O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, setembro 25, 2014

Terra de grande nobreza


No dia 8 de setembro - Festa de Santa Maria de Campanhã- o pároco, cónego Fernando Milheiro, disse “Campanhã não é terra de muita riqueza mas é terra de grande nobreza”.

A proximidade ao rio Douro e à cidade do Porto, aliada à abundância de água e fecundidade do solo, fez de Campanhã uma terra de passagem e de fixação.

As suas gentes fizeram do trabalho, do bem acolher e da defesa dos valores, a sua maior honra. Já no início do século X, estiveram com o rei cristão na luta contra os Mouros que cercaram o Porto. E o sangue derramado terá sido tanto que tingiu as águas do rio que passou a chamar-se Rio Tinto. No início do século XIX, (1809) sofreram com a Pátria a violência das tropas napoleónicas que invadiram o Porto. Durante o Cerco do Porto (1832-34), combateram pela causa da liberdade. O vale de Campanhã foi campo de batalha entre o exército liberal que ocupava os montes da “Vela”, da “Costa” e do “Bonfim” e absolutista que dominava os montes de Gondomar e Valongo. Daí, nasceu a “rua do Cerco do Porto”.

 O crescimento da cidade do Porto nos séculos XIV e XV multiplicou os rendimentos dos campos de Campanhã que abasteciam grande parte da população urbana. Para os cultivar, vieram muitas famílias das aldeias vizinhas. No século XVIII, os “grandes” da cidade estabeleceram por aqui as suas quintas de veraneio. Freixo, Bonjoia, Revolta são apenas alguns dos luxuosos solares que imprimiram um cunho muito próprio à paisagem da freguesia. A feição agrícola de Campanhã manteve-se ao longo do tempo e ainda no século XX se realizava na praça da Corujeira a “feira do gado” e a “feira dos moços” de lavoura.

Nos finais do século XIX, a construção da estação de Campanhã originou um grande incremento industrial, atraindo numerosa mão-de-obra do interior do país que, face ao reduzido poder de compra, se concentrou em "ilhas" construídas e exploradas pelos patrões perto das fábricas.

Na década de sessenta do século XX, a Câmara Municipal construiu muitos bairros sociais que fizeram crescer enormemente a população da freguesia e levou à criação de novas paróquias.

 A atual igreja de Campanhã foi construída em 1714 e vandalizada em 1809, 1832 e 1834. Para além das imagens da Senhora de Campanhã, do século XIV, e da Senhora do Rosário, do século XIV/XV, vindas da igreja anterior, certamente românica (a primeira referência a uma igreja, já dedicada a Santa Maria, remete-nos para a “alta Idade Média”) são dignos de atenção os 50 caixotões pintados e o retábulo da capela-mor.

Os naturais de Campanhã, mesmo quando a vida os afastou do berço, reveem-se na sua igreja que lhes lembra tempos felizes da meninice. Como prenda do seu 300.º aniversário, ela espera de todos uma ajuda para o seu restauro que se iniciou no dia da Padroeira. (24/9/2014)

quarta-feira, setembro 17, 2014

Os seminários - alfobres de cultura


No dia 31 de maio, na Casa dos Transmontanos do Porto, o Dr. Barroso da Fonte, perito na história de Trás-os-Montes, enumerava vultos da sociedade portuguesa que despertaram no Seminário de Vila Real. E concluía que, “não fora a Igreja, e esses talentos ter-se-iam perdido nas courelas de seus pais ou engrossado a vaga emigrante, como teria acontecido comigo, perdido numa aldeia dos confins do Barroso”.

Esta lúcida e corajosa afirmação num tempo de laicismo inculto ou mal-intencionado, que procura silenciar o papel da Igreja, fez- me lembrar o colóquio “Percurso de um historiador” em homenagem a um professor catedrático que se jubilava na Universidade do Porto. Escrevia o J.N em 2006: Um investigador meticuloso, académico e homem de grande dimensão cultural. Foram as três facetas mais evidentes no decorrer do colóquio de homenagem a Ribeiro da Silva, autor de vasta bibliografia historiográfica. A cidade de Garrett é uma das suas fontes de pesquisa e interesse. (…) É um homem de olhar sereno e calmo. A ele, fica a dever-se a introdução curricular da cadeira de História da Cidade do Porto, na FLUP, bem como a publicação de obras fundamentais para a compreensão do velho burgo e seus ideais de liberdade. E a nossa Voz Portucalense acrescentava:
Foi um professor de corpo inteiro e de alma plena, Presidente do Conselho Directivo da Faculdade, vice-Reitor da Universidade em dois mandatos, tendo publicado mais de uma centena de trabalhos de investigação. O perfil humano e académico foi definido pela professora da Universidade de Málaga, Aurora Gámez, que salientou a aliança entre o investigador e professor de referência que é, e a simplicidade, disponibilidade e afabilidade humana que sempre revela no seu relacionamento”.

Lembrei-me desta homenagem porque este insigne investigador passou pelos bancos dos seminários do Porto o que muito preza. No selecionado currículo que acompanha seus livros, sempre faz questão de iniciar o seu longo percurso académico com o registo: “Curso Superior de Teologia”.

Este é apenas um exemplo entre muitos. Só no Porto, conheço vários. Honra lhes seja dada. Para quando uma trabalho exaustivo sobre figuras da cultura portuguesa que passaram pelos seminários? Não foram apenas Miguel Torga (Seminário de Lamego), Aquilino Ribeiro (Seminário de Beja), Vergílio Ferreira (Seminário do Fundão)… Apesar das “manhãs submersas”, o que seria destes e outros se, em criança, não tivessem frequentado o seminário? Os seminários sempre foram alfobres de cultura e importantes fatores de mobilidade social.

Uma homenagem ao Seminário Maior do Porto que esta semana encerrou solenemente as celebrações dos seus 150 anos de existência. Um bem-haja para os seus professores.(17/9/2014)

quarta-feira, setembro 10, 2014

O nascer duma paróquia


Foi há 50 anos. Em 15 de agosto de 1964, D. Florentino celebrou missa campal no bairro do Cerco do Porto, frente ao bloco 19. Quando em abril desse ano, a “Obra dos Bairros” contactou a população, logo se constituiu a “Comissão Missa e Catequese” que preparou a primeira missa celebrada na área da atual paróquia de Nossa Senhora do Calvário. A partir dessa data, passou a ser celebrada Eucaristia dominical no átrio da Escola Masculina. A Comissão arranjou um estrado e um altar que montava e desmontava e limpava a escola todos os domingos. E fê-lo durante mais de dois anos… No mês de agosto, realizou- se aí um curso para futuros catequistas. Em outubro, iniciou-se a catequese. Nesse mesmo mês, o sacerdote da “Obra” passou a viver no bloco 15, com a finalidade de apoiar o serviço social e lançar os alicerces da futura paróquia que se estenderia por um território até então servido pelas paróquias de Campanhã e Rio Tinto (Vila Cova). Em novembro, a diretora da escola cedeu-lhe o gabinete do 1º andar onde colocou um altar com sacrário e celebrava missa diária antes das aulas. A Escola Masculina foi a primeira “capela” da paróquia.

Quando, em fins de 1964, a “Obra” reunia com moradores de S. Roque da Lameira, surgiu um grupo que pretendia construir uma capela. O sacerdote, ao passar junto do bloco 9, reparou num pequeno edifício, isolado, ocupado pelos serviços de Jardinagem e Limpeza da Câmara. Feito o pedido, o presidente da Câmara cedeu esse espaço que passou a funcionar como “capela da Senhora da Paz”. A primeira missa em 7 de março de 1965, primeiro domingo da quaresma, quis assinalar a entrada em vigor da reforma litúrgica conforme à instrução “Inter Oecumenici”, o dia em que o papa Paulo VI celebrou a primeira missa em vernáculo e voltado para o povo. Em 31 de maio, uma procissão com a imagem da Senhora da Paz ligou a capela/escola do Cerco com a capela da Paz. Em agosto, realizou-se mais um curso para catequistas. E em outubro, iniciou-se a catequese. No dia 7 de março de 1966, D. Florentino assinalou o 1º aniversário da capela com uma missa em que participou a vereadora da Câmara, D. Maria José Novais.

No dia 1 de novembro de 1966, D. Florentino, com a presença do presidente da Câmara, Dr. Nuno Pinheiro Torres, benzeu a capela de Nª Srª do Calvário.

A ação pastoral foi-se ampliando. Em 31 de dezembro de 1966, D. Florentino criou a Paróquia Experimental que, em 31 de dezembro de 1972, D. António Ferreira Gomes tornou definitiva.

 A paróquia de Nª Srª do Calvário nasceu como sinal duma Igreja pobre e peregrina em “terra de missão” e teve como matriz o espírito do Vaticano II e a espiritualidade de Charles de Foucauld, beatificado em 2005.

(10/9/2014)

sábado, setembro 06, 2014

O Canto das Horas por Teresa Salgueiro



Neste reinício, quero partilhar convosco o novo cd “Cânticos da tarde e da manhã”, do Seminário de Almada. O seu reitor, P. Rodrigo Mendes, escreve: Teresa Salgueiro, cujo nome e magnífica voz poucos desconhecerão, aceitou de bom grado dar voz a este conjunto de belos hinos da Liturgia das Horas (com versões dos nossos poetas) musicados por alguns dos nossos melhores compositores de música litúrgica (F. dos Santos, A. Cartageno, M. Luís, M. Simões, C. Silva). Poema, música e voz - que sublime encontro! Integra os seguintes hinos para cada dia da semana: 1ª tarde - A Vós, ó Verbo eterno, luz bendita; 1ª manhã - Vão se as sombras da noite dissipando; 2ª tarde - Vós, Senhor, que a luz criastes; 2ª manhã – Eterno Criador do universo; 3ª tarde – Fonte de luz, ó Deus, sumo esplendor; 3ª manhã – Desponta a aurora no céu; 4ª tarde – Ó luz da eterna formosura; 4ª manhã – Ó noite, trevas e nuvens; 5ª tarde – Lentamente o sol se apaga; 5ª manhã – Com o sol que se levanta; 6ª tarde – Deus que fizestes o dia; 6ª manhã – Ó Deus autor da luz; 7ª tarde – Vimos ao cair da noite; 7ª manhã – Deus fez brilhar em nós a sua luz; Domingo – Luz esplendorosa da Santa glória e Que salmos ou que versos cantaremos?

A título de exemplo, transcrevo dois hinos.

  • Eterno Criador do universo/Tu que reges a noite mais o dia/E que os tempos alternas com os tempos/ a fim de não haver monotonia! / Já soa a voz do arauto matutino/ Que da noite profunda é sentinela/ E que, da noite a noite dividindo,/Vai dando ao caminhante luz na treva/ A seu canto reaviva-se a esperança, /A saúde aos enfermos já retorna; /Nova alegria a alma nos levanta/ E a vida em cada peito se renova./ Senhor Jesus, protege os vacilantes/Sustém-nos com a força dos teus olhos/ E redime com vigilância/A culpa que no pranto se dissolve. /Refulgente aos sentidos, és a luz /Que vens da mente o sono dissipar-nos./ Por Ti ressoa sempre a nossa voz,/Por Ti soltam-se enfim os nossos lábios. (Santo Ambrósio, versão de David Mourão-Ferreira e música de M. Luís)
  • Deus que fizestes o dia/ De claridade e beleza, /Quando vem caindo a tarde/Nós Vos cantamos, Senhor./Aproxima-se o crepúsculo,/O sol ao longe declina/ E a noite que se avizinha/Alarga o seu véu de sombra./Mas Vós, Senhor Deus altíssimo,/Não deixeis que os vossos servos,/Fatigados do trabalho/Caiam exaustos nas trevas./Não desça a escuridão/Sobre o nosso pensamento,/Pois nos envolve e protege/O esplendor da vossa graça. (Do século VII/VIII, versão de Moreira das Neves e música de C. Silva).

Todo o cd é um apelo à transcendência. Ouvi-lo é, só por si, sentir-se na esfera do divino. Como sabe bem!... Que bom para motivar a oração pessoal! Magnífico para criar um ambiente propício às celebrações litúrgicas.

(3/9/14)