O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, fevereiro 04, 2014

Já passaram quatro anos...


Já passaram quatro anos…


 

Foi em 24 de janeiro de 2010 que se realizou o primeiro “Dia da Voz Portucalense”. E tu ainda colaboraste na sua preparação com sugestões e ideias, mas, no dia, já não pudeste estar presente porque, na véspera, tinhas partido para a “Casa do Pai”.

Tudo começara 5 anos antes. A vida sorria-te. O desporto dera-te uma compleição invejável, mas aquelas dores nas costas cuja origem os médicos não conseguiam detetar… Completaras 25 anos. Veterinário pelo ICBAS com estágios no Porto e em Bristol, tinhas começado a trabalhar em clínicas da Maia e de Espinho. No dia seguinte, teu irmão ia casar e tu eras o padrinho. Ao fim da tarde, soubeste que tinhas um sarcoma de ewing no ilíaco. E decidiste nada dizer para não estragar a festa do casamento. Nessa noite, durante o jantar com amigos, ainda tiveste forças para ser, como sempre, o animador com a piada certeira, a espontaneidade do teu humor, a alegria comunicativa das tuas gargalhadas. No casamento, eras o padrinho feliz que sorria para os noivos… Teu rosto não deu sinais de tristeza…
 

A tua “via-sacra” levou-te a sucessivas sessões de Químio e Rádio no IPO do Porto; ao Instituto Rizzoli em Bolonha, com seis cirurgias; ao Hospital Universitário de Lovaina na Bélgica; a Barcelona e Londres. E muitos internamentos de urgência.


No teu calvário, nunca se te ouviu uma palavra de revolta, um queixume. Nas horas de maior sofrimento, limitavas-te a dizer: “Estou cansado”. Em Bolonha, nos momentos mais difíceis, rezavas o terço e, quando te sentias melhor, pedias para te levarem à igreja onde participavas na Eucaristia. Aí, te ofereceram a medalha de Nª Senhora que, com o “tau” franciscano, sempre te acompanhou e foi contigo. A “maca” era o teu altar.

Quando estavas internado, procuravas evitar trabalho aos que de ti cuidavam. E a todos dizias “obrigado”, com um sorriso. Na solidão, sempre construías comunhão.

Na dor, não faltaram cireneus que te ajudaram a levar a cruz. Nunca esqueceste Frei Alfredo que, todos os dias, te visitava em Bolonha e te falava do santo que tu gostavas de tratar por “irmão Francisco”. Quanto te ajudou a psicóloga que te acompanhou no IPO! Como te confortava o carinho do teu irmão e da tua cunhada! E quão preciosos foram os teus amigos!

Sempre povoaste de esperança teus sonhos de futuro. Rematavas as conversas com um Nós vamos vencer. Mesmo quando já sabias que o fim se aproximava, continuavas a falar no amanhã. Ainda na 6.ªa feira, tinhas pedido ao capelão para te trazer a sagrada comunhão no domingo seguinte…

- Eu nasci para ser eterno? – Essa é a nossa Fé. – Então está bem. Obrigado.

E partiste para renasceres corpo ressuscitado. O sorriso que, mesmo na morte, iluminou o teu rosto permanece vivo naqueles que te amam e, por ti, dão graças a Deus.

A emergência do homem simbólico - II



Continuamos na Festa de S. Sebastião em Couto de Ornelas.

Primeiro, desenrola-se a toalha de linho sobre os bancos que correm ao longo do caminho da aldeia. De seguida, a vara mede as distâncias. Uma broa de pão é colocada no espaço de uma vara. Junto da broa, põe-se a escudela do arroz e o prato da carne. Finalmente, o santo vai passar. As pessoas aprimoram a postura. Há silêncio e solenidade nos gestos. O mordomo vai dando o santo a beijar. Atrás, o rapaz com o cesto para os devotos/turistas deporem o óbolo. O mordomo vai prevenindo: “ se não quiser beijar o santo…mas, por favor, não esqueça a oferta”. Uns beijam, outros depõem um donativo, outros, ainda, beijam e oferecem. Era o relativizar dos ritos. Todos queriam significar a sua participação. Era o sentimento de pertença, expresso em diferentes gestos de identificação…

Depois, bem, depois foi o partilhar. Parecíamos crianças ávidas. Ávidas de quê? De alimentos? – Não. De significação. “O homem tem o poder extraordinário de fazer de um objeto um símbolo e de uma ação um rito.” (L. Boff)  A capacidade simbólica é própria do homem. As coisas não valem só por si. Através delas, o homem vê para além. São janelas para a transcendência. Os alimentos postos à nossa frente faziam apelo a outras realidades. Tinham polivalência. As memórias individuais e coletivas davam-lhes significação. Apelavam à fraternidade.

Viveram-se momentos de verdadeira irmandade. A cidade e o campo, o litoral e o interior, o religioso e o a-religioso, conviveram, trocaram experiências. Encontraram uma vivência comum.

No mesmo rito, convergiam diferentes mitos. O homem simbólico criava a unidade na diversidade.

O que atraiu ali aqueles milhares de pessoas, vindas de terras bem distantes? O que deu relevo a uma pequena aldeia, perdida no Barroso? O que fez dela uma unidade significativa? A fé? A cultura? - Para além de tudo, o “homem simbólico”. Numa civilização de objetos, a pessoa procura emancipar-se como sujeito. Exige-o o equilíbrio psicológico e a dignidade ontológica. Constrói significações, cria distanciações. Afasta-se do quotidiano e do presente que o limita e, por vezes, sufoca. Recorre ao simbólico. A Festa é a libertação, o diferente, o cíclico em função do qual o dia-a-dia se organiza. É o passado bom e feliz que se faz presente. O homem precisa da Festa. Não aguenta o constantemente igual e o peso da pura materialidade.

Concluindo…É bem verdade o que dizia Mircea Eliade: o homem profano, queira ou não, conserva ainda vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado das significações religiosas. Faça o que fizer, é um herdeiro. ” E como escrevia Edgar Morin“ Não podemos escapar aos mitos.”
Este o fascínio e o poder do “homem simbólico”…   

A emergência do homem simbólico- I



Estou a escrever no dia de S. Sebastião e recordo a festa em sua honra a que assisti em Couto de Ornelas no Barroso. Já lá vão uns anitos… Motivava-me um pensamento de Mircea Eliade:

 Assim como a natureza é o produto de uma secularização progressiva do Cosmos, obra de Deus, assim o homem moderno profano é o resultado de uma dessacralização da existência humana. O homem a-religioso, por oposição ao seu predecessor, o “homo religiosus”, esforça-se por se esvaziar de toda a religiosidade e de toda a significação trans-humana. Por outras palavras, o homem profano, queira ou não, conserva ainda vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado das significações religiosas. Faça o que fizer, é um herdeiro. ”

Começámos pela casa onde o mordomo guardava o pão e se cozia o arroz. Fomos recebidos como pessoas da família. Ao redor de uma grande fogueira, o arroz borbulhava, apetitoso, dentro de enormes panelas de ferro, de três pernas. Estava a ferver na água em que já antes se cozera a carne. Levaram-nos a ver a sala onde, religiosamente, se guardavam as 420 broas de pão que levaram três dias e duas noites a cozer.

Aquecidos pelo calor da fogueira e da amizade do acolhimento, saímos para o largo da aldeia.

Entretanto, o sino do campanário chamou mas poucos o atenderam. A missa em honra de S. Sebastião ia começar. Ainda esta decorria e já as pessoas se dispunham ao longo da mesa onde iria ser servido o alimento. Buscavam pão, não dentro da igreja, mas cá fora, ao ar livre. Que pão? Duas formas de significação se confrontavam. Como diz Leonardo Boff: tudo é sacramento ou pode tornar-se. Depende do homem e do seu olhar. Se ele olhar humanamente, relacionando-se, deixando que o mundo entre dentro dele e se torne o seu mundo, nesta medida o mundo revela a sua sacramentalidade. O mundo todo e não apenas uma parte dele será sua pátria amiga e familiar, onde mora a fraternidade e vive a tranquilidade da ordem de todas as coisas.

Terminada a missa, o sacerdote, em procissão com o santo, foi benzer a mesinha (pão, arroz e carne de porco) que será partilhada e levada para os animais domésticos. Foi o rito da bênção. Poucos o seguiram. Já toda a gente ladeava a estreita e comprida mesa feita de bancos de madeira que se estendia pelo caminho. Seriam mais de três mil pessoas. Foi um frente a frente, amigo e fraterno.

            De repente, a conversa fez-se murmúrio. Todos se afastaram da mesa e compuseram a postura. A cerimónia ia começar, seguindo a tradição. O eterno ontem faz-se presente. Há ritmo e gestos religiosamente cumpridos. Sem atropelos. É o rito a impor o como antigamente… E o mito reminiscente a dar-lhe sentido.

E depois? Para o saber…

Glória a Deus e Paz aos homens


 


Há dias, com amigos, recordámos tempos de infância quando nos íamos confessar para a “primeira sexta-feira ”. Repetíamos os mesmos pecados: “disse palavras feias, não obedeci aos pais, andei à bulha, falei na missa…”. Transformávamos em ofensa a Deus o que era linguagem grosseira ou, quando muito, insignificante transgressão moral.

Sem entrar na controvérsia “haverá religião sem ética ou ética sem religião”, convém dizer que estas duas vivências, embora se interliguem, se situam em planos diferentes.

Quando falamos de ética, logo lhe associamos a ideia de justiça e esta assenta sempre numa retribuição, numa troca equitativa. A justiça pressupõe e exige igualdade e reciprocidade de direitos e deveres. Coloca-nos a todos no mesmo patamar. A horizontalidade é, pois, a coordenada da Ética.

Falamos, porém, de dádiva sempre que recebemos o que não merecemos. Não se trata de justiça mas de favor, de graça. A nossa atitude não é de exigência mas de gratidão. Se reconheço que a vida me foi dada por Deus, só tenho de Lhe agradecer. A Deus nada podemos exigir porque nada podemos retribuir. Assim, quando alguém se revolta contra Deus e O acusa por não ter feito o que Lhe pediu, está a querer pôr-se ao Seu nível e cede à tentação de Adão e Eva- sereis como deuses (Gn 3,5).  A atitude religiosa é, pois, a de alguém que adora o seu criador a quem louva e agradece os dons que d’Ele recebe. A coordenada vertical que nos eleva até ao Absoluto é o domínio da religião.

Em Jesus, convergem em plenitude estas duas coordenadas do agir humano.



No Natal, os anjos anunciam que aquele Menino era a ponte entre a transcendência do divino (“Glória a Deus no mais alto dos céus”) e a imanência do humano (“e na terra paz aos homens” (Lc2,14).

Na vida pública, Jesus mostra-nos que a glorificação de Deus passa pela aceitação da Sua vontade. Presentemente a minha alma está perturbada. Mas que direi? Pai, salva-me desta hora. Mas foi exatamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome! (Jo 12,27).  

E ensina-nos, ainda, que ao “ethos da vida”, capaz de gerar a “paz na terra”, não basta a justiça do “olho por olho, dente por dente” da lei de talião, mas precisa do amor que, ao perdoar, sublima as relações humanas: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amo (Jo, 15,12).

No calvário, Jesus confirma que “Tudo está consumado” (Jo 19,30). A doação é total: “Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23, 46). E o Amor leva-O a rezar pelos seus algozes “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34)

Assim, em Cristo, religião e ética confluem no Amor. E nós que fazemos? S. João diz-nos “Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão” (I Jo, 54,21).

Este é o espírito que dá sentido ao Natal. Sem ele…



 

Natal no planalto mirandês


 
Quem, por estes dias, (30 de dezembro)
visitar Miranda do Douro encontrará, no adro da Sé, troncos queimados entre ramos carbonizados.

A noite de Natal começa com a “consoada” onde não falta bacalhau cozido com berças, polvo com batatas cozidas na água do mesmo, arroz doce, aletria, filhós... A “Missa do Galo” na Sé termina com o cântico beijai o Menino. Depois, no adro, toda a gente aproveita a luz e calor da fogueira, feita com lenha trazida pela mocidade, para conversar com os amigos, alguns vindos de longe. No dia 25 é comum comer-se o “farrapo velho”.

O ciclo festivo do solstício de inverno continua no dia 26, nas aldeias da Póvoa e Duas Igrejas, com o Santo Estêvão. Na Póvoa os mordomos são solteiros e o povo volta a encontrar-se ao redor de uma fogueira. Antigamente, realizava-se o colóquio, teatro tradicional, escrito em “casco”, de matriz vicentina onde o tonto e o diabo são protagonistas.
 

O auge atinge-se com a festa de S. João /“Festa dos Moços”/ Fiesta de la Bielha i de l Carocho, em Constantim, durante três dias. No dia 27 a aldeia junta-se na Casa do Povo para assistir à apresentação dos pauliteiros (dançadores) da freguesia e onde os mordomos oferecem vinho, bolachas e tremoços. O dia 28 nasce com a “alvorada” ao som do gaiteiro, do caixeiro e do tocador de bombo. Às 8 horas, reunidos os dançadores, tocadores e dois moços, vestidos de velha e de diabo (carocho), inicia-se o peditório pelas casas que oferecem dinheiro, chouriças, mão de porco, orelheira… O carocho faz travessuras: entra nas casas e vai “roubar” chouriças que estejam a cozer na panela, metendo-se com as raparigas na rua. No final do peditório, há Missa e os pauliteiros dançam, ao som da flauta pastoril (fraita), o Jesus mio. No final da Procissão, os pauliteiros bailam no adro da igreja. No dia 29, só para os membros da aldeia e convidados, partilha-se a ceia comunitária: um cozido/feijoada feito com os produtos recolhidos no peditório.

Embora as festas do inverno se prolonguem com o S. Sebastião (20 de janeiro), Srª das Candeias e S. Brás (2 e 3 de fevereiro), pode-se considerar que o ciclo do solstício fecha com a Festa de Santo Amaro, na Póvoa, no dia 15 de janeiro, onde se reacende a fogueira da Festa de S. Estevão e no baile, os mordomos, oferecem vinho, bolachas, tremoços…

A todos estes ritos subjaz um fundo mítico que, numa visão holística do real, faz a simbiose entre Deus e diabo, homem e natureza, sagrado e profano, bem e mal, alegria e dor, ontem e amanhã; conjuga os ciclos natural, agrícola e litúrgico; com “ritos de passagem”, estrutura os papéis sociais e integra os diversos estados e idades; reforça os elos que ligam o indivíduo à família e à comunidade. E isto é sabedoria…

Concertos de Reis na Casa da Música



Foi no dia 2 de janeiro. Pouco passava das 21 horas, quando a Sala Suggia embarcou numa viagem de sonho que, partindo dum porto inglês (Portsmouth Point), nos levou, por paisagens misteriosas do Médio Oriente (Marcha Persa, Marcha Egípcia, Mil e Uma Noites), ao encontro de uma princesa japonesa (Aberture de La Princesse Jaune). É bem verdade que, ao mergulhar numa melodia, esquecemo-nos de nós e, no entanto, é lá que somos verdadeiramente nós, escreveu o P. Anselmo Borges.

E esta experiência heterocósmica foi-nos oferecida pela Orquestra Sinfónica do Porto. Ao consultar seu elenco, verifiquei que, dos 66 músicos, 31 eram portugueses. Sem chauvinismos bacocos, devo confessar que fiquei satisfeito ao confirmar um número crescente de artistas nacionais nas nossas grandes orquestras. E interroguei-me: a que se deve tal incremento?

A resposta foi-me dada, na tarde do dia 4, pelo “concerto escolar” da Academia de Música de Costa Cabral, com um coro juvenil e duas orquestras (de sopros e sinfónica) com 100 instrumentistas: flauta transversal, oboé, clarinete, fagote, saxofone, trompa, trompete, trombone, eufónio, tuba, percussão, violino I, violino II, viola d’arco, violoncelo, contrabaixo, harpa e piano. E todos com nomes bem conhecidos, onde não faltavam silvas, pereiras, carvalhos, teixeiras, ferreiras… O próprio maestro era português.

Na 1ª parte, foi a Orquestra de Sopros que mereceu as nossas prolongadas ovações. A 2ª parte iniciou-se com Abertura Sinfónica, de Joly Braga Santos, pela Orquestra Sinfónica. E a emoção atingiu o auge quando a esta se juntaram duzentas vozes do Coro Juvenil a cantar a “Lenda das três árvores” com arranjo do professor Daniel Martinho. Começava: “No alto de uma colina existiam três lindas árvores sonhadoras. Sonhavam…” Depois de nos contar seus fracassos e realizações, a voz límpida e bem timbrada de uma menina deixava-nos esta mensagem: “Todos sonhamos… Deixemos que os sonhos nos conduzam no sorriso de uma criança”. Que melhor apelo?

Ao acompanhar de pé e com palmas, por detrás da orquestra, a Marcha Radezky, de Johann Srauss, aquelas crianças, cujas gravatas semeavam rubis no branco das camisas, pareciam avezitas a esvoaçar. E, no final, seus gritos e aplausos foram como uma revoada de pombas que se soltou e encheu de gorjeios a pérola mais preciosa do nosso “emblema maior da música”.

Neste início de ano, gostaria de expressar dois desejos.

- Que os pais, que puderem, ponham seus filhos pequenos a aprender música - a mais imaterial das artes - que, para além do mais, os irá ajudar a crescer em autodisciplina, autodomínio e autoestima.

Que todos possam assistir, pelo menos, a um concerto na Casa da Música neste que é o seu “Ano do Oriente”.

 É sonhar muito?

D. João Peculiar - Quem foi?


 

 

A propósito de Grijó, deixei no ar a pergunta: quem já ouviu falar de D. João Peculiar? Não serão muitos… E, no entanto, este vulto da Igreja (cofundador de Santa Cruz de Coimbra, fundador de S. Cristóvão de Lafões, bispo do Porto e arcebispo de Braga) foi um dos pilares em que assentou a independência de Portugal. Afonso Henriques foi o conquistador; D. João Peculiar, o diplomata. Sem este, aquele não seria rei, dificilmente, conquistaria Lisboa e o Condado Portucalense não passaria a Reino. Ignorá-lo é falsear a nossa História.

Valeu a sua amizade com o Cardeal Guido de Bico que desempenhou papel importante, como legado papal, no Tratado de Zamora, em 1143. No Concílio de Piza em 1135, conheceu S. Bernardo de quem falou a D. Afonso Henriques que se entusiasmou com a prodigiosa multiplicação das abadias cistercienses por ele fundadas. Não foi por acaso que, em 1144, a Ordem de Cister se estabeleceu em S. João de Tarouca e, depois, em Alcobaça e em muitos outros mosteiros. O apoio de Cister à causa portuguesa serviu de contrapeso à influência que Cluny exercia no papado em favor de Castela. Foi particularmente importante nas 14 viagens (e naquele tempo não havia comboios nem carros e muito menos aviões…) que D. João fez a Roma para convencer o Papa a reconhecer a independência de Portugal. Mesmo assim, apenas em 1179 é que o Papa Alexandre III escreveu: “concedemos e confirmamos por autoridade apostólica ao teu excelso domínio o reino de Portugal com inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence”. Portugal nasceu em Zamora, mas, só passados 36 anos, foi reconhecido internacionalmente.

A conquista de Lisboa também se deve, em grande medida, à sua ação. Como? Foi ele quem pediu a S. Bernardo para convencer os flamengos a colaborar nessa conquista. Quando, em 16 de Junho de 1147, na Sé do Porto, o seu bispo, D. Pedro Pitões, exortou os Cruzados a participar na tomada de Lisboa e leu a carta de D. Afonso Henriques que formalizava o pedido e lhes oferecia recompensas, das diversas nações nórdicas só os flamengos, inicialmente, se mostraram-se disponíveis. E foi preciso que na Armada, com D. Pedro Pitões, embarcasse também D. João Peculiar como penhor das promessas do Rei e para que, em Lisboa, o obrigasse a cumprir a sua palavra. E assim aconteceu. Não é sem razão que a nossa capital evoca estes dois bispos num baixo-relevo no metro em Martim Moniz. Braga honra D. João Peculiar com uma imponente estátua perto da catedral. E o Porto? - Deu seu nome a uma pequena rua no bairro de S. Roque da Lameira. Muito pouco para tão grande nome.

O livro D. Afonso Henriques, de José Mattoso, ajuda-nos a conhecer este português insigne, um dos nossos egrégios avós que o Hino Nacional enaltece e a Escola esquece.