O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, agosto 31, 2006

EU TAMBÉM ACREDITEI...

Era Setembro. Com o casal Luz e Dino, estava a jantar no restaurante Barrelo, na minha terra, quando foi interrompida a emissão da RTP e anunciada uma comunicação ao País de sua Excia o Senhor Presidente da República, o Almirante Américo Tomás. Fez-se silêncio na sala. Desde que Salazar caira da cadeira, estávamos à espera desta comunicação para anunciar o nome do seu substituto. Foi com satisfação que ouvimos indicar o nome do Professor Marcelo Caetano porque, antigo delfim de Salazar, fora por este marginalizado,na sua fase final e porque tinha tomado posição a favor da Universidade/Estudantes na crise académica de 1962. Acreditámos numa liberalização/ (democratização do regime?).
De facto, ele inaugurou um estilo de governação mais próxima do povo do que no tempo do " Esteves"(Salazar era assim conhecido porque nunca comparecia à inauguração de uma grande obra do regime, (como foi o caso da Ponte da Arrábida, no Porto, em 1963), mas,, nas vésperas vinha ver a obra de forma inesperada: no outro dia, os jornais noticiavam: ontem, sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho, Prof. Doutor Oliveira Salazar, esteve...).Começou a aparecer regularmente na televisão com as "Conversas em Família"; alterou o nome da polícia mais detestada de Portugal, passando a PIDE a chamar-se DGS ( Direcção Geral de Segurança); à Censura chamou Exame Prévio ( E eu acreditei que estas mudanças de nome corresponderiam a nova orientação política). No entanto,três acontecimentos me tocaram de sobremaneira: a autorização do regresso de D. António ao Porto, a inclusão de pessoas mais arejadas nas listas da União Nacional nas eleiçoes para a Assembleia Nacional e a visita à minha capela do Cerco do Porto.
O regresso de D. António- O Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, esteve exilado desde 1958 porque Salazar não autorizava a sua entrada em Portugal.( Esta proibição teve como causa próxima a chamada " Carta do Bispo do Porto" que D. António mandara a Salazar, contendo os pontos sobre os quais gostaria de conversar na audiência que Salazar lhe tinha concedido). Mais do que isso, o seu nome foi banido de todos os meios de comunicação do País. Qualquer alusão ao Bispo do Porto era logo riscada pela Censura e o seu autor chamado à PIDE. Este "assassinato/morte" de D. António chocou-me fortemente quando a sua mãe morreu. A notícia da morte não pôde ser anunciado nos jornais. Fomos nós que andámos a bater à porta dos padres da diocese a avisá-los e a informar a data do funeral: foi bonito ver tanta gente no funeral- o D. António não foi autorizado a vir ao funeral da mãe. Logo que Marcelo Caetano passou a presidir ao Governo, gerou-se um movimento enorme no clero do Porto, sob a liderança do Dr. Martins, abade de Cedofeita (hoje Bispo Emérito de Setúbal). Os documentos enviados eram sempre assinados por doze padres do Porto ( por vontade do Dr. Martins, eu representava o clero jovem. Dizia o Dr. Martins: como nos doze apóstolos, o João é o mais novo). Esta minha participação acarretou-me a má vontade do D. Florentino, Administrador Apostólico da Diocese: na última reunião do Conselho Presbiteral do Porto a que eu pertencia sua por escolha pessoal, este virou-me as costas quando eu ia cumprimentá-lo ( fraquezas humanas...de quem me merecia/merece muita consideração). Enquanto o processo decorria, o D. António aproximou-se de Portugal: veio viver para um mosteiro em Vilalba de Tormes, perto de Salamanca ( aí o fui visitar com o primo Manuel Joaquim). Logo que foi autorizada a sua entrada, instalou-se em Fátima onde o fui ver na companhia do Abade das Antas. Por tudo isto, o regresso à diocese do Porto foi um momento de grande ALEGRIA e, sem dúvida, deveu-se a Marcelo Caetano. Com Salazar era impossível, nem sequer era pensável...
A Ala Liberal - Nas eleições de 1969, por vontade de Marcelo Caetano, a lista da União Nacional foi renovada com um conjunto de jovens com ideias novas: Magalhães Mota, Mota Amaral, Pinto Balsemão, Miller Guerra, Pinto Leite, Pinto Machado. .Limito-me a realçar aqueles que mais próximos estavam de mim por serem cristãos comprometidos e do Porto: Dr. José da Silva, advogado, antigo seminarista e visita frequente do Seminário; Francisco Sá Carneiro, do movimento dos casais e cursilhista. O D. António, além da amizade pessoal com o Zé da Silva tinha particular estima pelo Sá Carneiro, pertencente a uma importante família de advogados do Porto ( Por isso é que o escolheu para a Direcção da Obra Diocesana de Promoção Social do Porto).
Visita à capela da Senhora do Calvário no Cerco do Porto - Terá sido em 1968/69 ( só sei que foi no dia da inauguração do Centro de Formação Profissional do Cerco do Porto). No final da cerimónia, a que assisti pois foi eu quem, como pároco, procedi à sua benção, a população do Cerco esperou que Marcelo Cetano saísse do recinto do Centro, rompeu a barreira da segurança, e convidou-o, com muita insistência, a visitar a capela do Bairro " que era muito bonita" e tinha sido benzida há pouco tempo. O Professor mandou-me chamar e disse-me: -estão a convidar-me a visitar a sua capela. O senhor Padre autoriza-me? Face à minha resposta, pediu-me que o acompanhasse para lhe indicar onde mandar parar o carro. E assim foi. Mas gerou-se a confusão enorme. Ninguém sabia, para além de mim, o que ia acontecer. Os condutores dos outros carros ficaram aflitos quando viram parar o carro presidencial; os seguranças ficaram em pânico. Toda a gente corria: corria o Presidente da Câmara, Eng. Vasconcelos Porto, para acompanhar o senhor Presidente; corriam os seguranças para rodearem o Presidente; corriam as pessoas para falarem com ele, e, então para as crianças, era uma festa, eram as que mais corriam... Ele saíu do carro, sendo imediatamente rodeado pelos seguranças e pela multidão que o esperava. Caminhou comigo até à capela, mandou os seguranças esperarem à porta, e entrou sozinho comigo e com umas crianças que corriam atrás de nós o Eng. Vasconcelos Porto, com a careca a reluzir de suor, lá se aproximou. Percorremos a capela toda. Admirou especialmente a imagem da Senhora do Calvário, cuja significação eu lhe expliquei: -" mas que linda imagem!" (Há fotografias dessa presença, tiradas pelo senhor Magalhães - quando foi inaugurada a nova igreja, o pároco dessa época, Pe Carlos Pinto, pediu-me fotografias para uma exposição e ficou muito admirado: não queria acreditar no que os seus olhos viam " mas este é Marcelo Caetano! Ele já esteve na capela do Calvário?" E eu subi uns degraus na sua consideração por mim.., afinal não era tão esquerdista como ele pensava...);
Depois da visita, organizei um album com as fotografias oferecidas pelo senhor Magalhães e mandei-lho com um cartão meu que dizia simplesmente: " Que Vossa Excelência consiga realizar as aspirações que o Povo Português deposita em si, neste momento". Passados uns dias, recebi um cartão da Presidência do Conselho, escrito por ele, agradecendo o acolhimento de que foi alvo e o album que lhe enviara. Esse cartão passou a andar sempre no meu bolso. Era o meu bilhete de apresentação ( arma de defesa), caso a PIDE se metesse comigo...
Por tudo isto, eu acreditei na " Primavera Marcelista". Mas, com o andar do tempo, essa esperança foi-se desvanecendo perante o que se passava na Assembleia Nacional, de acordo com os relatos de 4ª feira feitos pelo "Chico" ( a primeira parte da reunião da direcção da Obra Diocesana era preenchida com as suas informações que o Sá Carneiro nos trazia de Lisboa), confirmados com as actas da Assembleia Nacional publicadas pelo Jornal República. A machada final foi dada quando o Sá Carneiro pediu a demissão de deputado e me apercebi que à mudança de nome das antigas instituições repressoras do Estado Novo não correspondia uma consequente mudança de métodos e objectivos. Razão tinham os latinos: "corruptio optimi pessima". O fracasso da esperança é a pior das dessilusões.
Porquê esta incapacidade de Marcelo para alterar o regime político. Foi a ala conservadora, liderada por Américo Tomás, que não permitiu? Ou foi o próprio Marcelo que não quis porque viu que uma liberalização levaria a uma democratização e esta era impossível porque a Guerra Colonial não resistiria a uma democratização dado o cortejo de deficientes, mortos que ela arrastava atrás de si. O Povo estava cansado/ farto de sofrer. Foi a Guerra Colonial que tolheu os movimentos a Marcelo que não estaria disposto a abandonar " as províncias ultramarinas". Em síntese: a liberalização levaria à democratização; a democratização levaria ao fim da guerra colonial; o fim da guerra colonial levaria ao fim do império colonial. E não sei se Marcelo quereria chegar tão longe. Só uma profunda mudança da sua ideologia, interiorizada nos tempos da Mocidade Portuguesa, poderia aguentar tão profundo acto de coragem. Se tivesse tido essa coragem, a transição para a democracia far-se-ia de modo tranquilo sem ser necessário revoluções e o “25 de Abril” não teria sido necessário.
Porquê este blog? Porque amanhã retomo o trabalho no Colégio e não queria deixar passar as comemorações dos 100 anos do seu nascimento (17 de Agosto - em 27 de Setembro , fará 38 anos da sua tomada de posse como Presidente do Conselho), sem fazer memória de um homem, culto, inteligente e de fino trato, que poderia ter marcado muito positivamente a História de Portugal e, assim, ficará esquecido, ou será lembrado como um filho menor da ditadura salazarista, um salazar de segunda categoria. Contradições da história.



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segunda-feira, agosto 28, 2006

MAS POETA CASTRADO, NÃO.

Ontem, fomos à revista. Era a última apresentação de " Linda Revista", no Teatro Sá da Bandeira, da Companhia do Maria Vitória de Lisboa, tendo como cabeças de cartaz o Octávio de Matos e o casal José Raposo e Maria João Abreu. A um elenco, variado e de qualidade, acrescia um belíssimo corpo de bailarinas graciosas e esculturais. Com que leveza esvoaçavam no palco, quase etéreas, a lembrar-me as coristas do Moulin Rouge de Toulouse Lautrec ( Não pude deixar de recordar que ele em criança ficara paraplégico por ter caído de um cavalo…). Diga-se em abono da verdade que, para o meu gosto, às pernas faltava um pouco de sensualidade. Eram daquelas que, na minha terra, se dizia: se passarem por Guimarães vão para cabos de facas…
Das diversas rábulas, para além de destacar aquela em que Octávio de Matos incarnava a personagem de Eugénio Salvador em homenagem a esse grande actor cómico do teatro português, mereceram a minha especial atenção as que evocavam cinco dos nossos grandes poetas: Fernando Pessoa, Barbosa du Bocage, Natália Correia, Florbela Espanca e Ary dos Santos. Mas… verdadeiramente notável foi a interpretação de José Raposo da figura de Ary dos Santos: como estava tão bem caracterizada a personagem tanto no aspecto da sua figura, da sua voz, da sua postura como da sua postura perante a vida. ( Quem o não conhecesse ficava com uma imagem muito aproximada do que ele era) E então o último poema!... Por isso escolhi a última estrofe para título deste texto:" Mas poeta castrado, não" A revista tem sido um género de teatro menosprezado, como popular e ligeiro. Neste caso, quem não tiver um informação mínima sobre a literatura portuguesa dificilmente compreenderia a mensagem destes números da revista. As dimensões recreativa e educativa podem combinar-se harmoniosamente.
No intervalo do espectáculo, foi prestada homenagem a Octávio de Matos pelos seus 50 anos de carreira artística, com a afixação de uma lápide no hall de entrada do teatro, lembrando que ele quase nascera neste teatro. Com efeito, a sua mãe viera de Lisboa para junto de seu pai, também chamado Octávio de Matos, que, à época, actuava no Sá da Bandeira. Estava a descansar no camarote, ontem ocupado pela Maria João Abreu, quando as águas se lhe rebentaram: foi só tempo de a levarem para uma casa ao lado do teatro, onde o pequeno Octávio nasceu em 1939 ( É da minha idade.)
No decurso da sessão, as minhas memórias vieram adensar a minha vivência.
E vi entrar, pela direita alta, o José Viana com aquele seu ar desengonçado, e, pela esquerda baixa, a Laura Alves no seu jeito de sempre menina. Que grandes actores! E que revistas! Cometeria um anacronismo histórico, se comparasse esses tempos com a actualidade. Parece-me que, nesses tempos, o texto tinha que ser mais cuidado pela necessária ambivalência para ludibriar a Censura. Mas era mais fácil pôr a plateia a rir/sorrir. Havia uma grande cumplicidade entre o público e os actores: estávamos sempre à espera da piada política com duplo sentido: o explícito ( permitido pela PIDE) e o subentendido ( que era o que passava e dava origem, mais do que a risos claros, a sorrisos coniventes e abafados ( nunca sabíamos quem se sentava perto de nós.). Hoje é mais difícil fazer rir sem se cair numa brejeirice desbocada.
E recordei aquela tarde de sábado, de 64 ou 65, quando eu conversava com os rapazes da Juventude Católica (O Dr. João Castro Neves, actual vice-presidente do Futebol Clube do Porto, era um dos mais novos.), sentados num banco de granito no adro da igreja de Santo Ildefonso. Pelo portão principal, subiu uma rapariga, uma estampa de mulher, e dirigiu-se-me, dizendo que pretendia falar comigo. (Vi os olhares dos jovens medirem-na (despirem?) de alto a baixo, cruzarem os olhares com sorrisos marotos, como que a dizer: se o Pe João precisar de ajuda, pode contar connosco…) É bem verdade que quem vê caras não vê corações… Naquele corpo de fazer parar o trânsito e cortar a respiração, abrigava-se uma alma de criança. Que delicadeza de sentimentos! Que fortaleza moral! Recebi-a no escritório. Começou por pedir desculpa por se apresenta vestida daquele modo ( de calças compridas), mas era corista da revista que estava em cena no Águia Douro e aproveitara o intervalo
entre as sessões da tarde e da noite para vir falar comigo. Falou-me do inferno em que vivia por causa da inveja e da detracção que minavam as relações entre colegas, de como era prejudicada profissionalmente por não estar disponível para conceder favores sexuais aos empresários. Disse-me que, enquanto estava no Norte, não podia ir à missa porque, de manhã, já tinha de vir vestida com calças para os ensaios e temia que os senhores padres não a deixassem entrar na igreja assim vestida. Convidei-a a vir participar na missa que eu celebrava às 9.00 horas de domingo. Perante a minha abertura, pediu para se confessar e, a partir dessa data, começou a frequentar a minha missa dominical, comungando. Compreendi, então, quanto sofrimento se poderia esconder debaixo das luzes e das lantejoulas de um palco e quanta grandeza de alma em pessoas mal consideradas. Agrada-me recordar que uma actriz de Lisboa (cujo nome retive durante muitos anos mas agora não recordo) ,que me conhecera em Santo Ildefonso, veio uns anos mais tarde baptizar a filha, de 6 anos, ao Cerco do Porto.
Terá sido no ano de 1966. Eu fora a Lisboa falar com o Director-Geral da Assistência por causa da Obra Diocesana de Promoção Social. No regresso, por razões que agora não recordo, o avião da tarde não fez a viagem para o Porto. Tivemos que recorrer ao comboio que partiu de Lisboa por volta das 20 horas. Sentou-se a meu lado, uma garotinha, miudinha, loura , discreta e bem bonita mas com ar de sofrimento. Era o tempo em que eu ainda usava cabeção. No decurso da viagem, levantei-me e, quando regressei ao lugar, as senhoras que iam do banco à minha frente, virado para mim , perguntaram-me: - O senhor Padre sabe quem é esta menina? Perante a minha hesitação, acrescentaram: - É a Florbela Queirós! Pedi desculpa por não a ter reconhecido por que, de facto, já a tinha visto na televisão. Entabulamos conversa. Ela disse que a vida de actor tinha muito de parecido com a de sacerdote. – Quantas vezes, o Senhor tem de ir celebrar missa, enfrentar uma assembleia mesmo que esteja doente? É como eu. Fui operada esta manhã, vou cheia de dores como notou e, se o avião tivesse subido, eu, a esta hora, estaria a fazer rir a plateia do Sá da Bandeira. Porque não subiu o espectáculo foi cancelado e o empresário, o Henrique Santana, estará à minha espera na estação das Devesas. Disse-me que estava hospedada na residencial do Escondidinho junto ao Coliseu do Porto. Convidou-me a visitá-la e a ir à revista. Nas Devesas, apresentou-me o Henrique Santana. Não mais falei com ela, mas, ao ver os actores em palco, não posso esquecer o que ela me disse e interrogo-me: como estarão a sentir-se, que problemas, que sofrimento poderá esconder aquele riso…
Recordar não é ser velho. Recordar é ter vivido.

sexta-feira, agosto 25, 2006

MAS ERAM QUATRO

Foi num verão do início dos anos setenta. Não sei o ano mas sei o dia. Faz hoje anos porque aconteceu no dia a seguir ao São Bartolomeu (24 de Agosto) que era festejado com uma grande romaria na vila de Ponte da Barca.
Estava a passar umas férias, em Britelo, na casa dos amigos Cândido Gonçalves e a Celeste. A casa pequena, de telha vã, plantada na borda de um pinhal, abria-se para um pequeno quintal sombreado por videiras e macieiras. Ao fundo, corria o rio Lima cujas águas, nesse tempo ,ainda cantavam ao saltar nas cachoeiras. Os dias passavam bonançosos entre a leitura de livros que, há muito, esperavam a sua vez, e a visita ao velho “embalse” do Lindoso, ao velho castelo roqueiro ou ao santuário medieval de “São Bentinho” a que as populações locais recorriam em tempo de aflições.
No dia de S. Bartolomeu, ao regressarmos do arraial nocturno , o amigo Cândido abeirou-se de mim com ar preocupado e cara de quem me queria fazer um pedido incómodo. Falou-me, então, de um sobrinho, (de que me disse o nome e que eu, neste momento, já não recordo) filho da sua irmã cuja casa eu conhecia. Que ele tinha ido a salto para França quando tinha 18 anos; que, por isso, não tinha feito a tropa, que a vida lhe estava a correr muito bem. Contou-me ainda que a sua mãe encontrava-se muito doente, à porta da morte. E eu ouvia, ouvia, sem saber aonde ele queria chegar. Encorajado pela conversa e pela minha atenção, desabafou:
- Sabe, este meu sobrinho está cá de visita.
Perante a minha admiração, porque o rapaz corria o risco de ser preso e condenado como refractário por não ter feito a tropa (era o tempo de Guerra Colonial e este era um crime muito grave, considerado de lesa - pátria), explicou:
- Ele está metido em casa, há quinze dias, mas ninguém sabe, nem pode saber, a não ser os pais e os irmãos. Veio a salto, chegou a casa de noite. Basta uma informação à GNR e ele é imediatamente “engavetado”. Correu todo este risco porque queria ver a mãe ainda viva. Mas, agora, precisa de regressar. Necessita de alguém que o transporte até à fronteira. Não tem ninguém de confiança para o levar nem quer chamar um táxi porque teme ser denunciado.
Comecei a adivinhar a razão daquela conversa inesperada e ajudei-o no seu embaraço:
- Amigo, Cândido, desembuche! Quer que eu o leve à fronteira, não é?
- Era, mas eu não tenho coragem de lho pedir. Sei os riscos que corre.
E eu sabia que poderia ser acusado de patrocinar a emigração clandestina e, o que era bem pior, de ajudar os mancebos a fugirem à tropa o que me incluiria no número dos renegados que estavam contra a nossa presença em África, como desígnio sagrado de um povo. Respondi-lhe:
- Eu sei. Mas um filho que passa todos estes riscos só para ver a sua mãe viva merece todo o nosso apoio. Conte comigo.
No outro dia, por volta das 7 horas, lá fomos a casa do sobrinho. Entrámos em jeito de visita. Quando se viu que não havia ninguém nas redondezas, saímos, o mais discretamente possível. Ao meu lado, sentava-se o Cândido, nos bancos traseiros, do meu lado, o sobrinho, do outro, a Celeste. Esta disposição fora previamente combinada e obedecia a uma estratégia bem definida. Seguiríamos pela estrada que liga Ponte da Barca à fronteira da Madalena. Na última curva antes da fronteira, que não era visível do posto da Guarda Fiscal, eu encostaria o carro ao lado esquerdo da estrada, abrandava mas sem parar (para não dar nas vistas). E o rapaz, com o carro em andamento, abriria a porta e saltava, aproveitando, para amortecer a queda, a relva que crescera na borda da estrada.
O programa foi cumprido. E o jovem desapareceu, como um coelho, por entre o giestal que crescia no local. E tudo isto só porque quis dar um beijo de despedida à sua mãe moribunda. Não mais esquecerei esta imagem! Pobre Pátria que escorraçava e maltratava os seus filhos! Era um Portugal a chorar… ( - Como estava a nossa Mátria, Natália!)
Continuámos viagem até à fronteira onde parámos. Metemos conversa com os elementos da Guarda Fiscal que nos interrogaram. Disse-lhes que estava a passar férias em casa dos amigos e queria conhecer a fronteira que desconhecia pois vivia no Porto e nunca antes andara por aquelas paragens. Falei-lhes das minhas memórias de infância a respeito do Lindoso (a central eléctrica que alimentava a lâmpadas de minha casa). A conversa prolongou-se. Falei do bairro da P.S.P. que havia na minha paróquia. Eles conheciam alguns dos guardas aí residentes. Perguntei-lhes os nomes, que eu memorizei, ( premeditação? Premonição? Acaso? – não sei) para os referir quando estivesse com esses seus conhecidos
No regresso, desviámo-nos e fomos à serra Amarela visitar um primo dos meus amigos, que morava na casa florestal pois era guarda florestal. Como não estava ninguém em casa, regressámos à estrada principal para voltar a casa.
Quando já vínhamos nessa estrada, um agente da Guarda Fiscal ( Republicana?) mandou-me parar e, à queima roupa, pergunta:
- Onde está o outro?
Fiquei estarrecido. Mesmo assim, ainda tive o sangue-frio suficiente para apertar a perna do meu acompanhante, e este a da sua mulher, para que se calassem.
- Que outro?- perguntei.
- Passaram aqui, há um bocado, e iam quatro pessoas no carro. Agora são apenas três. Onde está o que falta?
Na passagem não tínhamos visto o guarda. Deveria estar escondido. Mas agora, havia que salvar a situação. Recorrendo a toda a minha capacidade de auto-controlo, expliquei:
- O senhor guarda está confundido. Passámos aqui realmente, mas íamos os três que vimos aqui. Pode perguntar aos seus colegas da fronteira. Estivemos lá a conversar com eles.
E contei-lhe a conversa que aí tivéramos e citei os nomes dos agentes com quem falámos. O guarda confirmou que eram, de facto, esses os que estavam de serviço.
- Mas eram quatro…- repetia e perguntou porque emoráramos tanto tempo a regressar.
Expliquei-lhe, com ar de brincadeira, que fôramos visitar o guarda florestal, primo do Cândido, cujo nome indiquei (e de agora não me lembro), para comer um presunto e beber um copo, mas, por azar, não estava ninguém em casa. Mais uma vez a minha informação estava correcta como o próprio agente confirmou:
- De facto, ele, de manhã, passou aqui de carro com a mulher. Mas… eram quatro…, insistia.
Pediu-me a identificação. Ao ver as fotografias do bilhete de identidade e da carta de condução, ficou espantado:
- Mas o senhor é padre…
- Pois sou. Se perguntar aos seus colegas da fronteira, eles confirmam até porque sou pároco de muitos colegas seus da P.S.P. do Porto, alguns dos quais eles conhecem. Estou vestido desta forma desportiva porque estou de férias em casa destes amigos com quem vim passear.
O guarda ficava cada vez mais confuso. Conversava, mas, no fim, lá vinha sempre: “ mas eram quatro”. Contei-lhe toda a minha história das férias. Depois de muita conversa, foi com um alívio enorme que o ouvi dizer:
- Está bem, Pode seguir. Mas eram quatro…
Despedi-me.(Não sabia que tinha tanto jeito para mentir, mas neste caso foi necessário: estava em causa o futuro de um jovem e a minha própria liberdade). Logo que arranquei com o carro, a Celeste entrou num choro convulsivo a descarregar toda a pressão a que estivera sujeita, sem dizer uma palavra, durante todo aquele tempo de incerteza. Foi um dia de preocupação pelo jovem e por nós. Havia sempre a possibilidade de se capturado antes da fronteira e, nesse caso, o guarda lembrar-se-ia de nós e da matrícula do nosso carro… Só descansámos, quando à noite, o rapaz telefonou de Orense a dizer que tudo tinha corrido bem. Uff…
Não tive mais contactos com este jovem. Só soube que organizou a sua vida por terras de França.

* * *

- Venha cá, senhor Guarda. Desculpe pela mentira que lhe preguei. O senhor estava certo: ”éramos quatro”. Mas agora está enganado: não somos ”apenas três”. Somos cinco! Porque temos mais uma menina e porque… Sabe, como há muitos anos atrás, ontem foi dia de S. Bartolomeu. E diz-se que nesse dia o “diabo anda à solta.”. Mas, não. O diabo é um anjo (mensageiro) mau. E ontem o que nos apareceu foi um mensageiro bom. Chama-se Dr. Silva Pinto. Sem nos conhecer, mas porque sabia da nossa angústia, veio, de propósito ao quarto 421 do IPO (que Deus lhe pague!) informar-nos de que os (as) TACs que o nosso Zé fizera de manhã estavam bons, não havia qualquer problema. Confirmavam os resultados negativos da Cintigrafia e das análises. Correram lágrimas de alegria misturadas com o abraço que nos uniu. Senhor Guarda, somos cinco porque o nosso Zé VAI VIVER!!!... Obrigado, meu Deus. Ajuda-nos.

quarta-feira, agosto 23, 2006

SE EU DESAPARECER...VÃO À PIDE

SE EU DESAPARECER…VÃO PROCURAR-ME À PIDE.
Aconteceu no final de sessenta/princípios de setenta. Não sei o dia mas recordo-me que era o final de férias. Está a fazer anos por estes dias.
Em minha casa, na rua de S. Roque da Lameira, preparava o lançamento do novo ano pastoral, quando recebi um telefonema.
- Venho de mando do Padre Igrejas, da Galiza e preciso de falar consigo. Como não tenho transporte, agradecia que viesse ter comigo. Estou na Praça da Batalha.
Eu conhecia bastantes sacerdotes galegos que, como eu, participavam no Colóquio Europeu de Paróquias. Mas, como era um conhecimento recente, só conhecia o nome de alguns ( o António Vilasó, o Paco, o Torres Queiruga, o Chão do Rego …) e tinha uma vaga lembrança de um Padre Igrejas. Mesmo assim, disponibilizei-me para ir ao seu encontro. Disse-lhe que iria num Fiat 600 D, branco (o meu primeiro carro que comprara, em segunda mão, por 15 contos) e ele informou-me que estava com uma gorra basca na cabeça.
Na Praça da Batalha, na esquina da rua de Entre-Paredes, lá estava ele: baixo, entroncado, barba preta e espessa a lembrar guerrilheiros latino-americanos. Parei o carro e ele entrou. Pus o carro em movimento e comecei circular: Batalha, Santo Ildefonso, Entre-Paredes, Batalha…. Voltas e mais voltas. Não sabia com quem estava no carro.
Disse-me que era um preso político que tinha fugido, juntamente com outros companheiros, de uma cadeia franquista na Galiza. Um barco esperava-os em Olhão para os levar para Argel. Mas ele não tinha dinheiro para o comboio. E se fosse encontrado pela polícia portuguesa, seria logo preso, pois não tinha passaporte, e recambiado para Espanha. Fora o Pe. Igrejas que lhe dera o meu telefone e o aconselhou a falar comigo no Porto porque eu o ajudaria. Só precisava do dinheiro para o comboio. Não me falou doutras necessidades nem eu me lembrei de perguntar.
Fiquei estupefacto. A situação era muito complicada e perigosa. Conhecia bem as boas relações que uniam Franco e Salazar/Marcelo Caetano(?). Dar o dinheiro era envolver-me num problema de relações entre países e proteger os criminosos anti-franquistas. Não colaborar era abandonar uma pessoa que confiou em mim e que, para se salvar, precisava de bem pouco. Fiz-me desinteressado. Procurei mostrar que não acreditava na história:
- Caramba! Poderia ter inventado uma história mais simples para me pedir dinheiro. Mas esta…
- Pode não acreditar , mas esta é a pura verdade, respondeu em voz baixa.
E o carro continuava a rolar no circuito Batalha, Santo Ildefonso… Ao passar junto de um polícia, atiro-lhe com uma provocação:
- Você sabe que se eu parar o carro e repetir aquele polícia a história que me contou, o senhor será imediatamente preso…
- Eu sei, respondeu resignado, a minha vida está nas suas mãos…
E eu sentia um nó na garganta. Perguntei pelo P.e Igrejas e ele falou-me dele com grande profusão de informações que eu não podia confirmar, embora simulasse que o conhecia muito bem. As dúvidas continuavam.
Quem me garantia que não estaria perante uma armadilha da PIDE?
Mas tinha que me decidir. Entre dois perigos, escolhi aquele que mais estava de acordo com a minha consciência. Fui com ele à estação de S. Bento. Comprei-lhe o bilhete para o Algarve. Aguardei a partida do comboio… Entretanto, por precaução, fui imediatamente ao Seminário Maior do Porto falar com o Dr. Marcelino, ao tempo, seu director espiritual e disse-lhe:
- Pe. Marcelino, se eu desaparecer, vão procurar-me à PIDE. E contei-lhe toda a história. Ficou surpreendido, mas acalmou-me com palavras de conforto e apoio.
Nunca mais ouvi falar do caso.
Bastante mais tarde, os meus amigos galegos, confirmaram que houvera uma fuga de prisioneiros políticos e que o P.e Igrejas tinha protegido muitos dos evadidos. Não sabiam o que era feito do referido sacerdote, uma vez que tinha saído para o estrangeiro e nunca mais contactaram.

domingo, agosto 13, 2006

"CIVITAS VIRGINIS"

CIVITAS VIRGINIS
Foi em 1517 que as armas da cidade começaram a integrar a imagem de Nossa Senhora de Vandoma, com o Menino Jesus ao colo sobre um fundo azul e entre duas torres. Apesar das diversas alterações introduzidas ao longo dos tempos e das diferentes ideologias partilhadas pelo poder municipal, nunca mais Nossa Senhora foi retirada do seu lugar. Esta imagem coroava o Arco de Vandoma da velha cerca do Porto, chamada “ muralha suévica”. Agora encontra-se dentro da Sé Catedral cujas torres (antigas) enquadram a imagem da virgem no brasão.
São muitos os títulos que enobrecem a cidade do Porto, uns mais oficiais outros de carácter popular. “ Porto, cidade do trabalho” - bem conhecido o dito do povo:” Braga reza, o Porto trabalha, Coimbra estuda e Lisboa diverte-se” ( os meus amigos de Lisboa, e são muitos por quem nutro grande amizade e estima, que me desculpem esta citação que pode revelar um certo regionalismo bacoco, mas sabem que todas as generalizações são redutoras); “cidade do barroco”, título que disputa com Braga ( não podemos esquecer que o Porto foi a cidade adoptiva de Nazoni); “cidade da liberdade” ( já dizia Garret” no Porto pode haver muita gente que troque os vês pelos bês são muito poucos os que trocam a servidão pela liberdade” ( não podemos esquecer a revolução liberal de 1820, e a republicana de 1891 e, ultimamente, a voz do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes: de pé diante dos homens, de joelhos diante de Deus); “ sempre leal” já lhe chamou D. João I, grato pelo apoio que a burguesia do Porto deu à sua causa ( por isso, realizou o seu casamento com D. Filipa de Lencastre na Sé do Porto) ao que D. Pedro IV acrescentou o título de “invicta”, lembrando a luta feroz dos seus habitantes durante o cerco do Porto. Todos estes títulos dignificam uma cidade humilde e austera, de rija têmpera como a dureza do granito que a sustenta e a veste. No entanto, há um que estima com particular apreço: “ cidade da Virgem” ´Nossa Senhora é a padroeira do Porto, como é de Portugal e da freguesia onde habito ( Santa Maria de Campanhã) como é da paróquia que ajudei a formar ( Nossa Senhora do Calvário).
A que propósito vem tudo isto? Para além de ajudar a exorcizar as saudades a alguém que está longe da sua cidade, há uma outra razão muito especial. O meu filho José, depois de dois meses e meio internado no hospital do Instituto Ortopédico Rizzoli, em Bolonha, vai regressar a casa amanhã, dia 14 de Agosto. E eu quero ver a ajuda de Nossa Senhora neste regresso do meu filho a casa. Porquê? São muitas as coincidências: na secção do hospital onde se situa o quarto do meu filho há um altar com a imagem de Nossa Senhora da Conceição que os familiares dos doentes enfeitam; a nossa muito amiga Natália ,que, por duas vezes veio visitar o Zé, ofereceu-nos um terço feito por ela para ser colocado ao pescoço da imagem; uma senhora a quem o P.e Alfredo ( quem é?) falou do nosso filho ofereceu uma pagela com a imagem de Nossa Senhora, benzida pelo Padre Pio; quando fomos à missa, uma senhora aproximou-se e ofereceu a cada um de nós uma medalha de Nossa Senhora; hoje um casal que veio visitar seu pai ( ele é italiano e ela polaca) ofereceram ao Zé uma imagem de N. Senhora de Loreto e pediram-nos para rezarmos por eles a N. Senhora de Fátima; todo o pessoal do Reparto Dozzinante nos desejaram um bom “ferragosto” ( que grande festa fazem em Itália à Senhora de Agosto: como no Natal, mandam mensagens aos amigos desejando bom “ferragosto” Como D. João I quis agradecer a protecção da Virgem na Batalha de Aljubarrota ( 14 de Agosto de 1385) assim também eu quereria testemunhar o meu agradecimento. E se não sou rei, mas sou João, o primeiro para os meus pais, minha esposa e meus filhos, não posso mandar construir um mosteiro ( o Mosteiro da Batalha - Mosteiro de Santa Maria da Vitória) como fez o meu homónimo. No entanto, vou propor ao Coro Gregoriano do Porto para gravarmos um novo cd de cânticos de Nossa Senhora e, se possível, com o título de “ Civitas Virginis”, com a imagem de Nossa Senhora de Vandoma e o brasão da cidade: assim prestaríamos louvor a Nossa Senhora e homenagearíamos a cidade que nos congregou. Será uma proposta que irei apresentar no primeiro dia de ensaio, em Setembro.
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terça-feira, agosto 08, 2006

AS AGRURAS DE UM APRENDIZ

Ontem à tarde (dia 5 de Agosto), quis escrever o meu primeiro blog. Quando já o tinha escrito, antes de clicar em “publish”, a Internet falhou e levou-me o texto. Mas, como não sou homem de desistir à primeira, vou tentar reproduzir, de memória, esse blog a que tinha dado o título: “ QUE ESTRANHO ANIMAL É O HOMEM!”
No quarto n.º 4 da 5ª divisione do Instituto Ortopédico Rizzoli, em Bolonha, olho o ecrã da televisão. Está a transmitir o campeonato europeu de natação. Que beleza de corpos! Com que elegância realizam os saltos para a água, como deslizam, como flutuam! É um sonho. Alguém mudou o canal da tv que, agora, transmite imagens da guerra do Líbano. Que horror! Prédios esventrados, crianças ensanguentadas, carros incendiados. Quem causou tanta desgraça? O homem.
A meu lado, o meu filho José navega na Internet para poder informar pelo telemóvel o seu irmãoJoão e a Eliana, sua esposa, que, depois de o virem visitar, retornam a casa em Geneve e querem saber se o túnel do Monte Branco se encontra livre de trânsito. Que maravilha é a técnica quando posta ao serviço da vida e da fraternidade! A tv continua a vomitar imagens de tragédia. É um atentado no Iraque. É a tecnologia usada contra a vida. É o homem destruindo-se e matando inocentes. Contradições. Que animal seria capaz de causar sensações tão opostas? O homem e apenas o homem. Que animal poderia compor sinfonias como Mozart? Ou semear a morte e a destruição como os grandes assassinos da História? A resposta é sempre a mesma: o homem e só o homem.
Cada um de nós é um microcosmos onde as grandes contradições da humanidade se concretizam. Somos capazes do melhor e do pior. Vivemos grandes euforias e grandes depressões. Semeamos felicidade à nossa volta e fazemos sofrer aqueles que mais amamos. Há momentos em que nos sentimos fortes, capazes de erguer o mundo em nossos braços, e momentos que nos vemos fracos, sem vontade de lutar. Tanto possuímos um coração grande capaz de tudo compreender e desculpar, como um coração mesquinho que se agarra a um pequeno pormenor para magoar e fazer sofrer. Síntese de finito e infinito, somos anjos e demónios, somos bênção do céu e pedaços de inferno.
E quando formamos um casal? Todos nós temos momento em que somos duros como pedras. E pedra contra pedra produz faísca. Uma pedra contra uma tábua nunca chispa. Que cuidado! Quando um é pedra, o outro precisa de se comportar como almofada para amortecer o choque. Na próxima, as posições invertem-se… como diz o nosso povo: “o difícil não é viver, é saber viver”; “apanham-se mais moscas com uma colher de mel que com um barril de vinagre.”
E os caminhos do matrimónio? Ora auto-estradas de paisagens deslumbrantes, ora avenidas debruadas de palmeiras, mas, muitas vezes, carreiros, que queremos floridos, mas sempre carreiros, veredas estreitas, de piso irregular, por vezes íngremes, bordejadas de silvas e com obstáculos que só de mãos dadas podem ser vencidos.
Que estranho animal é o homem!