O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, março 24, 2016

AINDA HOJE OS OLHOS SE ALAGAM...


 
O P. José Carlos, de S. Mateus do Pico, quando passava na Voz Portucalense, sempre elogiava D. António de Castro Meireles que foi seu bispo nos Açores. Jamais esqueci a emoção com que dizia“ Ainda hoje os olhos se alagam quando o lembramos”. Porquê esta afeição? A resposta deu-ma o Cónego Correia Pinto num texto de A Voz do Pastor onde realça a sua eloquência - e ele sabia do que falava: “Foi um dos maiores oradores do seu tempo. Foi também o mais eloquente de todos os bispos do Porto”. E, acima de tudo, a sua bondade: “Era naturalmente bom. Tinha a voz doce, a palavra amiga, o trato insinuante. Uma ordem dada por ele era pautada por tanta amabilidade que chegava a revestir o aspecto dum pedido discreto e atencioso. As suas indignações, em caso excepcionalmente graves, resolviam-se quasi sempre em gestos paternais de brandura e piedade. Era profundamente bom.”

Nasceu em Boim, Lousada, em 13 de Agosto de 1885. Frequentou o Seminário do Porto. Em 1908, começou a estudar, simultaneamente, Teologia e Direito na Universidade de Coimbra. Em 1912, montou banca de advogado no Porto e assumiu a direção do Colégio de Ermesinde. Em 1915, foi eleito para o Parlamento pelo Círculo Católico e, em 1920, nomeado professor de Seminário Maior do Porto. Em 1924, foi designado bispo de Angra do Heroísmo e em 1928, bispo coadjutor do Porto, passando a titular em 1929. Da sua intensa atividade, A Voz do Pastor destacava a preocupação pelas residências paroquiais, tendo visitado todas as paróquias; o interesse pelas obras de caridade; a grande dedicação pela juventude e pelas crianças. Em Gaia, na quinta de Trancoso, fundou um seminário menor, um externato (atual Colégio de Gaia), uma escola primária, gratuita, para rapazes. E, em Amarante, criou uma creche e o Colégio de S. Gonçalo. Só isto bastaria para ser credor da nossa gratidão.

A Voz do Pastor (4/4/1942) noticiou: “faleceu no dia 29 de Março, o Senhor Dom António Augusto de Castro Meireles”. Lembra as suas palavras na entrada na diocese «O Episcopado é um martírio», e confirma: “Sim! O Bispo é um Mártir vítima de um Martírio, tanto mais doloroso e cruciante, quanto mais íntimo e oculto. Dom António não derramou o seu sangue, numa arena, vítima de quaisquer algozes, mas lentamente, no íntimo da sua alma, com toda a Coragem e Fé, sofreu o mais doloroso dos martírios, no cumprimento dos seus deveres de Grande Bispo da Santa Igreja, num período difícil da vida da Diocese do Porto”.

O município onde nasceu lembra-o com uma estátua e uma rua, e a cidade onde morreu ergueu-lhe uma estátua no XIII aniversário da morte. Também os municípios de Valongo, Maia e Gondomar o distinguiram com uma rua.

Memória, honra e paz, no 74º aniversário da sua morte. «O Episcopado é um martírio.»

( 23-3-2016)

quarta-feira, março 16, 2016

A DOR É O SAL DA SABEDORIA



Em complemento do texto “De pequenino…” e como prenda para o “Dia do Pai”, apresento, com vénia, um resumo de algumas das 21 Receitas para pôr regras no seu filho, do psicólogo Eduardo Sá.

- As crianças precisam de regras – coerentes, constantes e claras – sejam elas trazidas pela mãe ou pelo pai.

-As regras dos pais, ao pé das dos avós, têm sempre “voto de qualidade”. Que as regras dos avós sejam açucaradas é bom, até porque fazem o contraditório a alguns excessos dos pais.

- Todos os pais de coração grande têm (por isso mesmo) a cabeça quente. Exageram, portanto, algumas vezes. Mesmo quando, duma forma ternurenta, mandam as crianças de quarentena para o quarto para pensarem nas asneiras que fizeram…

- As regras não se explicam, não se negoceiam nem se justificam. Muito menos constantemente. Explicação será exceção. A baliza de referência para todas as regras serão os comportamentos dos pais: não é credível que os pais exijam aquilo que eles próprios não façam regularmente.

- As regras exigem-se. Não se solicitam. Essa exigência deve fazer-se de forma firme e serena.

- Às regras não se pode chegar depois muitas ameaças, admoestações ou avisos. E, muito menos, com decibéis ou na companhia dum olhar assustador por parte dos pais.

- Autoridade é um exercício de bondade. Exercê-la a medo é pedir desculpa por ser bondoso.

- Depois duma criança ser avisada duas vezes, as regras dos pais têm de se cumprir. Isto é, têm mesmo de ser levadas a efeito. Ora, se os pais avisam e não cumprem … tudo fica confuso e inconsequente.

- Sempre que os pais se sentem muito magoados diante dum qualquer ato do filho, estão proibidos de reagir num impulso.

- Atribuir-se a culpa dos atos duma criança ao outro dos pais ou aos avós, por exemplo, é uma forma de fugir às responsabilidades.

- Diante das asneiras das crianças, vale pouco que os pais abusem nos castigos. Se os castigos forem ocasionais e adequados à infração, nada se perde. Se forem repetidos, são insensatos.

- Se os pais exercem a autoridade a medo, assustam. Pais assustados, tornam as crianças assustadiças.

- Se os pais não se zangam mas amuam, estão a fazer duma família uma escola de rancores. E isso torna os pais mais assustadores do que quando se esganiçam e exageram.

- Por tudo isto, é claro que por trás duma criança difícil está um adulto em dificuldades.

- A autoridade é um exercício de bondade. Aceita-se quando nos chega pela mão de quem nos ama ou das pessoas que admiramos. Ninguém aprende sem alguma dor. Como eu gosto de dizer, a dor é o sal da sabedoria”.


A última receita, e, a seu modo, também as outras, trazem-me à ideia uma frase de Luandino Vieira, em Papéis da Prisão: “Talvez precise de sofrer mais, se é que já sofri alguma coisa, para ser mais humano”.

(16/3/2016)

 

 

quarta-feira, março 09, 2016

DE PEQUENINO...


 

 Pitágoras, já lá vão mais de dois mil e quinhentos anos, escrevia: “Educai as crianças e não será preciso castigar os homens”.

Há cerca de cinquenta anos, num tribunal americano, o juiz virou-se para a mãe dum jovem que acabava de condenar e disse-lhe: “Se a senhora tivesse usado um chinelo quando ele era criança, talvez agora não o estivesse aqui a chorar”.

Vem isto a propósito da entrevista (Visão nº 1196) de Javier Urra que acaba de publicar O Pequeno Ditador cresceu, na esteira de O Pequeno Ditador. Confirma o que já dissera Ángel Peralbo, em O Adolescente Indomável: “Há pais que vivem com vergonha, que se sentem mal e fracassados pelo que têm de enfrentar”.

Javier Urra interessou-se pela educação quando “assistiu a um momento que jamais esqueceu: um miúdo empurrou a mãe e deixou-a caída no chão. Acabou a tropeçar nela. A mãe levantou a cabeça e perguntou-lhe: «Magoei-te?». Pensei que aquilo era contra natura. Acabei a descobrir que, nestas circunstâncias, sofre a mãe, sofre o filho, sofre a sociedade, e é um sintoma de que algo vai mal”.

Na entrevista, contrapõe: “Antigamente, ser filho significava agradecer aos pais a vida que lhe tinham dado. Hoje, vemos adolescentes a dizer aos pais, ou pior, à mãe: «Foste tu que me pariste, agora aguenta-me. Eu não te pedi para nascer» ”.

Os graves problemas dos adolescentes “começaram quando tinham 4,5 ou 6 anos. E os pais dizem que não conseguem lidar com eles. E se sentem dificuldades nessas idades, mais tarde então, nem imaginam. Vivem embrulhados em pequenas coisas. «Ai, como lhe digo que não? Ai, como vai ser? E se o traumatizo?» Vivem com demasiados medos”. Não querendo parecer antiquados, “decidem que os filhos podem ter toda a liberdade, ao mesmo tempo que os superprotegem, não lhes impondo limites. Não são capazes de lhes dizer que não, receiam que sintam qualquer frustração, meteram na cabeça que a forma como foram educados já não serve. Se calhar era a melhor”.

Deixa alguns conselhos: “Temos de educar para a autonomia com responsabilidade. Fazê-los ajudar e doar do seu a quem não tem, ensiná-los a ser altruístas. E dar valor ao que têm. O mundo não é como o vemos, o mundo somos nós e os outros todos em volta.Temos de educar as crianças para o otimismo mas também para que sejam resilientes, para que saibam que quando algo corre mal podem sempre dar a volta”.

Em síntese: Nem medos nem complexos de culpa. O que se pede aos pais é coerência, bom senso, capacidade de amar e sancionar com equilíbrio e oportunidade. A criança não pode pagar pelas más disposições dos pais. O castigo deve surgir sempre como um gesto de amor dorido e não de descontrolo emocional. Clareza sem tibiezas nem ziguezagues. Já Jesus dizia “ Seja o vosso falar: Sim, sim; Não, não (Mt, 5,37).

(
9-3-2016)

 

 

quarta-feira, março 02, 2016

UMA MULHER DE ELEIÇÃO


 



Monsenhor Alexandrino Brochado apresentou-o como “Eloquência rara, espírito brilhante, orador até à ponta dos cabelos” (VP, Março de 2003). Há dias, sua sobrinha M. L., nossa assinante, enviou-me um texto que ele publicou em O Comércio do Porto (26/07/1970) com o título desta crónica, sobre “a Mulher Forte, porventura a mais forte que tenho conhecido na minha vida inteira”. Quem era este “Pregador de fama”? E esta “Mulher de Eleição”? Estou a falar do P. Luís Castelo Branco e de D. Sílvia Cardoso por ele considerada como “o mais perfeito exemplar de virtudes naturais e sobrenaturais”.

Começa por falar do primeiro encontro, no Gerês, em julho de 1942. “A senhora, que pela primeira vez me falava, fisicamente pouco sobre o forte, modestamente vestida, em toda a maneira de ser, uma simplicidade invulgar, porém sumamente impressionante no seu olhar e mais ainda no seu falar.” E acrescenta: “Deveras surpreso, soube que era a senhora D. Sílvia Cardoso, senhora que admirava e estimava sem conhecer. ”

 A admiração fez-se amizade que perdurou até à sua morte. Confessa: “Durante 26 anos convivi muito de perto com a senhora D. Sílvia Cardoso, prestei-lhe, da melhor vontade, os serviços que lhe foram úteis para o seu apostolado constante, frutuoso e até heróico, tive ensejo de perscrutar, até ao mais íntimo, a nobreza do seu carácter, a delicadeza dos seus sentimentos, a pureza da sua fé, o ardor da sua caridade que para mim era apanágio da sua maior grandeza”. Quão esclarecedor e valioso é o seu testemunho: “Numa actividade constante, dispersou as suas energias sobretudo na promoção de exercícios espirituais, para toda a classe de pessoas, principalmente das dioceses do Porto, Vila Real, Évora e Lisboa. Compadecia-se de todas as misérias físicas, procurando a tudo dar remédio eficaz, foi assombrosa no campo assistencial, porém o que mais a preocupava eram as misérias morais, que, por encanto, ou milagre, subtilmente lobrigava por todo o País. Perante factos calamitosos e deprimentes que tanto rebaixavam a natureza humana, D. Sílvia a ninguém disse uma palavra de recriminação, sanando tudo com palavras que só ela sabia dizer e com doçura, que só o seu coração sabia destilar”.

Como é eloquente a síntese final “Sílvia Cardoso, à maneira do raio branco que concentra em si todas as cores, que ostenta no arco-íris, também na sua humildade concentra e oculta as cores de todas as virtudes, o rubro da caridade ardente, o verde da esperança, quase certeza, o azul da pureza da alma, a mulher delicada e simples, cujos feitos portentosos fizeram vibrar de admiração os que tiveram a ventura de os conhecer”.

Honra para quem assim escreveu e glória a Deus por quem tais palavras mereceu!

(2/3/2016)