O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, novembro 28, 2014

Aqui há santidade



O crente é, fundamentalmente, “uma pessoa que faz memória”. (A Alegria do Evangelho).

Neste ano de 2014, passam duas datas que marcam a memória da Igreja do Porto. A primeira foi assinalada com um Colóquio Internacional que encerrou, no dia 19 de outubro na Sé Catedral. São os 900 anos da fundação da Diocese. Na sua abertura, o bispo do Porto, D. António, deu especial relevo a quatro dos seus antecessores: D. Hugo “a quem devemos muito do que hoje somos como diocese e cidade”; D. João Peculiar pelo seu papel “na edificação da catedral”; D. António Barroso e D. António Ferreira Gomes “Um e outro tiveram de pagar o doloroso preço do exílio para salvaguardar a liberdade e o direito para os seus concidadãos”.

Já no dia 9 anterior, Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto na “oração de sapiência” no Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes, tinha destacado o nome destes dois últimos bispos. Depois de referir D. António Ferreira Gomes “que para cá e para lá dos seus muros graníticos (Porto) conseguiu fazer ouvir a sua voz livre por todo o mundo”, afirmou “que ele é parte do nosso património cultural, como antes foi D. António Barroso”.

Muito significativo! No mesmo mês, em dois momentos igualmente solenes, os responsáveis máximos da cidade e da diocese realçaram o nome de um bispo que, há um século, foi pastor da Igreja do Porto. Acontece que, precisamente neste ano, faz 100 anos que ele regressou à diocese e à cidade após 3 anos de exílio. Esta data irá ser recordada com uma Eucaristia presidida por D. António Francisco, seguida de Te Deum, no dia 21 de dezembro, às 15 horas, na Sé Catedral.

No dia em que faleceu (31/8/ 1918), os jornais, de variadas tendências partidárias e ideológicas, confluíram na homenagem ao “bispo dos pobres” que cumpriu as promessas que fizera na “ Pastoral de Saudação” dirigida à diocese aquando da sua nomeação (27/7/1899) onde afirmara o seu desejo de ser vigia sempre alerta, sentinela sempre atenta, pai sempre extremoso, médico espiritual sempre atento, e bispo sempre pronto a atender, de portas abertas a todos aqueles que forem portadores de diversos males ou de quaisquer necessidades. A fama de santidade perdurou para além da sua morte. Na minha infância, ainda minha mãe falava do bispo santo de barbas brancas. No dia 4 de setembro de 1911, em Remelhe, D. Manuel Clemente, então bispo do Porto, encorajou a Fundação Voz Portucalense a prosseguir a campanha em favor da beatificação de D. António Barroso porque, disse, Aqui há santidade.

No dia 21, participemos nessa celebração que enriquece as comemorações dos 900 anos da diocese. Como diz o nosso bispo, um hino de gratidão, rezado com fé, anuncia sempre uma hora de esperança. Fica o apelo.

( 26/11/14)

quarta-feira, novembro 19, 2014

Associação Nun'Álvares de Campanhã



No passado dia 8, com a presença do cónego Fernando Milheiro, o auditório desta já veneranda e ainda prestimosa instituição, sediada em Campanhã, na rua do Falcão 555, encheu-se para celebrar o seu 80.º aniversário.

O espetáculo teve como fio condutor a narrativa da sua história, intercalada por canções, danças e números de revista, a cargo dos mais e menos novos da Associação. A apresentadora, uma das “meninas do patronato”, começou por lembrar que, em 6 de novembro de 1934, o pároco, P. Domingos Moreira de Azevedo, ajudado pelo coadjutor, P. Pacheco (que foi pároco do Carvalhido) e com o apoio entusiasta de 30 paroquianos, fundou esta instituição cujos estatutos foram aprovados pelo Governador Civil do Porto em 28 de maio desse mesmo ano. A propósito dos párocos de Campanhã, lembrou o P. Tavares Martins que deixou preciosos apontamentos monográficos que prestam grande serviço ao conhecimento da história da freguesia. E perguntou: para quando uma rua com o seu nome? Depois dos “ grandes” do jardim infantil apresentarem um bonita e laboriosa encenação de contos tradicionais, continuou o desenrolar da história. Realçou-se o dia 30 de junho de 1935 em que foi lançada a primeira pedra da casa-mãe e benzida a bandeira da Associação pelo bispo do Porto, D. António de Castro Meireles. Seguiu-se uma dança pelos “pequeninos” que a todos encantaram pela espontaneidade dos movimentos e pela alegria dos rostos.

Foi, ainda, lembrado o jornal ”Ressurgir”, publicado desde janeiro de 1936 a setembro de 1965, como veículo congregador de todos os que faziam daquela “a sua casa”. Não se esqueceram as atividades de formação humana e cristã bem como o desporto com destaque para o basquetebol. E uma voz bem timbrada cantou a música do “Oh tempo volta pra trás”, com letra adaptada que recordava esses tempos em que a juventude enchia aqueles espaços.

Seguiu-se a classe dos “médios” que contagiaram a assistência com a alegria da sua dança e a traquinice dos sorrisos. E o espetáculo continuou pela noite dentro.

Uma palavra de felicitações para quantos contribuíram para o êxito desta festa com bom ritmo e de selecionado conteúdo.

No presente, a Associação Nun’Álvares de Campanhã é uma instituição de solidariedade social que disponibiliza diferentes tipos de valências, designadamente, Jardim de Infância, ATL, Centro de Dia para Idosos e Apoio Domiciliário.

Parabéns para a direção e seus colaboradores não só pelo rico património humano e cristão de que são continuadores mas também pelo trabalho que desenvolvem junto dos mais frágeis da comunidade. E um muito especial voto de sucesso para a “Casa dos Girassóis”.

(19-11-2014)

Foi há 185 anos - II


No Porto, houve quem aclamasse D. Miguel em 29/4/1828. Mas foram muitos os liberais que se revoltaram. A primeira tentativa, falhada, deu-se logo no dia seguinte, com milhares de pessoas no Campo de Santo Ovídio. Teve mais sucesso a acção revolucionária, levada a cabo quinze dias depois, precisamente a 16 de Maio no mesmo local, em acção concomitante das cidades de Aveiro e Porto e dos regimentos de Caçadores n.º 10 e de Infantaria n.º 6. A Junta Provisória do Porto aclamou rei D. Pedro IV. Porém, também esta revolta acabou por fracassar. E D. Miguel foi impiedoso. A “Alçada do Porto”, nomeada, em 14 de Julho para julgar breve, sumariamente e em última instância os responsáveis e seus cúmplices, acusou 1.200 pessoas e condenou quarenta e duas à morte das quais doze foram enforcadas, em 1829, na Praça Nova, bem no centro do Porto. A horrenda imolação arrastou-se por três longas horas e incluiu a degolação das cabeças. No final, os cadáveres foram levados pela Santa Casa da Misericórdia nas suas tumbas para o Adro dos Justiçados, situado nas traseiras do Hospital de Santo António. Consumado o enforcamento, as cabeças dos condenados foram separadas e, no dia seguinte, foram levadas para as terras onde supostamente foram cometidos os delitos. Aí, espetadas em paus ou mastros, foram expostas durante três dias em local bem visível. Que selvajaria, caro leitor! Que barbárie! E isto deu-se há apenas 185 anos nesta “Cidade da Virgem”. E nós hoje, com razão, horrorizamo-nos perante as atrocidades do “Estado Islâmico”…

Após a vitória de D. Pedro no Cerco do Porto e a Convenção de Évora-Monte (1834), as gentes do Porto honraram-nos como mártires da pátria e mártires da liberdade. Os dois títulos são referenciados em documentos da época. Logo na tarde do dia 7 de maio de 1836, um grandioso cortejo fúnebre conduziu seus restos mortais para a igreja da Santa Casa da Misericórdia, armada para o efeito a expensas dos mesários. A armação do túmulo esteve patente à veneração pública durante três dias. Em 18 de junho de 1878, um impressionante e memorável cortejo fúnebre trasladou-os para o mausoléu que a Santa Casa mandou construir no cemitério do Prado do Repouso onde repousam. Na Praça Nova que, em 1910, passou a chamar-se da Liberdade, foram colocadas duas placas de bronze no pedestal da estátua de D. Pedro IV, com a inscrição: “Homenagem da Câmara Municipal do Porto – Em 1914 – À Memória dos Mártires da Pátria – Executados em 7 de Março e em 9 de Outubro de 1829”, onde constam seus nomes e profissões. O Porto sempre se quis pátria da liberdade.

 As citações foram retiradas, com vénia, do livro Os Mártires da Liberdade e a Santa Casa da Misericórdia do Porto (1829-1878) de Francisco Ribeiro da Silva.

(19/11/2014)

quarta-feira, novembro 12, 2014

Foi há 185 anos - I


Há, na cidade do Porto, dois topónimos que sempre me intrigaram: Rua dos Mártires da Liberdade e Campo dos Mártires da Pátria. Porquê “mártires”? Quem são? São as mesmas pessoas?

Para situar a resposta, revisitemos a História.

Nasceu conturbado o século dezanove. Logo no início, as Invasões Francesas (1807, 1809, 1810), lançaram o caos sobre o país e obrigaram a Corte a refugiar-se no Brasil onde permaneceu longo tempo. Expulsos os franceses, os ingleses, nossos aliados na guerra, ficaram a mandar na metrópole, Mas, diz-nos José Hermano Saraiva que " Em Portugal havia um descontentamento profundo. A miséria geral, a ruína dos comerciantes, a impaciência dos militares que viam os melhores comandos nas mãos dos oficiais ingleses; a ideologia de pequenos grupos, impregnados de teorias liberais foram os quatro factores decisivos que levaram à revolta militar que triunfou no Porto, em 24 de Agosto de 1820."

 A Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, saída da revolução de 1820, assumiu o poder em todo o país e exigiu que D. João VI regressasse do Brasil, deixando aí, como regente, o príncipe herdeiro D. Pedro.

Em 1822, foi promulgada a primeira Constituição Portuguesa. Portugal passou de Monarquia Absoluta para Monarquia Liberal ou Constitucional onde o poder soberano provém da vontade do Povo e não de Deus. Mais, na Monarquia Absoluta, o rei detinha todos os poderes, já a Monarquia Constitucional institui a divisão tripartida dos poderes (legislativo, executivo e judicial), reservando para o Rei apenas o executivo.

Nem todos os portugueses aceitaram esta mudança de regime. Entre estes, contava-se o príncipe D. Miguel que liderou duas revoltas contra o regime liberal: a Vilafrancada (1823) e Abrilada (1824)). Derrotado, o próprio pai o condenou ao exílio em Viena. Em 1826, morreu D. João VI e sucedeu-lhe D. Pedro IV, então já Imperador do Brasil.

Para conciliar os portugueses desavindos, D. Pedro manteve o regime constitucional mas substituiu a “Constituição de 22” pela “ Carta Constitucional” que atribuía ao rei, também, o poder moderador. E, sabendo que poderia não ser bem aceite em Portugal por ter proclamado a independência do Brasil em 1822 (“Grito do Ipiranga”), abdicou em favor da filha, D. Maria da Glória, de 7 anos, com a promessa de vir a casar com o tio, D. Miguel que, entretanto, assumiria a Regência. Este aceitou a proposta e jurou cumprir a Carta mas logo, em 1828, convocou as “Cortes ao modo antigo” que o proclamaram Rei Absoluto. Os liberais foram perseguidos. Muitos fugiram do País. “No ano de 1829 a violência na cidade do Porto atingiu, mais uma vez cúmulos de barbárie.” E os “Mártires da Pátria” e os “Mártires da Liberdade”? Já se vislumbra a resposta que será dada na próxima semana.

(12/11/2914)

quarta-feira, novembro 05, 2014

Por que estavas do outro lado?



Frei Alfredo era o superior do convento dos capuchinhos em Bolonha quando, em 2006, meu filho esteve internado no Instituto Ortopédico Rizzoli. Informado por um amigo da sua presença, Frei Alfredo passou a ir visitá-lo e sempre era recebido com um sorriso. Momentos de oração e de confidências em comum. Ficou a amizade. Em nós, misturada com gratidão. Nele, memória dum calvário partilhado na Fé. Atualmente é superior do convento de Fidenza e pároco de S. Francisco nessa cidade, continuando a deslocar-se a Bolonha para lecionar direito canónico.
 
Como preparação dos 25 anos da sua profissão religiosa, em 7 de outubro, aproveitou as férias para realizar uma peregrinação a pé a Fátima e a Santiago de Compostela. Peregrinou sozinho para, no silêncio e em comunhão com a natureza, rezar e meditar. De mochila às costas onde levava o imprescindível para a viagem e ainda o hábito, pão e vinho para a Eucaristia, tinha por único guia o mapa de peregrino que lhe indicava o caminho e os albergues onde pernoitava. Nada o distinguia, a não ser o “tau” (símbolo franciscano que evoca a ideia do tempo e da eternidade) que trazia ao peito. Começou a viagem a pé em Santarém. Em Fátima, celebrou na basílica da Santíssima Trindade. A partir daí, seguiu o Caminho de Santiago que o trouxe até ao Porto onde recuperou forças para continuar. Quando, no dia 23 de setembro, chegou à catedral de Santiago, tinha percorrido a pé cerca de 500 quilómetros, muitos dos quais sob chuva tão intensa quão inesperada.

E o título desta crónica? Aconteceu numa das Eucaristias que Frei Alfredo concelebrou no Porto. Durante os dois dias que aqui passou, brincou com o meu neto: construiu barcos e aviões de papel, fez corridas… E o Francisco, na traquinice dos seus três anos, tratava-o como mais um colega da “escolinha”. À noite, quando viu o companheiro de brincadeira no altar não mais tirou os olhos dele. Após a Missa, já no carro dos pais, perguntou-lhe: “por que estavas do outro lado?” Esta pergunta deixou-me a pensar… Para aquela criança, a celebração eucarística pôs o amigo do “outro lado, ele que, durante todo o dia, sempre estivera do seu lado. E interroguei-me: a celebração eucarística será sempre sinal dum Povo que, com alegria, peregrina para a Casa do Pai? Em vez de gerar comunhão, não poderá, por vezes, criar distanciações entre irmãos que, segundo S. Pedro, fazem parte da mesma “ raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido para Deus (I Pe 2,9)? Como fazer para que a Eucaristia, especialmente “no anónimo ambiente metropolitano”, ajude a criar e fortaleça os ”círculos interfamiliares de vizinhos e amigos” de que fala o cardeal Kasper em “O Evangelho da Família”?

(5/11/2014)