. Já o haviam reconhecido muitos dos nossos escritores. Apenas alguns:

Luís de Camões – Lá na leal cidade donde teve / Origem (como é fama) o nome eterno / De Portugal, armar madeiro leve / Manda o que tem o leme do governo.

 Almeida Garrett - Se na nossa cidade há muito quem troque o b por v, há pouco quem troque a liberdade pela escravidão.

 Camilo Castelo Branco - Velha burguesa, mãe de Portugal que ela criou, vestiu de ferro, e fez nação, robusta e destemida, entre os seus braços e sobre a amurada das suas naves.

Miguel Torga -Se Garrett pôde nascer do calor do seu coração, se António Nobre pôde morar em paz dentro das suas portas, e se mesmo numa das suas cadeias pôde ser escrito o Amor de Perdição, que demónio é preciso mais para honrar os pergaminhos de alguém?

Jaime Cortesão - Graças ao Porto, o povo teve coluna vertebral.

José Gomes Ferreira - Cidade de luz de granito/ Tristeza de luz viril/com punhos de grito.

Jorge de Sena - Para a minha alma eu queria uma torre como esta/ assim alta,/ assim de névoa acompanhando o rio.

Vitorino Nemésio -Uma ida ao Porto é sempre uma lição de portuguesismo. É indispensável – claro – um mínimo de contacto reiterado com esse lar da nação para nele vermos algumas das significações latentes que enriquecem a nossa consciência.

João Chagas - O Porto é uma família. Quando algum mal o acomete, todos sentem com a mesma intensidade; quando desejam alguma coisa, todos a desejam ao mesmo tempo.

José Saramago - Afinal, o Porto, para verdadeiramente honrar o nome que tem, é, primeiro que tudo, este largo regaço aberto para o rio, mas que só do rio se vê, ou então, por estreitas bocas fechadas por muretes, pode o viajante debruçar-se para o ar livre e ter a ilusão de que todo o Porto é a Ribeira.

Sophia de Mello Breyner - O Porto é o lugar onde para mim começam as maravilhas e todas as angústias.

Agustina Bessa-Luís - Toda a cidade, com as agulhas dos seus templos, as torres cinzentas, os pátios e os muros em que se cavam escadas, varandas com os seus restos de tapetes de quarto dependurados e o estripado dos seus interiores ao sol fresco, tem toda ela uma forma, uma alma de muralha.

É esta a “cidade dos afetos” que sorri a quem o visita. É este o povo de coração bom, generoso e leal de que fala Alexandre Herculano. Esta é a "Cidade da Virgem" que se honra de ser a"Antiga, mui nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto”.

É este o “Porto Sentido” de Carlos Tê, “cascata sanjoanina/erigida sobre um monte/no meio da neblina/por ruelas e calçadas/da Ribeira até à Foz” que Rui Veloso tão bem canta…

(26/3/14)

 

Foi há cem anos


Faz amanhã cem anos que D. António Barroso regressou à Diocese, após o exílio em Remelhe.

O P. José Adílio, na festa de S. Francisco de Sales deste ano, disse:

“Nos primeiros meses de 1914, com Afonso Costa fora do governo e Bernardino Machado na pasta da Justiça, saiu a Lei que amnistiou os acusados dos crimes de religião. D. António preparou, atempadamente, o momento do regresso. E no dia 3 de Abril, pela tardinha, deixou a sua casa de Remelhe e dirigiu-se, quase em segredo, para o Porto, indo instalar-se na Casa de Sacais (o seu novo Paço).

No dia seguinte, 4 de Abril, ei-lo na Sé Catedral, para, em soleníssimo Te Deum, reassumir publicamente as suas funções episcopais que, de facto nunca havia perdido. Antes, porém, sobe ao púlpito, e em eloquentíssima alocução, saúda o bom povo da sua diocese, que enche literalmente a catedral, dizendo que aquele dia era o mais feliz da sua vida, por ter podido regressar à sua diocese.

O Te Deum foi soleníssimo, ajuntando-se às vozes da sonoridade as lágrimas do contentamento pelo seu regresso à sua amada diocese e ao seu amado povo.”

 No Réu da República, D. Carlos Azevedo escreveu: “Decorridos três anos de exílio, (D. António) pôde voltar ao Porto, ao cair da tarde do dia 3 de Abril de 1914. No dia seguinte realizou-se um Te Deum de acção de graças, na Catedral. Muitos choravam de alegria ao ouvir de novo a voz do pastor a quem amavam. Evitou, contudo, qualquer manifestação com esta entrada quase furtiva. Mas mal o povo conheceu este regresso ansiado fez romaria à volta do palacete de Sacais. Os jornais do Porto, como A Ordem, que classificava a recepção como “espectáculo deslumbrante e verdadeiramente esmagador”, O Primeiro de Janeiro e O Comércio do Porto noticiaram estes gestos festivos de todos os grupos sociais, sublinhando o clima de festa e euforia. A revista Lusitânia assim se expressava:

Ei-lo que volta! Traz do exílio mais brancos os cabelos. Há todavia na sua face o mesmo sorriso afável e bom que atrahe os corações e na luz dos seus olhos vibra ainda a centelha fina do brilhantíssimo espírito que o tom firme da voz revela…”

Por coincidência (ou não?), no próximo domingo a Catedral vai novamente encher-se não já para aclamar o bispo que regressa, mas para acolher o seu novo bispo que, no primeiro aniversário do pontificado de Francisco, escreveu no JN: “ À luz desta mesma fé, que nos faz viver na certeza de que Deus usa a nossa história para nela fazer História e nos salvar (…)”  

A Igreja do Porto, neste primeiro centenário, não deixará de celebrar a História que Deus nela escreveu a letras de santidade na pessoa de D. António Barroso.

Deixo uma pergunta: quem sabe onde fica o “Paço de Sacais”?

(2/4/2014)

Doutor Albino Moreira - in memoriam


Em fevereiro, um conhecido presbítero do Porto escreveu: “Recordei com proveito acontecimentos e pessoas. O Mourão, o Domingos e o Dr. Albino Moreira (meu reitor com quem privei e me marcou) e outros. Marcaram a História pessoal e coletiva. Não podemos deixar esquecer quem tanto fez (e sofreu) pela Igreja e pela Sociedade. O Dr. Albino foi um deles. Porquê? Este livro é um pequeno gesto de justiça.”

Vários foram os antigos alunos do Seminário do Porto que me expressaram idênticos sentimentos.

O Dr. Albino, para além de grande exigência intelectual, incutia nos alunos uma profunda vivência espiritual que se abria para a ação pastoral junto dos mais pobres. Sinal desta abertura foi o apoio que deu aos que aproveitavam o fim de semana para colaborar com as paróquias mais empobrecidas do Porto e aos que interrompiam os estudos para, durante um ano, fazer estágio profissional em fábricas e casas comerciais. A presença destes seminaristas trouxe às paróquias uma lufada de ar fresco que as ajudou a seguir novos caminhos. Por sua vez, eles encarnaram as palavras da Gaudium et Spes:As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. E viveram no terreno os sucessos e as dificuldades da ação pastoral. Tudo isto terá contribuído para uma opção vocacional mais consciente e responsável. São ainda de referir os que, nas férias grandes, iam “trabalhar nas obras” em França, sofrendo na pele a dureza do trabalho emigrante. Dos que percorreram estes caminhos, alguns hoje são bispos, bastantes presbíteros, outros são leigos mas todos jamais esqueceram o seu reitor.

Foi, porém, na Páscoa de 1970, ano de grande sofrimento, que senti quanto o Dr. Albino prezava os seus seminaristas. Como já escrevi, entrou, com ar de grande aflição, na sede da Obra Diocesana, pedindo uma casa num bairro camarário para que dois seminaristas, que o bispo de Vila Real acabava de expulsar, pudessem terminar o ano como alunos externos. E como ficou feliz ao ver satisfeito o seu pedido. Ele sabia os riscos que corria. Mesmo assim…

Mas a sua ação não se limitava ao Seminário. Estudou as delimitações territoriais das novas paróquias, orientou muitos padres novos, inspirou a perspetiva eclesial que esteve subjacente à “Obra dos Bairros”.

Extremamente discreto, a sua aparente timidez escondia a inteligência e a força interior de um homem de grande espiritualidade e profundamente livre que muito amava a Igreja. A morte furtou-o cedo ao nosso convívio. Até aqui vai o meu testemunho. Mas outros haverá … É tempo de reavivar o nome de “quem tanto fez (e sofreu) pela Igreja e pela Sociedade”.

(9/4/2014)

Levas contigo o bem que fizeste



No mês passado, faleceu o avô da bebé que, no primeiro Dia da Voz Portucalense, recebeu, na Sé, o diploma de “Semente de Esperança”. D. Manuel Clemente, quando o entregava aos seus pais e avós que a tinham ao colo, fez-lhe uma festinha na face e perguntou: tu também já lês a Voz Portucalense? Estou a ver a alegria estampada no rosto do avô ao ouvir o senhor bispo dizer: És uma menina com sorte! Até os avós quiseram vir contigo! É bem verdade, acrescento eu, o que um dia escreveu um teólogo de renome: um neto é o sacramento da presença viva de Deus e da Esperança que anima a vida dos avós! Como eles preenchem solidões…Fazem-nos rejuvenescer. Passamos a ter a sua idade. Somos comparsas nas suas brincadeiras. E continua a ser verdade o provérbio: quem meus filhos beija minha boca adoça. E se os avós são pais duas vezes…

Um parêntesis – A assinatura da VP foi uma prenda que a “Vitorinha” recebeu no dia do seu batizado. Os pais leem e arquivam todos os números para que ela, mais tarde, possa partilhar das suas memórias. Um bom exemplo para os avós. Aproveitem um nascimento, um batizado, uma comunhão, um aniversário para introduzir a Voz Portucalense na casa dos vossos filhos e habituar os netos à sua presença. Fica o apelo.

Continuando…Quando os anos se alongam, vamos deixando atrás de nós um rasto de vozes que se silenciam, de sorrisos que se apagam, de conversas inacabadas. Uma nuvem de nostalgia sombreia-nos a alma e uma teia de silêncio vai apertando o nosso casulo. Salta-me ao pensamento o poema de Miguel Trigueiros: Vêm as sombras, hoje ter comigo/ Vêm as sombras num cortejo lento/ Vêm as sombras hoje ter comigo /Ou sou eu que as procuro em pensamento.

Ajuda-nos a Esperança. Mas, como dizia um bem conhecido bispo, se a Esperança nos anima, é a saudade que faz doer! Por isso, no cartão que acompanha as flores, costumo escrever: Amigo, levas contigo o bem que fizeste. Connosco fica a memória e a saudade. A crueza do caixão mostra-nos que as vaidades deste mundo passaram e que aos amigos resta chorar, rezar e recordar. Mas a Fé diz-nos que as suas boas obras o acompanham na viagem para o outro lado da vida, como Cristo nos ensinou no Sermão da Montanha (Mt.5,3): Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus”.

Quando alguém que amamos nos morre há um bocado de nós que vai com ele. Abre-se uma lacuna que jamais se fecha e os olhos vestem-se de amargura. Mas, em contrapartida, há sempre um pouco dele que permanece em nós e nos enriquece a vida. Torna-se mais íntimo à nossa própria intimidade e não mais nos abandona. Como tão bem escreveu Saint-Exupéry: Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam-nos um pouco de si, levam um pouco de nós.

(16/4/14)

Como coelho entre giestas



A comemoração dos quarenta anos do “25 de Abril” trouxe-nos à memória episódios que, para quem os não viveu, podem parecer devaneios nostálgicos. Mas não. E, para o provar, seja-me permitido partilhar convosco uma experiência que me foi contada por um amigo.

Foi no início dos anos setenta. Estava ele em Ponte da Barca. No fim da festa de S. Bartolomeu, um seu antigo colega de escola abeirou-se dele com cara de quem queria fazer um pedido incómodo. Começou por lhe dizer que a sua irmã mais velha se encontrava às portas da morte. Falou-lhe, depois, de um filho dessa irmã que, aos 18 anos, tinha ido a salto para França e nunca mais cá voltara. E, muito em surdina, segredou: - Sabes, mas agora veio cá de visita.
Perante a sua admiração, porque o rapaz corria o risco de ser preso como refratário por não se ter apresentado à inspeção militar (já, então, estava em França), o que, em tempo de Guerra Colonial, era considerado crime de lesa - pátria, continuou:

- Está metido em casa, há quinze dias, mas ninguém pode saber. Veio a salto, chegou de noite. Basta uma informação à GNR e ele é imediatamente “engavetado”. Veio só porque queria ver a mãe ainda viva. Mas, agora, precisa de regressar. Necessita de alguém que o transporte até à fronteira. Não tem ninguém de confiança para o levar nem quer chamar um táxi porque teme ser denunciado.

Logo adivinhou a razão daquela confidência e ajudou-o no seu embaraço: - E tu queres que eu… - Era, como tens carro… mas não tenho coragem de to pedir. Sei os riscos que corres.

Poderia ser acusado de passador de emigrantes e, o que era bem pior, de ajudar os mancebos a fugir à tropa o que o incluiria no número dos renegados que estavam contra a nossa presença em África, como desígnio sagrado da Nação. Daria prisão, no mínimo…
Mas não hesitou e, na manhã do dia seguinte, já estavam na casa da irmã. Entraram em jeito de visita. Quando viram que não havia ninguém nas redondezas, saíram, o mais discretamente possível. O rapaz sentou-se atrás dele. Seguiram pela estrada de Ponte da Barca para Lindoso. Na última curva antes da fronteira da Madalena, em local que não era visível do posto da Guarda Fiscal, encostou o carro ao lado esquerdo da estrada, abrandou mas sem parar para não levantar suspeitas e o jovem, com o carro em andamento, abriu a porta e saltou, aproveitando, para amortecer a queda, a relva que crescera na borda da estrada. Desapareceu, como um coelho, por entre o giestal que o encobriria até à raia. Só descansaram quando, à noite, o sobrinho telefonou de Orense.

E tudo isto só porque um filho quis dar um beijo de despedida à sua mãe moribunda…

 Era esta “a minha pátria vestida da viúva entre as grades e a chuva das cidades”, do País de Abril do poeta da Resistência.

(30/4/2014)

Foi há duzentos e cinco anos - I



Estava soalheira a tarde de 29 de março, o dia em que a Rua das Flores abriu aos peões e já sofreu a primeira invasão (JN). Um sol de primavera aquecia o Cais da Ribeira, uma das trinta mais belas ruas do Mundo segundo a revista Condé Nast Traveler. Quando, ao fim da tarde, os turistas que o enchiam passavam junto das Alminhas da Ponte ficavam surpreendidos com uma cerimónia religiosa junto ao rio. E logo os acólitos lhes entregavam uma pagela, encimada pelo emblema da Irmandade das Almas de São José das Taipas, com o título, em português e inglês, Romagem às Alminhas da Ponte - 29 MARÇO 1809/2014. E acrescentava: “A 29 de Março do ano de 1809 entravam no Porto as tropas de Napoleão Bonaparte numa segunda invasão comandada pelo Marechal Soult. As gentes do Porto, em pânico, correm para a beira-rio com a intenção de atravessar a ponte e assim fugir ao invasor. A ponte feita de barcas cedeu, e, entre gritos, medos e sangue, invasores e perseguidos perdiam a vida nestas águas do Rio Douro unidos assim na morte. A Irmandade das Almas de São José das Taipas desde então recorda aqueles que morreram nestas águas profundas. Foi interrompida a romagem aquando da queda da Monarquia, sendo agora retomada. Não esquecemos os nossos irmãos que partiram e peçamos a Deus pelo seu eterno descanso”.

Muitos turistas associavam-se ao ofício religioso, presidido pelo P. Jardim, pároco de S. Nicolau, coadjuvado pelo juiz da Irmandade e outros irmãos que, com suas capas brancas e vermelhas, suscitavam a atenção dos transeuntes. Na homilia, o pároco aludiu às tragédias que hoje se abatem sobre nós, recordando as palavras que D. António Ferreira Gomes lhe disse, quando lhe perguntou o que fazer com as “Alminhas da Ponte”, reze pelas almas dos mortos e cuide das almas dos vivos. A celebração, que culminou com a Bênção do Santíssimo Sacramento, foi solenizada pelo “Coro Spiritus Domini e Santa Maria de Rio Tinto”. Seguiu-se uma oração à Virgem, cantada pela fadista Aida Soares e a deposição duma coroa de flores. Depois, a procissão eucarística recolheu à “Capela da Lada”.

A Ponte das Barcas, onde terão morrido mais de quatro mil pessoas, é a tragédia que mais enlutou a alma do Porto e gerou nas suas gentes uma devoção que perdurou até nossos dias. Contou-me um amigo que, em criança, todos os domingos ia a pé com a mãe rezar e depor uma vela nas “Alminhas da Ponte”. Meses atrás, uns amigos italianos ficaram sensibilizados quando, ao passar junto das alminhas, lhes disse que as flores e as velas que se viam evocavam a memória de pessoas afogadas no Douro havia mais de 200 anos.

Que relação haverá entre a Irmandade das Almas de São José das Taipas e as “Alminhas da Ponte”? A resposta fica para a semana…

(7/5/2014)

Foi há duzentos e cinco anos



As “alminhas” que povoam os caminhos e encruzilhadas das nossas terras mostram-nos quão antiga e popular é a “devoção das almas”. Não é, pois, de admirar que, após o desastre da ponte das barcas, o povo do Porto tenha erguido umas “alminhas” no local onde aconteceu a tragédia. A sua gestão foi entregue à Irmandade das Almas de São José das Taipas que, criada em 1780, resultou da fusão de duas anteriores: a de S. Nicolau Tolentino das Almas, instituída em 1634 na igreja de S. João Novo, e a de S. José das Taipas que reunia na capela privativa fundada em 1666 ao cimo da rua do Calvário (atual Dr. Barbosa de Castro, onde se situa a casa em que nasceu Almeida Garrett). O incremento da irmandade levou à construção de uma nova igreja. O projeto do arquiteto Carlos Amarante, o mesmo que desenhara a “ponte das barcas”, integrou a antiga capela no novo espaço religioso. Começou a ser construída em 1795 mas só terminou 1878 por falta de verbas e também pelo conturbado momento político que, então, se vivia com as Invasões Francesas, o Cerco do Porto e a Guerra da Patuleia.

 Em 1810, por decisão dos habitantes da Ribeira, a Irmandade foi incumbida de zelar pelas Alminhas da Ponte e aplicar as suas esmolas no sufrágio dos que morreram afogados no Douro. A partir daí, a Irmandade passou a comemorar o aniversário desse trágico acontecimento (29 de março de 1809) com uma solene procissão que percorria as íngremes e tortuosas ruas que descem da sua igreja, junto da Cordoaria, até à Ribeira. Esta manifestação de fé e memória realizou-se durante um século e apenas terminou, em 1910, com o advento da República. É, pois, de louvar a iniciativa da atual mesa da Irmandade ao retomar esta tradição, só que, agora, a procissão inicia-se e acaba na capela da Lada que fica próxima da Ponte Luís I. Mudam-se os tempos…

A igreja conserva ainda, à entrada do lado direito, a tela original que esteve nas Alminhas da Ponte até ser substituída, em 1897, pelo painel de bronze de Teixeira Lopes (pai). A pintura, com cenas da tragédia, concentra a admiração de quantos visitam este templo, de estilo neoclássico, que ostenta, no retábulo do altar-mor, as imagens de S. José e S. Nicolau Tolentino. Na capela-mor, suscita particular interesse o sacrário, o segundo maior da cidade, pela beleza dos seus ornamentos. Nos quatro altares laterais, veneram-se: Nª Senhora das Dores, Nª Senhora da Saúde, Santo António e Nª Senhora da Conceição. No museu de arte sacra e sacristia, merecem relevo o presépio de Machado de Castro e uma pintura da escola alemã representando N.ª S.ª da Divina Providência.

A igreja de São José das Taipas, pelo rico património artístico e pelo significado da sua história na alma portuense, é digna de ser conhecida.

(14/5/2014)

Órfãos da Ponte da Barca



No dia 25 de abril, a Junta de Freguesia de Campanhã homenageou três instituições da cidade do Porto: Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, Obra Diocesana de Promoção Social e Centro Juvenil de Campanhã. A primeira, criada em 1728 por D. João V, é de natureza pública. As restantes são IPSS, nascidas à sombra da Igreja em contextos diferentes mas animadas pelo mesmo espírito de bem servir: a Obra, em 1964 (50º aniversário) para colaborar na promoção das populações dos recém-criados bairros camarários, o Centro, em 1814 (200.º aniversário) para dar abrigo aos órfãos da Ponte das Barcas. É desta que hoje vou falar.

 Mais de quatro mil pessoas terão perecido nessa tragédia e muitas crianças ficaram sem pais. O P. José Oliveira começou por recolher alguns desses órfãos na sua própria casa e em casa do amigo João Manuel Rodrigues Barbosa. Dado o seu grande número, acabou por criar em 6 de janeiro de 1814, o Seminário dos Meninos Desamparados que, inicialmente, funcionou numa casa da Rua das Hortas, atual Rua do Almada. Porque, entretanto, a casa se tornara pequena, mudou-se para a Rua de S. Dinis. Também esta, rapidamente, fez-se insuficiente o que o obrigou a transferir- se para a Torre da Marca onde agora funciona o Centro de Cultura Católica. Em 1825, por cedência dos Marqueses de Abrantes, passou a ocupar o Paço da Marquesa, na Rua Chã. Com o passar do tempo, os órfãos da Ponte iam diminuindo, mas crescia o número dos “desamparados”. E, por isso, acabou por fixar-se na quinta do Pinheiro de Campanhã que lhe foi doada, em 30 de abril de 1863, por Luís António Gonçalves, a pedido do Bispo do Porto, D. João de França, onde, ainda hoje, tem a sua sede.

É um “ex-libris” do espírito de solidariedade das gentes do Porto. Nos seus duzentos anos de existência, foi “casa e família” para milhares e milhares de crianças e jovens. Em 2002, abriu o Pólo de Vila do Conde para poder responder às muitas solicitações que lhe eram feitas.

 Atualmente, acolhe crianças do sexo masculino de todo o país com especial relevo para as que proveem da zona norte

Ao longo dos tempos, mudou de local e também de nome. Durante cerca de século e meio, manteve a denominação com que nasceu, até que, em 24 de novembro de 1967, passou a chamar-se Internato Juvenil de Campanhã. Em Julho de 1982, numa justa homenagem ao seu fundador, passou a ser Internato Juvenil Padre José de Oliveira. Em 20 de novembro de 1986, recebeu o seu nome atual: Centro Juvenil de Campanhã.

Esta instituição, filha da Igreja e velhinha de duzentos anos, foi-se adaptando às exigências socioeducativas dos tempos, mas nunca perdeu de vista o desejo de acolher com afeto e preparar para a vida os seus educandos. Para ela e seus responsáveis, o nosso bem-haja.

(21/5/2014)

domingo, maio 18, 2014

Ao encontro de memórias



Em finais de dezembro, participei numa reunião de antigos alunos do Seminário do Porto. O seu organizador disse que foi um dia em que, apesar do tempo de inverno, a Amizade se renovou e comunicou nas palavras e sorrisos que se cruzaram.

São muitos os cursos que realizam a sua reunião anual. É um reencontro fraterno. Esquece-se a idade, classe social, situação eclesiástica e profissional. Relembram-se factos picarescos, recordam-se cumplicidades, revivem-se traquinices de infância, refazem-se brincadeiras da adolescência. Como bem se expressou um jovem, depois de participar com o pai num desses encontros: “gostei porque vi meu pai da minha idade”.

Quão reconfortantes! E, apesar disso, ao limitar-se aos condiscípulos, deixam de fora muitos amigos com os quais convivemos no seminário. Em Vilar, fizemos amizade com colegas dos três anos que nos precederem e de outros tantos que nos sucederam. Na Sé, em que vivemos cinco anos, convivemos com oito cursos. O encontro de dezembro com colegas de anos e até gerações diferentes confirmou-me a sensação de felicidade que já tinha experienciado em dois convívios abertos a vários anos. O primeiro aconteceu, em 1998, no Seminário de Vilar com os teólogos do Porto da década de sessenta. O segundo foi no Colégio de Ermesinde, em 2012, como então escreveu a VP: “Quem na manhã do passado dia 3 visitasse o Colégio de Ermesinde ficaria surpreendido com a jovialidade de um grupo onde a idade e o estatuto se esbatiam na vivacidade das conversas e na alegria dos sorrisos. E mais admirado ficaria ao descobrir que, entre os convivas, havia bispos e presbíteros. Eram velhos amigos que, naquele colégio, iniciaram os seus estudos de seminário”.

Mais do que submersas haverá, certamente, muitas manhãs adormecidas que importa acordar. Com esse objetivo, sonhei com a organização de um encontro aberto a todos os antigos alunos dos seminários do Porto: bispos, presbíteros e muitos que seguiram outros caminhos. Para além de se rever amigos cujos rostos talvez já não reconheçamos, este encontro poderia reforçar o sentido de pertença à diocese que anda um tanto arredio. E a diocese, no dizer do Papa Francisco em “A Alegria do Evangelho”, é a Igreja encarnada num espaço concreto, dotada de todos os meios de salvação dados por Cristo, mas com um rosto local.

Se houver quem queira agarrar ou colaborar neste projeto, agradeço que comunique com alvesdias74@gmail.com. Esta poderá ser uma forma, ainda que pobre, de corresponder ao apelo do Papa: Espero que todas as comunidades se esforcem por usar os meios necessários para avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão.

Utopia? Penso que sonhar não é “uma experiência subversiva”. Ou será?

Justa homenagem


 

Entre os livros que me preenchem as estantes, um ocupa lugar de eleição. É um dicionário de francês: à mão, tem escrito 1904  Carlos Moreira Coelho.

Trata-se duma oferta do “Senhor Abade” que me batizou e acompanhou ao longo da infância e a quem ajudei muitas vezes à missa. Quantas madrugadas! Como recordo… Depois de se benzer, de frente para o altar e de costas para o povo, dizia: “Introibo ad Altare Dei”. E eu, menino, de joelhos a seu lado: Ad Deum qui laetificat iuventutem meam”.

Natural de Parada de Todeia e conterrâneo de D. António Barbosa Leão, foi, por muitos anos, pároco de S. Martinho de Campo, Valongo. Homem bom e sacerdote amigo.

Lembro a minha primeira confissão. Ia eu cheio de medo porque os rapazes mais velhos haviam dito que, ao confessar-me, ele metia-me a orelha por debaixo da porta e a cada pecado que dissesse, o galo, que estava atrás da porta, dava-lhe uma bicada… E que grande era o galo do Senhor Abade!... Quando me ajoelhei, disse-me a sorrir: - Tu és Tanoeiro. Quando é que me fazes uma pipa? Minha família herdou essa alcunha do meu bisavô que era tanoeiro. Sempre que me ia confessar, começava:- Então, a minha pipa já está pronta?

O dia em que o sentíamos mais próximo e feliz era na “Festa do Menino” no primeiro de janeiro - a grande festa da terra- quando se leiloavam as “prendas do Menino”. No Natal, os presentes eram para as crianças oferecer ao Menino Jesus na igreja “como fizeram os Pastores e os Reis Magos”…

Na Páscoa, sempre me dava um bocado do “pão leve” que minha mãe punha na mesa e de que eu lambia o papel e aproveitava alguma migalha, depois do compasso passar…

Quando fui com meu pai dizer-lhe que queria “estudar para padre”, logo perguntou: - Porquê? Queres ter um burro como o meu? Ele sabia quanto as crianças admiravam o cavalo que montava quando se deslocava pela aldeia. Ainda vinha longe e nós, já de gorro na mão, pedíamos “sa benza, Senhor Abade”.

Senti necessidade de evocar a sua memória quando, na sessão comemorativa de S. Francisco de Sales, ouvi o P. José Adílio mencionar o seu nome entre os presbíteros ordenados, em1913, na capela de S. Tiago – a “catedral de exílio” de D. António Barroso. Num tempo de forte anticlericalismo, quando a igreja fora espoliada de todos os bens, bispos eram perseguidos e muitos padres viviam na miséria, espanta como tantos jovens tenham tido a coragem de abraçar o sacerdócio. São dignos de louvor. A Voz Portucalense faria bem em publicar seus nomes. Poderia ser que acordasse memórias que tardam em despertar. E talvez muita gente ficasse grata a D. António Barroso ao saber, como eu, que, mesmo no exílio, ordenou o “Senhor Abade” da sua meninice… Onde estão os outros nove? (Lc,17,17) A gratidão enobrece a alma…