O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 31, 2017


O PADRE LUÍS

 


Tempos atrás, visitei o Monte da Virgem e surpreendi-me ao ver um monumento inaugurado em 15 de agosto de 2004 em honra do Padre Luís. Que  P. Luís? Porquê esta homenagem?

A resposta encontrei-a no livro Padre Luís – uma identidade, do P. Manuel Leão.

O P. Luís nasceu em 19/5/1872 em Pindelo, Oliveira de Azeméis, onde “experimentou os ardorosos trabalhos agrícolas” até aos desasseis anos quando entrou no Seminário. Ordenado presbítero em 1897 fixou-se em Oliveira do Douro, como capelão do Colégio do Sardão, e aí faleceu em 1957.

A sua longa vida sacerdotal desenvolveu-se em torno de quatro pilares:

- Colégio do Sardão. A sua ação extravasou o colégio. Para além dum serviço intenso no confessionário, muitas eram as pessoas que o procuravam como seu diretor espiritual. Para além do seu múnus pastoral, o P. Luís usou toda a sua influência social para evitar a nacionalização dos bens do colégio, aquando da implantação da República. Num gesto de gratidão, este acolheu-o na fase terminal da vida onde veio a falecer. Uma curiosidade: neste colégio, foi mestra de trabalhos manuais, a irmã Lúcia, durante dois anos, antes de entrar no Carmelo de Coimbra em 1948.

- Monte da Virgem. O P. Luís estava no grupo que, no dia 1 de janeiro de 1905, mudou o nome do Monte Grande para Monte da Virgem. Enquanto a confraria não se legalizava, apressou-se, com a ajuda de um amigo sacerdote, a adquirir algumas parcelas de terreno que, depois, legou à Confraria. Foi vice-presidente vitalício da Comissão Promotora do Monumento à Imaculada. Restabelecido o culto, foi seu capelão sem qualquer encargo para o santuário. Em momentos de represálias, e também os teve, “nunca ninguém lhe terá ouvido nem queixa nem medo”.

- Ensino. Fundou em sua casa uma escola que, apesar do ambiente hostil, adquiriu grande prestígio e atraiu muitos alunos “das freguesias nem sempre limítrofes”. Criou também o “ensino pós-laboral”.

- Ação socio-caritativa. Esteve na origem do Centro Católico de Operários de Oliveira do Douro de que foi presidente da Assembleia Geral. E seu nome aparece entre os fundadores da Associação do Salão Paroquial de Oliveira do Douro dedicada à juventude. Pobre, distribuía o que podia pelos mais carenciados. No Natal, muitas pessoas entregavam-lhe donativos para os pobres.

E este padre que tanto bem semeou à sua volta, adoecera quando tinha sete anos e, como confessa, “a saúde não mais voltou. Nem eu sei o que seja um dia sem sofrimento físico. Todavia, eu bendigo a dor não somente porque o Divino Mestre, a santificou, mas ainda porque, no padecimento próprio, avalio melhor o alheio.”


Que admirável lição de vida!... Em boa hora, seus amigos lhe consagraram o monumento que iremos conhecer no próximo domingo.

(31/5/2017)

quarta-feira, maio 24, 2017


COM MARIA...


 2017 é tempo de centenários. Acabámos de celebrar o de Fátima e preparamos o do falecimento de D. António Barroso.

Fátima mereceu o devido destaque no documento “A Alegria do Evangelho é a nossa missão”, de 10 de julho do ano passado, assinado por todos os bispos que servem a nossa diocese, nos seguintes termos: “Em sintonia com a celebração do centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima aos pastorinhos Francisco, Lúcia e Jacinta, (…) voltamo-nos agora para Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe. (…) Que Nossa Senhora, Mãe de Deus, a Senhora mais brilhante do que o sol, que há 100 anos nos trouxe, em Fátima, uma mensagem de ternura, de graça, de misericórdia e de paz, nos ilumine e nos guie para que “com Maria, a Igreja do Porto se renove nas fontes da alegria!”.

D. António Barroso foi objeto de realce na Nota Pastoral- “A Santidade – fonte de Alegria e Bênção” , de 19 de janeiro deste ano, assinada por D. António Francisco: “Aproximando-se o centenário da morte de D. António Barroso a 31 de Agosto de 2018 e sendo necessário preparar, programar e celebrar dignamente esse momento …”

A Voz Portucalense não podia deixar de se solidarizar com estas duas intenções maiores da Igreja do Porto. E fê-lo procurando associá-las no mesmo ato celebrativo. Assim, a sessão comemorativa de S. Francisco de Sales realizou-se na Capela dos Alfaiates, em honra de Nossa Senhora da Assunção, padroeira da Diocese e da Sé Catedral. A que se seguiu a visita à Associação de Proteção à Infância, fundada, em 7 de maio de 1903, por D. António Barroso, o “bispo dos pobres”.

Para celebrar o “Dia Voz Portucalense” em 4 de junho, escolheu o Santuário do Monte da Virgem, dedicado à Senhora da Conceição, padroeira da cidade do Porto e do Seminário Maior. Ao fazê-lo, quis lembrar também a grande devoção que D. António Barroso dedicava a Nossa Senhora. Ainda pequenino já se ajoelhava junto da imagem da Senhora da Boa Ventura ou Boa Fortuna, na pequena capela de S. Tiago de Moldes onde, de 1911 a 1914, ordenou muitas dezenas de padres do Porto, elevando-a a “Catedral do Exílio”. Subiu muitas vezes o monte sobranceiro à sua terra de Remelhe, para ir rezar à “Senhora da Franqueira”. Em 1908, presidiu à 1ª grande peregrinação àquele santuário mariano. Já como bispo do Porto, fez-se peregrino do santuário do Monte da Virgem, cuja pedra fundamental benzeu em 25 de junho de 1905. Aí se recolhia para meditar e rezar.

Também nós lá iremos rezar e, com Maria, pediremos a Deus que nos dê a Alegria de ver beatificado o Bispo do Porto que nos deixou um legado de santidade cuja memória perdura nos nossos dias.

Ainda nos enchem o coração as palavras do Papa Francisco, em Fátima: temos MÃE!...Em dia de Pentecostes, celebremos a Mãe no monte que lhe é dedicado.
(24-5-2017)

quarta-feira, maio 17, 2017


 A MÚSICA É A VOZ DE DEUS

 

Esta afirmação de Rão Kyao, que acaba de publicar “Aventuras da alma” nos 40 anos da sua carreira, eleva-nos à transcendência da arte e exprime a minha vivência, no dia 10 de abril na igreja da Lapa. Foi num concerto solidário oferecido pela Academia de Música de Costa Cabral.

O Padre Ferreira dos Santos, depois de elogiar a ação desta escola musical cujo trabalho classificou como “milagre”, afirmou que a música é a arte mais dialogante com o ser humano. E fundamentou esta sua afirmação mostrando como os elementos musicais da harmonia, melodia e ritmo, interagem com o homem que é intelecto, simbólico e emotivo. Para o que evocou os pensadores da Grécia clássica com destaque para Pitágoras. Ao ouvi-lo, pensei no filósofo alemão Schopenhauer que, no século XIX, afirmava: “a música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende”.

Seguiu-se o diretor da escola, maestro Francisco Ferreira que dedicou as três primeiras músicas, pelo Ensemble de Metais e Percussão, ao seu autor, “cónego Ferreira dos Santos, um compositor ímpar que faz parte da cultura portuguesa”. Quão bem estiveram aqueles jovens instrumentistas! Um presente aberto ao amanhã, a lembrar Victor Hugo para quem “a música é o verbo do futuro”.

Esta afirmação ganhou maior relevo quando um coro infanto-juvenil com muitas dezenas de vozes, acompanhado pela Orquestra Sinfónica da Escola, cantou JESUS RESUSCITOU de Nick Perrin.  Foi uma narrativa da Paixão, em Semana Maior, contada por um leitor e pontuada pelo coro, a lembrar as tragédias gregas, que acentuava os “passos” mais significativos: 1. HOSSANA, JESUS! - exalta  a  entrada triunfal de Jesus em Jerusalém; 2. QUANTO ME DÁS - narra a negociação de Judas com os sacerdotes judeus e termina em desespero; 3. A ÚLTIMA CEIA - com toda a carga simbólica do lava-pés e instituição da Eucaristia; 4. ESTOU FARTO DE OUVIR - centrado no Jardim das Oliveiras e na prisão de Jesus; 5. QUEM VÃO ESCOLHER- enfatizando as palavras de Pilatos e a opção tumultuosa do povo por Barrabás; 6. REI DOS JUDEUS - com todo o peso dramático e contraditório do alto do calvário; 7. JESUS RESSUSCITOU -  enfatiza  o túmulo vazio e as aparições de Jesus.

Foi bonito ver uma igreja super-superlotada  ouvir esta mensagem pascal que nos chegava pela boca de juventude. Que bela catequese

Já Aristóteles dizia que “a música é celeste, de natureza divina, e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”. Muitos séculos mais tarde, Nietzsche afirmava que “sem música, a vida seria um erro”. Mas será possível vida humana sem música? E a música, que exprime o inexprimível, seria possível sem Deus? A música, como diz Rão Kyao, é a voz de Deus.

(17/5/2017)

 

quarta-feira, maio 10, 2017


COMPASSO LUSO-GALAICO



A geografia e a história moldaram a alma das gentes do noroeste peninsular. Quem não se lembra do lirismo saudoso das cantigas de amigo? Quem não recorda o paralelismo de “Ai flores, ai flores de verde pino” e “Ondas do mar de Vigo”?

Os Estados medievais criaram fronteiras que dividem mas não separam. Que o digam as pessoas de Rio de Onor, em Bragança, ou de Tourém, em Montalegre. Estas afinidades culturais levaram, no início do século XX, Teixeira de Pascoaes, de Portugal, e Castelao, da Galiza, a unirem-se no “Movimento Nós” para avivar a identidade luso-galaica. Herdeira deste espírito, surgiu, no derradeiro quartel do século, a Associação dos Crentes Galegos. Não foi por acaso que, em 1978, a sua primeira “Romaxe” se realizou em Irimia, Meira (Lugo), onde nasce o rio Minho. Irimia continua a ser o nome da sua revista. E logo em 1983, a “Romaxe” anual teve lugar em Tui, sob o lema “O Minho non se-para”.




E, a de 1993, foi no Monte do Viso, em honra dos caminhos portugueses de Santiago. Que coisa bela!...Quando uma cristã portuguesa leu em voz alta: “Sou filha das terras de Portugal e ergo a minha voz para, em nome de todos os meus conterrâneos que vieram, hoje, até ao Viso, cantar e participar convosco da alegria da vossa festa irimega”. Também lá estávamos… Isto eu conhecia.



Mas não o que presenciei, nesta Páscoa, na Senhora da Cabeça em Valença, com o chamado “Lanço da Cruz”. Na 2ª feira de páscoa, depois de terminar a visita pascal em Cristelo-Covo, o pároco, num barco de pesca engalanado, atravessou o rio Minho e foi dar a cruz a beijar a Sobrado-Torron (Galiza). Por sua vez, o compasso dessa aldeia galega, acompanhado por gaiteiros, fez o percurso inverso, vindo dar a cruz a beijar à multidão que, ao fim da tarde, enchia o parque da Senhora da Cabeça.


 Depois de percorrer todo o arraial, subiu até à capela.



Aguardou a chegada do compasso português.


E só após darem as duas cruzes beijar e uns momentos de convivência, é que abandonaram o recinto.

 Na manhã seguinte, bem cedo, surpreendi-me com os inúmeros carros e camionetas de matrícula espanhola que ocupavam as ruas adjacentes ao santuário e com as muitas pessoas a subir a sua longa escadaria. Soube, então, que às 10 horas se iria celebrava missa em galego.


Entretanto, na igreja paroquial, organizava-se a procissão da Senhora da Cabeça que, após demorado percurso, chegou ao recinto do santuário onde, com ramos na mão, os galegos a aguardavam.


 Seguiu-se a missa em português e surpreendeu-me ouvir o pároco de Cristelo-Covo, de Portugal, pedir aos presentes para rezarem pelo P. Ricardo cujo corpo estava em câmara ardente na catedral de Tui, da Galiza.. Queríamos melhor testemunho da fraternidade luso-galaica?

A Cultura une e distingue. O Poder divide e hostiliza.
 

 (10/5/2017)

 

quarta-feira, maio 03, 2017


A IGREJA E O 25 DE ABRIL

No passado dia 25 de Abril, Portugal recordou Sophia: “Esta é a madrugada/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/E livres habitamos a substância do tempo”.

A freguesia de Campanhã homenageou os “primeiros Autarcas Eleitos Democraticamente em dezembro de 1976”.
Na Sessão Solene, os representantes das forças políticas lembraram outras personalidades a quem se deve Abril. Um dos homenageados disse que esta é a hora dos políticos mas tempos houve em que estes, se não sintonizassem com o Governo, eram silenciados. Então, o púlpito era o único local onde, apesar de muitas restrições, a resistência à opressão podia passar para o grande público, e casos houve em que passou.
Estas palavras trouxeram-me à mente um nome que, no sábado anterior no Cerco do Porto, o apresentador do livro «No Princípio foi assim…» tinha referido: “D. Manuel Vieira Pinto que foi durante vários anos coadjutor de Campanhã.”
E não pude deixar de evocar o frontão do pórtico desse livro: Quando era diretor espiritual no Seminário de Vilar, o P. Manuel Vieira Pinto, atual bispo emérito de Nampula, ilustrava dois modelos de sacerdócio com a seguinte parábola. Certo dia, estavam dois padres em amena conversa, no primeiro andar da residência paroquial, quando ouviram um grande barulho na rua. Vieram à janela e viram dois homens a agredirem-se com grande violência. Um dos padres foi buscar rapidamente a sobrepeliz, vestiu-a, voltou à janela e, lá do alto, aspergiu-os com água benta e disse: «Irmãos, amai-vos uns aos outros como Cristo nos amou». O outro tirou o casaco, galgou as escadas a correr, meteu-se no meio dos desavindos e separou-os. E comentava: Claro que este sujeitou-se a apanhar quatro murros, enquanto o primeiro…”

E Dom Manuel apanhou, como reconhece a Associação 25 de Abril:
“Em Março de 1974, D. Manuel Vieira Pinto aprovou um documento assinado pelos sacerdotes da sua diocese, sob o título "Imperativo de Consciência". O documento da discórdia defendia uma "resposta corajosa aos problemas graves do povo moçambicano"(…) D. Manuel recebeu ordens para se deslocar para Lourenço Marques, (…) Fica retido pela polícia com o falso pretexto de ser uma medida necessária para protecção da sua integridade física, ficou impedido de contactar com alguém e de receber visitas. Por ordem do Governo, abandona Moçambique, mas deixou uma declaração comprovada pelo advogado da sua diocese em que redigiu: «Fica bem claro que saio de Moçambique por ordem do Governo e contra a minha vontade». Na sua chegada ao aeroporto de Lisboa, o Bispo, foi impedido de dialogar com os jornalistas dos meios de comunicação nacional e estrangeiro e até mesmo com os seus familiares.”

Obrigado, Dom Manuel Vieira Pinto!

(2/5/2017)