O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 26, 2017


O CANTO DAS CRIATURAS

 

 

 

Na primavera, um melro todas as manhãs me desperta com loas ao Criador. Quanto lirismo nesta alma portuguesa capaz de se unir ao canto matinal das criaturas e rezar com S. Francisco de Assis:
“Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor e irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumia. E ele é belo e radiante, com grande esplendor: de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem. “

Como sabe bem rezar assim!...
Ainda hoje, ao sentir o cheiro a erva fresca, sinto a nostalgia da meninice quando levava o gado para os montes. Os campos tinham sido lavrados para a sementeira do milho. E os animais precisavam de erva fresca. Não bastava o feno seco. A partir dos seis anos, era eu quem levava os bois, as vacas e as ovelhas para o pasto. Meus pais cumpriam o ditado: “o trabalho da criança é pouco mas quem o desperdiça é louco”… Precisavam da minha ajuda. E não fiquei traumatizado…Ainda não tinha lido S. Francisco mas já me deixava inebriar pela beleza dos campos e dos montes, Como recordo esses tempos. Lembro-os como se fossem hoje…. Andorinhas enchem os beirais, já se ouve o cuco nas serras. E, nas leivas, debicam lavandiscas. O pequeno pastor, no monte, sozinho, vigia o gado. E descobre um ninho de gaio lá bem no alto dos pinheiros. Um zumbido rodopia; nas flores, mourejam abelhas. Numa ramada, verdejam videiras onde as carriças escondem o ninho. Um chasco, cor de cinza, disfarça os ovos na touça da carqueja. É primavera. Tudo floresce. Giestas e carquejas matizam amarelos com o violeta da queiró que papoilas salpicam de sangue e estevas debruam de brancura. O tojo esconde espinhos no amarelo queimado das flores. Quanta delicadeza no ondular azulado das pequeninas flores de linho nos campos da beira-rio!... Borboletas esvoaçam suaves em lampejos de luz e cor. Os estorninhos riscam o céu com o negro das asas. Num sobreiro, duas pegas esvoaçam em augúrio de boa sorte. E num carvalho, o pica-pau marca o ritmo duma sinfonia sem partitura. O sino da capela toca a “Trindades”. O pequeno pastor descobre-se e dá graças por mais um dia que vai chegando ao fim. É tempo de regressar a casa.

Todos estes pensamentos me vieram à mente ao ler “Segredo”, de Miguel Torga: “Sei um ninho. / E o ninho tem um ovo. / E o ovo, redondinho, / Tem lá dentro um passarinho / Novo. / Mas escusam de me atentar: / Nem o tiro, nem o ensino. / Quero ser um bom menino / E guardar / Este segredo comigo. / E ter depois um amigo / Que faça o pino / A voar...”

Também eu, com que enlevo, acompanhava o crescimento dos pequeninos no ninho…e a canseira dos pais a alimentá-los! Maravilhas de Deus…

E apetece-me terminar com Sophia: Amei a vida como coisa sagrada /E a juventude me foi eternidade.

(26/4/2917)

 

EE

quarta-feira, abril 12, 2017

MONUMENTO À IMACULADA
Depois falar do Monte da Virgem, hoje demoro-me na descrição do Monumento à Imaculada que o coroa e lhe dá plena significação. Para o que, de novo, me socorro do livro “O Monte da Virgem” do saudoso P. Manuel Leão.


Lá bem no alto, a Imaculada parece abençoar a “Cidade da Virgem” de que é padroeira.


- Face norte – O escudo nacional sobre a Cruz de Cristo. Por baixo, medalhão com a insígnia da Ordem de Nª Sª da Conceição de Vila Viçosa. Na parte inferior, uma inscrição latina diz: A Diocese do Porto dedica à Imaculada Virgem Maria este Monumento de amor, cuja primeira pedra colocou o prelado D. António Barroso, em 25 de Junho de 1905. Depois de terminado, benzeu-o e consagrou-o à Virgem Imaculada, implorando a sua proteção materna, o bispo da mesma diocese D. António Meireles, em 22 de Agosto de 1837. Na base, Pio IX proclama o dogma da Imaculada Conceição.


- Face poente – O busto de D. António Barroso que benzeu a sua “pedra fundamental”. Lateralmente, ”Ave, cheia de Graça (…)”. Na base, D. João IV oferece a coroa real a Nª Sª da Conceição de Vila Viçosa, com a legenda: Prometemos e juramos, com o Príncipe e Estados, de confessar e defender sempre, até dar a vida sendo necessário, que a Virgem Senhora Mãe de Deus foi concebida sem pecado original. Dada nesta nossa cidade de Lisboa, aos 25 dias do mês de Março de 1646. El Rei.
 


- Face sul – Ao centro, um medalhão com o reverso duma das moedas mandadas cunhar por D. João IV, comemorando a proclamação de Nª Senhora como padroeira do Reino. O friso representa a Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, com a legenda, à direita - “Bendita entre as mulheres” e à esquerda –“”A Mãe do Senhor em minha casa” e ainda “Magnifica minha alma (…)”. Na base do pedestal, o escudo da cidade do Porto.


- Face nascente – À direita, uma caravela, numa alusão mariana aos descobrimentos. O friso evoca o III Concílio de Éfeso onde Nossa Senhora foi proclamada “Mãe de Deus”. À direita, continua a Ave-Maria. Dominando toda a cena, que representa as naves da igreja de Santa Maria de Éfeso, a figura de S. Cirilo de Alexandria que presidiu à primeira sessão conciliar. Na base do pedestal, a renovação da consagração de Portugal ao Imaculado Coração de Maria, feito pelos bispos portugueses no Monte da Virgem. Com o Coração de Maria e o Coração de Jesus, ao centro, o cardeal Cerejeira lê a fórmula da consagração; de joelhos, está o bispo do Porto, D. Agostinho de Jesus e Sousa. 15 de Julho de 1945.


Amigo leitor, a beleza do local e a riqueza documental do Monumento merecem o esforço da subida ao Monte da Virgem. Façamo-lo no “Dia da Voz Portucalense”. É um espaço de silêncio onde sabe bem rezar, como fazia o peregrino e nosso bispo, D. António Barroso.  (12/4/2017)


 

quarta-feira, abril 05, 2017


BOAS PALAVRAS...

Ti’ Zé Mineiro trabalhava na “pedreira ” de ardósia. O “pó nos pulmões”, a silicose, matou-o ainda novo. Bom homem. No pouco tempo livre que a mina lhe deixava, cultivava umas leiras arrendadas e ajudava a vizinhança. Porém, raro era o domingo em que chegava “direitinho” a casa por causa duns “copitos”... Do mesmo mal sofria seu filho mais velho. Contava-se, em tom de brincadeira, que, numa dessas tardes, ao chegar a casa viu o filho deitado na sua cama. Protestou, mas não obteve qualquer resposta porque ele dormia embalado pelo álcool. Abanou-o e o jovem, ao vê-lo tão zangado, começou a cantar uma canção então muito em voga: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira. E o senhor faça favor de esperar…” Ao ouvir, o pai, emocionado, logo lhe disse: - “Assim, sim! Boas palavras, filho!... “ E, sem mais, retirou-se para dormitar no preguiceiro da cozinha enquanto o filho dormia na sua cama.

Recordei este episódio da minha infância, ao ler o nº 133 da Exortação Apostólica A Alegria do Amor em que o Santo Padre transcreve parte do discurso que fez às famílias do mundo inteiro por ocasião da sua peregrinação a Roma no Ano da Fé (26 de outubro de 2013). Dizia então: “Na família, é necessário usar três palavras: com licença, obrigado, desculpa. Três palavras-chave”. E acrescenta, citando suas palavras ditas no Angelus do dia 29 de dezembro de 2013: “Quando na família não somos invasores e pedimos «com licença», quando na família não somos egoístas e aprendemos a dizer «obrigado», e quando na família nos apercebemos de que fizemos algo incorreto e pedimos «desculpa», nessa família existe paz e alegria”. E termina, aconselhando: “Não sejamos mesquinhos no uso destas palavras, sejamos generosos repetindo-as dia-a-dia, porque «pesam certos silêncios, às vezes mesmo em família, entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos». Pelo contrário, as palavras adequadas, ditas no momento certo, protegem e alimentam o amor dia após dia”.

Com algum humor, apetece-me dizer que, se o papa Francisco tivesse conhecido Ti’ Zé Mineiro, teria acrescentado “Faça favor”.

Nesta sociedade em que muitas pessoas, vindas de tempos longos de opressão, confundem falta de educação com liberdade e pensam que ser educado é sinal de inferioridade e servilismo, é preciso voltar insistir nas boas maneiras. São estas que adoçam a convivência social. Sem elas, a humanidade torna-se fria, insensível; desumaniza-se. O direito regula a convivência mas não lhe dá sabor…  

Os educadores, a começar pelos pais e avós, devem, e bem cedo, ensinar às crianças estas “palavras mágicas” que abrem as portas ao sorriso. Quão bem me sabe ouvir minha neta Clarinha tartamudear: - “Poe favoe, avô! Abigada!“

(
5/4/2017)