O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 26, 2022

"CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS"

Perante o mistério da morte, resta-nos o silêncio. Foi o que me aconteceu, no passado dia dez, com a morte do Fernando. Uma amizade que vem de longe e todos os meses se fazia partilha num jantar de casais. No seu velório em Paranhos, num silêncio longo, comecei por dar a voz à memória. E detive-me em dois momentos bem significativos da nossa convivência. Recuei até à primeira visita que fizemos à sua terra de que, sob o título ‘No Princípio, foi o convite’, dei notícia no jornal local. Começava assim: “E a amizade fez maravilhas…O convite dum amigo para passar um fim-de-semana na sua terra natal fez com que um nome, perdido no anonimato de um mapa, ganhasse relevo e se tornasse familiar: o amigo foi o Fernando Castro e a aldeia chama-se Pombal de Ansiães”. (O Pombal, Fevereiro, 2002) Recordei também o último jantar de amigos num restaurante da Baixa do Porto, em finais de novembro passado. Como anfitrião, recebi os convivas à porta e esperei pelo Fernando que se demorara a estacionar o carro. Suspendi a evocação, olhei o seu caixão e, em pensamento, desabafei: - Amigo, no nosso último encontro esperei por ti mas sabia que irias chegar e chegaste: o mesmo sorriso afável, a mesma festa no olhar, a mesma piada oportuna, a mesma discrição nos gestos, a mesma finura no trato. Agora, estou aqui sentado há longos minutos e tu nada me dizes. Olho para ti mas sei que o sorriso não mais brilhará no teu rosto. Já não és tu… Senti-me impotente perante a grandeza avassaladora da morte. E as lágrimas embaciaram-me os olhos. Nesse momento de dor e desalento, vieram-me à mente as “Verdades da Fé” do Credo/Símbolo dos Apóstolos: ‘Creio na comunhão dos santos, na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; na vida eterna’. E ecoaram em mim as palavras do papa Francisco na Festa de Todos os Santos de 2014: “A solenidade de hoje ajuda-nos, assim, a considerar uma verdade fundamental da fé cristã, que professamos no Credo; a comunhão dos santos. É a união comum que nasce da fé e une todos aqueles que pertencem a Cristo na força do Batismo. Trata-se de uma união espiritual que não é quebrada pela morte, mas prossegue na outra vida. Subsiste uma ligação indestrutível entre nós vivos neste mundo e todos os que passaram para lá da morte. Nós aqui na terra, juntamente com aqueles que entraram na eternidade, formamos uma só grande família”. E, com ênfase, o Santo Padre concluiu: “Esta realidade da comunhão enche-nos de alegria: é belo ter tantos irmãos na fé que caminham ao nosso lado, nos apoiam com a sua ajuda e juntos connosco percorrem a mesma estrada até ao céu. E é consolador saber que há outros irmãos que já chegaram ao céu, esperam por nós e rezam por nós, para que juntos possamos contemplar eternamente o rosto glorioso e misericordioso do Pai.” Senti-me reconfortado mas os olhos continuaram humedecidos. Somos assim, somos humanos… A Fé não anula a dor mas atenua a tristeza da despedida e dá sentido pleno à vida. ‘A Esperança anima-nos mas as saudades é que fazem sofrer…’, como, em hora de luto, nos escreveu D. Januário. ( 26/1/2022)

sábado, janeiro 22, 2022

RECEBI O JACKPOT DA VIDA

“Na noite em que tu nasceste, a Lua sorriu com tanto contentamento que até as estrelas, curiosas, se puseram a espreitar para te ver. O vento e a chuva ficaram de tal modo deslumbrados quando te viram que sussurraram o som do teu nome tão bonito. O som do teu nome voou sobre a terra, levado pela brisa… voou sobre o oceano… Até que todos o ouviram e souberam que tu tinhas nascido. Nunca mais se viram uns olhos como os teus, um nariz igual ao teu, nem uns pezinhos tão engraçados e brincalhões como os teus. A Lua ficou acordada até de manhãzinha. E nenhuma joaninha quis afastar-se das flores do lago. Porque nunca antes o mundo conheceu alguém como tu, meu amor, e nunca irá conhecer mais ninguém assim, nunca mais… “ (Nancy Tillman, Na Noite em que tu nasceste) Este texto poético vem transcrito no livro de leitura do 2º ano de escolaridade da nossa neta Clara. No dia em que o li, fui buscar à escola o Francisco. Apaixonados por ciclismo, falávamos sobre a Volta a França. Lembrei os grandes ciclistas do passado com destaque para o espanhol Miguel Indurain. E ele, nos seus dez anos bem informados, citou os melhores da atualidade com realce para o jovem corredor esloveno, Pogacar, que, com apenas 23 anos, já venceu as voltas de 2020 e 2021. E perguntou: - “Avô, que probabilidades há de aparecer um novo Pogacar?” Esta pergunta levou-me a explicar as diferenças entre possível e provável. E dei um exemplo: “ Quem joga no totoloto fica com a possibilidade de vir a ganhar o ‘jackpot’ mas é muito baixa a probabilidade. E sem outro contexto, ele comenta: “Então eu já recebi o ‘jackpot da vida”. Surpreendido com esta inesperada afirmação, perguntei-lhe: - “Porquê?” – “Porque eu podia nunca ter existido.” – “É verdade. Tu és um possível tornado real”, respondi-lhe e fiquei a pensar… De facto, antes de existirmos, éramos possíveis mas não prováveis. No meio de miríades de possibilidades, a pessoa que nasce é sempre único e original. Não é algo, mas alguém; não quê mas quem. É sujeito porque, consciente de si, é capaz de se assumir como um ‘eu’. É singular e irrepetível. E porque é racional, livre e responsável, cada pessoa é autónoma. É dona de si porque capaz de se assumir perante si e perante os outros como sujeito dos seus atos e neles se sente pessoalmente comprometido. Amigo que me lês, eu sou, tu és, essa criança cujo nascimento, como diz o texto, fez rejubilar a natureza. “Nunca antes o mundo conheceu alguém como tu e nunca irá conhecer mais ninguém assim, nunca mais”. Durante o ano que agora se inicia, que o dom da vida continue a sorrir-nos. Cada manhã é sempre nova e, de certo modo, eterna porque irreversível. Aproveitemo-la! Renascemos em cada dia. Quão belo poderá ser o nosso acordar com uma oração de louvor e ação de gracas! Especialmente nós, os que tivemos a dita de chegar ao entardecer - quantas ‘árvores’ já tombaram no nosso caminho… - deixemos de enfatizar os medicamentos e saibamos pôr a render os ‘euritos’ que ainda nos restam desse ‘jackpot’ que nos saiu, num dia mais ou menos longínquo, e sem qualquer mérito da nossa parte. (12/1/22)

quinta-feira, janeiro 20, 2022

"UMA ENTREGA TOTAL AOS POBRES E ABANDONADOS"

‘O Gaiato’ (18/12/2021) publicou uma crónica assinada pelo Padre Quim, de Benguela, que dizia: “Hoje, 6 de Dezembro de 2021, celebrámos com gratidão a Deus Pai pelo dom da vida – vocação – missão que concedeu ao nosso querido Padre Manuel António, cuja vida foi uma entrega total aos pobres e abandonados”. Quem era o P. Manuel António? No “Anuário da nossa Diocese, de 2010/11”, página 16, consta: “Pereira, Manuel António da Silva, Nasc.: 20/Jan/34 – Ord.: 04/Ago/57 – Ausente da Diocese – (Obra da Rua) Benguela”. Conheci-o, era ele ainda aluno do Seminário da Sé, através do Elisário meu condiscípulo e seu conterrâneo de Santiago de Bougado. Nunca mais o esqueci e foi com surpresa que o vi ir para a Obra da Rua. Só agora, passados tantos anos, fiquei a saber como tal aconteceu. Quem mo disse foi o P. Júlio, responsável pela Casa do Gaiato de Paço de Sousa, no Prefácio do livro: “Padre Manuel António…”, há pouco editado, com uma seleção das suas crónicas: “O primeiro encontro com Pai Américo marcou-o profundamente. Tinha vindo para Cête, nas férias, participar numas colónias de rapazes que aí decorriam. Estando a dois passos de Paço de Sousa deslocou-se lá e manifestou a Pai Américo o desejo de entregar a sua vida sacerdotal, que começaria em breve, à Obra da Rua. Seu Bispo, D. António Ferreira Gomes, no dia da ordenação, enviou-o para servir na Obra e sublinhou o gesto com manifestação do seu próprio desejo de que houvesse mais padres para, na Obra, servirem os pobres”. No início de sessenta, parte para Angola como mais tarde recordava: ”Completam-se, hoje, quarenta anos. Foi em 2 de Novembro de 1963 que partimos de Lisboa para Angola. Chegámos no dia 14 a Luanda. No dia 16 ao Lobito e a Benguela. Viemos como passarinhos que se desprendem a primeira vez do ninho que os viu nascer e se fizeram ao largo. Como eles, confiando sempre na presença dos pais que não perdem de vista os filhos na aventura do primeiro voo, assim nos despedimos dos que ficaram.” E termina dizendo: “estes foram os sentimentos de há quarenta anos, expressos n’O Gaiato… E agora? Queremos ser capazes de admirar as grandes coisas que Deus fez, ao longo dos anos de vida da Obra da Rua, em Angola. Queremos ser capazes de reconhecer também as falhas de que nós somos autores. É Obra de Deus feita com instrumentos humanos.” Nos princípios de 1964, iniciou-se a construção da Casa do Gaiato de Benguela para “valer a tantas crianças geradas fora do ambiente familiar” que, aí, “encontraram a autonomia no meio da sociedade”. Exemplo dessa integração é o senhor José de que falei na VP do pretérito dia 22 de setembro. Com a independência do país e a interrupção da atividade da Obra do Gaiato, o P. Manuel António deixou Angola para aí regressar logo que foi possível, na década de noventa. Deixo-vos com a sua última mensagem publicada n’O Gaiato de 7/11/2020: “Somos todos irmãos: Que o coração de cada um de nós acolha esta verdade sublime como luz para a nossa forma de vida”. Quem quiser conhecer melhor a sua vida e pensamento pode solicitar o livro, que venho citando, “pelo telefone 255752285, pelo e-mail:geral@obradarua.pt ou directamente no site:wwwobradarua.pt”. É um mergulho na intimidade dum Padre que fez da vida “uma entrega total aos pobres e abandonados”. Vale a pena. Uma boa leitura para as longas noites de inverno. (19/1/2022)

quarta-feira, janeiro 05, 2022

NO 17.º ANIVERSÁRIO - UMA EVOCAÇÃO E UM VOTO

O despertador toca às sete. Começam cedo as nossas tarefas de avós que nos ocupam o início das manhãs e também as tardes dos dias de semana. Mas, à 6.ªfeira, os nossos ‘patrões’ só nos ocupam no início da manhã e nós aproveitamos para conhecer as nossas terras. No dia 5 de novembro, fomos até às terras de Lousada, uma veiga fértil que se alonga pelos vales do rio Sousa e do Mezio, seu afluente. Subimos à Senhora da Aparecida que, lá do cimo, abençoa a várzea que se acolhe a seus pés. Contemplámos a imagem da Senhora e a estátua do ermitão que, segundo a tradição, esteve na origem deste santuário mariano. Depois, foi a descida até à ponte da Veiga (séc. XIV). E prosseguimos para o ‘Parque da Torre de Vilar’ que nos recebeu em tons outonais na imponência da sua torre (séc. XII). Em Aveleda, vimos o exterior da igreja românica de São Salvador (séc. XIII/XIV) e parámos nos quatro arcos da ponte de Vilela do século XVII. Seguiu-se Meinedo - a razão primeira desta viagem - que, no tempo dos Suevos, foi sede de diocese. O seu bispo participou, em 572, no II Concílio de Braga, como nos informa o P. Miguel Oliveira em História Eclesiástica de Portugal: “Assistiram os seguintes bispos (…) e Viátor da igreja Magnetense”. A diocese de Magneto (Meinedo) foi extinta nos finais do século VI, dando lugar à diocese do Porto. No século XX, foi restaurada como ‘sé titular’. O ‘nosso’ D. António Francisco foi o terceiro bispo titular da extinta diocese de Meinedo. Começámos por visitar a ponte de Espindo, românica, onde fizemos uma prece junto das ‘alminhas’ que a vizinhança reconstruiu e agora enfeita. Depois foi uma paragem longa para admirar a igreja de Santa Maria de Meinedo, de estilo românico tardio, construída sobre as ruínas duma antiga capela, possivelmente dos tempos em que foi sede episcopal. No exterior, detivemo-nos nas ‘pérolas’, de cariz românico - influência da Sé Velha de Coimbra - do pórtico principal. Mas o que mais nos surpreendeu foi o grande número de senhoras que, com flores dos seus jardins, preparavam as jarras com que iriam enfeitar os altares. Com que cuidado e gosto o faziam!... Por simpatia da professora Margarida que nos guiou - soubemos, depois, que é assinante antiga e leitora semanal do nosso jornal - pudemos admirar o interior desta igreja que, durante o domínio visigótico, terá acolhido o corpo de Santo Tirso, vindo de Constantinopla, e cuja imagem ainda aí se venera na capela do Santíssimo. Se admirámos o arco-cruzeiro e o retábulo-mor, foram os caixotões do teto da capela-mor com pinturas marianas que mais nos prenderam a atenção. Num altar lateral, encantou-nos a imagem, em pedra de ançã (século XIII), de Nossa Senhora das Neves, padroeira da freguesia, também conhecida como Nossa Senhora de Meinedo e ainda Santa Maria a Alta. No dia 21 de dezembro, evoquei os 17 anos da nomeação de D. António Francisco como titular de Meinedo, e no dia 24, os 7 anos da sua presença na ceia do “Natal dos Sós”- a sua primeira noite de Natal como Bispo do Porto. Que a ternura do seu olhar e a bondade do seu coração iluminem nossos passos no ano que agora desponta. (5/1/22)