O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 14, 2010

O futebol e a festa…

O futebol é desporto, é economia, é festa. É tudo isso e mais ainda... Vimo-lo no Campeonato do Mundo. Ouvimos a ministra francesa do Desporto dizer aos seus jogadores “ foi a imagem da França que vocês mancharam” e tememos pelo futuro da França multiétnica Ouvimos catalães, galegos, bascos, embrulhados em bandeiras espanholas, gritar”E Viva Espanha!” E o Rei desta Espanha Unida recebeu, no seu Palácio Real, os novos símbolos do orgulho espanhol.

E salta a pergunta: donde vem esta força?

-O futebol é um espectáculo maravilhoso e dramático. Maravilhoso porque permite uma fuga à monotonia do quotidiano e suscita uma experiência de tipo religioso em que os jogadores são os “deuses da bola”, os “gigantes” dos novos tempos. Dramático porque satisfaz a necessidade de emoções fortes e imprevisíveis onde o desfecho é ignorado pelos próprios actores. A linguagem desportiva, de cariz poético, possibilita o sonho e a evasão. Como festa, o futebol situa-se num tempo que se suspende fora do tempo. É o “eterno ontem” que se torna presente. Os adeptos falam das vitórias passadas como se elas acabassem de acontecer…

- É uma celebração da vida numa verdadeira liturgia do mundo. No centro está a bola, símbolo cosmológico por excelência, o altar é o rectângulo do jogo, os ministros do culto são os jogadores, os árbitros são os mestres de cerimónia E a assistência participa em cada rito com bandeiras, cânticos e gestos colectivos. Não é por acaso que alguns estádios viraram “catedrais” e alguns dirigentes “papas”! São celebrações que reactualizam o combate primordial. Tornam presente o conflito eterno entre o bem e o mal, a morte e vida. “É o mata-mata”. E a assistência projecta-se nos seus heróis. Grita com as vitórias, chora com as derrotas. As selecções nacionais são a incarnação da alma de um povo que se ufana ou se deprime. E quanto mais chauvinista maior a reacção.

- Como festa, gera estados de orgia, de excessos e desregramentos. O futebol, ao ritualizar a violência, poderá ajudar a sublimar os impulsos violentos das pessoas e das comunidades. Assume uma função catártica. Descarregamos, simbolicamente, sobre os adversários, sobre os árbitros, todas as nossas frustrações. O pior acontece quando o ritual é abandonado e o futebol se transforma num espectáculo degradante de violência gratuita e impune.

- É um sinal da necessidade que o homem sente de projectar-se na transcendência, de pintar o futuro de esperança. Veja-se o entusiasmo dos adeptos no início de cada época…

-É um rito que realiza um mito. A actual ruptura com o mito religioso da paz original abre o futebol a outros mitos, a outras sacralizações, mesmo as mais perigosas como a xenofobia, o racismo e o hooliganismo. E o futebol deixa de ser festa para ser terror.

Transcrevo um excerto da conclusão de ”Futebol. A grande festa dos tempos modernos”, de António da Silva Costa, professor do FCDEF -Universidade do Porto - que esteve subjacente às minhas reflexões: “ O futebol mostra que, quando a sociedade moderna quer, através duma festa permanente e sem limites espaciais, transformar a terra num paraíso, isto não é mais que o resultado duma nostalgia definitivamente perdida. A verdadeira festa e o paraíso com que o homem continua a sonhar é preciso procurá-lo no além. Por enquanto, é o tempo do jogo.”

quinta-feira, julho 08, 2010

Bendita seja a Beleza e louvado o seu Criador!

Foi na tarde de sábado, dia 3 de Julho. A temperatura acima dos trinta graus chamava-nos para a praia. O Argentina - Alemanha do Campeonato do Mundo de Futebol convidava-nos a permanecer frente ao televisor. Mas foi mais forte o apelo do Professor Hélder Pacheco: “No Céu. Por que esperais para assistir a estes espantosos momentos de órgão ibérico na igreja dos Grilos?”(JN. 1/7)


A Igreja de S. Lourenço encheu-se. Todos procuravam o melhor local para ver o grande órgão ibérico que, lá nas alturas do coro alto, olhava vaidoso aquela multidão de admiradores. Ia realizar o concerto de encerramento do ciclo “Sons e timbres do órgão ibérico – Música no Seminário Maior do Porto”.


Sentado de frente para o órgão, percorria com o olhar as paredes graníticas daquele magnífico templo do século XVII, - ímpar em Portugal, mas quase desconhecido dos portuenses - até que parei extasiado no altar de Nª Sª da Purificação. A luminosidade intensa daquela tarde de sol dava um brilho inusitado à riquíssima talha dourada que o recobre e à ternura da “Senhora das Candeias”.



Às 17 horas, o Reitor do Seminário, Dr. Álvaro Mancilha, após uma saudação cordial a todos os presentes, apresentou o organista Giamplo Di Rosa, recentemente, agraciado, em Roma, pelo Estado Português com o grau de comendador da Ordem do Infante. (Voz Portucalense de 30 de Junho). Do programa, enfatizou uma composição do próprio Giampolo, apresentada em “estreia mundial”, e uma improvisação sobre o tema que acabara de sugerir: o motete gregoriano “Tantum ergo”.
Enquanto o ouvia, meus olhos continuavam presos ao retábulo barroco do transepto que D. Domingos de Pinho Brandão considerou “uma quase obra-prima”.




As primeiras notas da “Suite inglesa” de Bach começam a desprender-se lá das alturas. De repente, o altar desaparece. Nem paredes, nem público, tudo se esfuma. É a presença exclusiva do som. Não sei se fechei os olhos ou se continuei de olhos abertos. Só sei que entrei num outro mundo que me arrebatou às condições exteriores da existência e me elevou acima de mim mesmo. Será este o Céu de que falava Hélder Pacheco?

Só “acordei” quando as primeiras notas do “Tantum ergo”despertaram em mim reminiscências de tempos idos. E o que antes fora êxtase, converteu-se em oração. Foi o momento sublime da improvisação. O Allegro do primeiro andamento fez-me evocar memórias e encontrar analogias entre o meu estado de alma, que agora via Deus na beleza da arte, e do jovem que, naquele mesmo local, muitas vezes ajoelhou frente ao “Santíssimo Sacramento”. A serenidade introspectiva do Adágio do segundo andamento levou-me a contemplar Deus na beleza das suas criaturas: o canto do pintassilgo, o voo da andorinha, o murmúrio da fonte, as pétalas da rosa, o verde da montanha, as cores do arco-íris, a ondulação do mar, o sorriso da criança. A apoteose do andamento “Finale” suscitou em mim um cântico de acção de graças a Deus que nos deu esta capacidade de nos emocionarmos perante o Belo e fez do homem um produtor de beleza. No fim, as minhas palmas quiseram agradecer ao Seminário este concerto, homenagear os compositores e o organista que nos encantaram e louvar a Deus que no homem e pelo homem fez e faz maravilhas. É a transcendência da arte.