O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, setembro 30, 2015

E TORNAM A VIVER



O Francisco, na curiosidade dos seus 4 anos e telespetador atento do “Sid Ciências”, gosta de fazer perguntas à maneira do Sid, um menino que começa cada episódio com uma interrogação. Tempos atrás, ao ver os penedos da serra da Aboboreira, perguntou: - Avô, as pedras crescem? - Não. - E porquê? - Porque não são seres vivos. - E o que são seres vivos? - São as árvores e os animais que nascem, crescem e morrem, respondi. - E tornam a viver, acrescentou ele. Fiquei a pensar... Habituado a ir ao cemitério regar as flores do tio Zé que “morreu e agora vive junto de Jesus”, estende a imortalidade a todos os seres vivos. Mais ainda, quando falámos da minha infância, sempre pergunta: - E eu onde estava? Sem a noção de tempo abstrato, para a criança, ele e os que ama sempre existiram e existirão. Esta experiência faz-me lembrar as “ideias inatas” cartesianas, sementes de verdade que nascem connosco e trazem consigo a marca do Criador. Vivemos como se fôssemos eternos. A caducidade do humano sempre nos acompanha mas nós ignoramos. Sentimos a finitude mas não nos deixamos acabrunhar porque o futuro ilumina sempre os nossos horizontes. Quando acontece uma desgraça, logo nos consolamos: “melhores dias virão”; “a esperança é a última a morrer.”. E esta abre-nos ao futuro. Há sempre um desejo por realizar. Estamos em construção permanente. Ser temporal que vive no “hoje” projetado num “amanhã” que a morte inibe, há no homem uma falha ontológica que só a eternidade poderá colmatar. A sorrir, costumo aconselhar os jovens a concordar com os pais quando, aborrecidos, lhes dizem “até parece que não és bem acabado”. De facto, estamos num processo construtivo e nunca terminado. Se a morte fosse o fim, o homem permaneceria como ser irrealizado para sempre. E a vida redundaria num fracasso...
Quando nisto pensava, participei num funeral em que o celebrante disse: “Nem tudo morreu neste irmão que vamos agora acompanhar ao cemitério. Não enterramos as memórias que perduram, o bem que semeou, as marcas que em nós deixou. Não sepultamos a pessoa mas apenas os restos mortais. Pelo batismo, foi enxertado em Cristo Ressuscitado. Um ramo separado do tronco seca e morre, mas, quando enxertado faz-se um só com o novo tronco que lhe dá vida. Assim, nós ao sermos batizados, deixámos de “ser-para-a-morte” e passámos a “ser-para-a-Vida”. Deus não nos deu uma vida para ser destruída mas para ser construída. Essa a nossa responsabilidade em cada dia”.
A pessoa, único valor absoluto que não tem preço mas dignidade, no dizer de Kant, donde emanam os “direitos humanos”, clama pela transcendência. A vida humana, contrariamente ao que diz o existencialismo ateu, ultrapassa os limites da morte.

(30/9/2015)

quarta-feira, setembro 23, 2015

O HOMEM DAS HORAS DIFÍCEIS


No dia 6 de setembro, a Liga dos Amigos de D. António Barroso promoveu mais uma romagem ao túmulo deste missionário que foi Bispo do Porto.


Quando pelas 11 horas depositaram uma coroa de flores junto do seu túmulo, os romeiros, com a roupa encharcada de suor, tinham percorrido, por caminhos acidentados e com sol abrasador, o percurso do cortejo fúnebre que, no dia 5 de setembro de 1918, transportou os restos mortais de D. António desde Barcelos até Remelhe. A romagem, iniciada na igreja do Senhor Bom Jesus da Cruz, culminou com a Eucaristia presidida pelo atual pároco e concelebrada pelos padres António Júlio Limpo Trigueiros, SJ, natural de Remelhe e investigador da vida de D. António Barroso, e Manuel Jerónimo Nunes, Vigário Geral da Sociedade Missionária da Boa Nova. Na homilia, este missionário começou por realçar a palavra de Isaías no cativeiro da Babilónia: “ Tende coragem, não temais”. Situou o Evangelho na viagem que Jesus, repudiado pelos conterrâneos, fez pelo território pagão da Decápole onde foi bem acolhido. E lembrou S. Tiago para quem Deus não faz aceção de pessoas. E continuou. D. António Barroso, homem das horas difíceis e sem medo, é um exemplo para os nossos dias. Foi o primeiro, por entre perigos e doenças, a missionar o abandonado Reino do Congo, no norte de Angola. Sagrado Bispo, quis estender ao interior de Moçambique as missões que se limitavam à faixa costeira. Percorreu todo o território mas não teve tempo de realizar o seu plano missionário que foi incrementado 24 anos mais tarde. No Porto, enfrentou os poderes da República que queria erradicar o cristianismo da Pátria portuguesa e afirmou a independência da Igreja e a sua luta pela liberdade. Também nós vivemos tempos difíceis. A Europa do deus-dinheiro faliu, foi a crise dos banqueiros. Nós somos os surdos-mudos de que fala o Evangelho de hoje. Temos de abrir os ouvidos e o coração ou serão os que agora chegam à Europa, cristãos, muçulmanos e outros, que nos farão acordar. E terminou fazendo votos para que a comunidade local, honrando a memória de D. António Barroso, organize uma equipa sócio-caritativa que atenda os mais pobres e acolha os irmãos que, fugindo à fome e à guerra, nos irão bater à porta.


No final de Eucaristia, Amadeu Araújo, vice-postulador da causa de D. António Barroso, agradeceu a presença dos familiares de D. António, dos representantes da Câmara de Barcelos, Junta de Remelhe, Bombeiros de Barcelos e Barcelinhos, e realçou o empenho do bispo do Porto, D. António Francisco, que, na semana seguinte, durante a Visita ad limina, iria falar pessoalmente com o Santo Padre sobre o processo de beatificação de D. António Barroso.
Deixo o pedido de uma oração para que o “bispo dos pobres” seja beatificado antes do primeiro centenário da sua morte que ocorrerá em 31 de agosto de 2018.



(23/9/2015)

quarta-feira, setembro 16, 2015

UMA NUVEM PROTETORA


Há dias, leitora amiga enviou-me um email que dizia: “Hoje, gostaria de perguntar-lhe qual o significado desta estranha sensação de bem estar, paz interior, de alegria quando falo ou penso no “Francisco”. Sempre rezei com ele e por ele aquando do seu longo calvário. Depois que ressuscitou, continuo a rezar lembrando-o. Continuo a falar com ele. Acredito na comunicação dos santos. Parece que me protege”.

Este testemunho trouxe-me à mente as palavras do papa Francisco, em 30 de outubro de 2013 na Praça de S. Pedro: “ A comunhão dos santos vai além da vida terrena, vai além da morte e dura para sempre. Esta união entre nós vai além e continua na outra vida; é uma união espiritual que nasce do Batismo e não vem separada da morte, mas, graças a Cristo ressuscitado, é destinada a encontrar a sua plenitude na vida eterna. Há um vínculo profundo e indissolúvel entre quantos são ainda peregrinos neste mundo – entre nós – e aqueles que atravessaram o limiar da morte para entrar na eternidade. Todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e todos os beatos que estão já no Paraíso formam uma só grande família. (…) Temos esta beleza! É uma realidade nossa, de todos, que nos faz irmãos, que nos acompanha no caminho da vida e nos faz encontrar-nos de novo no céu. Sigamos por este caminho com confiança, com alegria. Um cristão deve ser alegre, com a alegria de ter tantos irmãos batizados que caminham com ele; apoiado pela ajuda dos irmãos e das irmãs que fazem esta estrada para ir para o céu; e também com a ajuda dos irmãos e das irmãs que estão no céu e rezam a Jesus por nós. Avante por este caminho com alegria!”

Razão tinha aquele casal que neste verão, ao passar por Fátima, se demorou na “Capela das Aparições”, num longo silêncio. Quando regressavam ao carro, sentaram-se à sombra duma árvore e partilharam o sentido da oração silenciosa. Ambos tinham dado graças pelo dom da vida, pelos filhos e netos, pelos amigos. E enquanto isto faziam, os olhos começaram a humedecer-se. Havia uma sombra no seu pensamento: quem muito amavam já havia partido para a eternidade. Fizeram silêncio, olharam o céu. Uma pequena nuvem começava a encobrir o sol que escaldava. E concluíram que há nuvens que escurecem e nuvens que protegem. Nuvens aterrorizadoras e nuvens benfazejas. “Acreditamos na “Comunhão dos Santos” e damos graças a Deus pela nuvem protetora que temos no Céu.” Entreolharam-se. Evocaram os versos de Ferreira de Brito: ” Mesmo que tenhamos vontade infinita de chorar/ Ergamos as mãos e vamos rezar...”. 
E de Santo Agostinho: “Rezem, sorriam, pensem em mim./ Eu não estou longe,/ Apenas estou /do outro lado do Caminho.../ A vida continua, linda e bela.”

Mas nem sempre a Fé consegue silenciar as lágrimas que humedecem o coração.

( 16/9/2015)

quarta-feira, setembro 09, 2015

UMA COMUNIDADE AGRADECIDA


No passado dia 12 de agosto, Mosteirô, Feira, esteve em festa, numa celebração de memória e gratidão. No dia seguinte o JN noticiava: “D. Florentino homenageado em Mosteirô - D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto, presidiu, ontem, na igreja de Mosteirô, Feira, à cerimónia evocativa dos 100 anos sobre o batizado de D. Florentino de Andrade e Silva (...). Vim dar um testemunho de gratidão a quem serviu tantos anos a Igreja, referiu D. António.”
No início, o pároco, P. José Carlos, leu o registo do batizado realizado naquela igreja, em 12 de agosto de 1915. D. António, na homilia, realçou os três pilares em que assentou o serviço episcopal de D. Florentino: criação do Centro de Cultura Católica que, ao longo de cinquenta anos, muito tem contribuído para a formação dos leigos da diocese e, ultimamente, dos diáconos; fundação da Obra Diocesana de Promoção Social que, atualmente, serve diariamente mais de três mil pessoas dos bairros mais carenciados do Porto; construção do Seminário do Bom Pastor que tão bons serviços tem prestado na formação dos seminaristas da diocese. Estas instituições modelam as grandes preocupações do pastor diocesano: formação dos leigos, atenção aos mais pobres, preocupação pelo clero.
No final da Eucaristia, os familiares ofereceram a D. António uma composição artística que lhe foi entregue pela autora, sobrinha do homenageado. Esta obra, para além das “Armas de Fé”, inclui uma gravura de D. Florentino acompanhada por um texto que sintetiza o seu pensamento e norteou toda a sua vida: “Homens que somos, vivemos mergulhados no tempo e no circunstancial. Importa fazer um sereno esforço de libertação e criar, no teu interior, espaços de silêncio, de luz e de paz. E põe-te na expectativa do Transcendente, que está perto e vem. Ele é o Verbo, a Palavra viva, o Pensamento substancial de Deus feito carne, um rosto invisível, mas belo e amigo que urge procurar com toda a alma, com inteligência, vontade e coração. Se encontrares esse Rosto, amigo e belo, terás encontrado o teu próprio rosto, isto é, a tua humanidade”. D. Florentino de Andrade e Silva – Texto escrito como chamamento à leitura do seu livro , Apelos do Verbo, Respostas do Homem.
Após a bênção, toda a assembleia, que enchia por completo o magnífico templo paroquial, seguiu em procissão até ao túmulo de D. Florentino onde rezou e cantou.


Para além da Autarquia, também o Forum Ambiente e Cidadania se associou a esta homenagem com a participação de “A Rua'Da” (Grupo de Percussões Tradicionais) que, num espetáculo de som e fogo, a todos deliciou. E tudo terminou num convívio que, a convite do pároco, envolveu todos os presentes. Foi uma comunidade em festa. Festa de homenagem e gratidão. Parabéns.

( 9/9/2015)

AEEP atribui o prémio P. Nuno Burguete



No passado dia 8, com a presença do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, a EEEP (Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo) realizou, em Fátima, o seu encontro anual de formação. De manhã, foi abordado o tema “Sala de Aula Digital ”. A tarde iniciou-se com duas palestras sobre “Currículos Internacionais”. Seguiram-se as comunicações “Planos Próprios” por Marco Dias da Silva (Colégio de Amarante) e “Flexibilidade nos ensinos básico e secundário” por Irene Alferes (Didáxis). Após, a intervenção do Secretário de Estado, procedeu-se à entrega do Prémio P. Nuno Burguete, SJ. Nas palavras do presidente da AEEP, António José Sarmento, este prémio ”constitui o reconhecimento público do mérito e a merecida homenagem a todos os que foram escolhidos como profundamente relevantes nas Instituições onde gastaram a sua vida ao serviço dos alunos e das suas famílias, deixando rasto em cada um deles e na Instituição que ajudaram a crescer e a consolidar.” Nesta 5ª edição, foram homenageados: Albino Monteiro de Magalhães (Sociedade de Ensino Central Vilameanense), Ana Célia M. L. G. Marques (Colégio Cedros), Ana Maria A. Brenha (Colégio de Albergaria), Ana Paula L. A. Martinho (Colégio Marista de Carcavelos), Armando Carlos da Rocha (Externato de Penafirme), Artur Pedro Correia (Colégio Planalto), Francelina Amélia P. Rocha (Externato Liceal Paulo VI - Gondomar), João Alves Dias (Colégio D. Duarte – Porto),
José Manuel G. S. Lages (Externato Infante D. Henrique), Luísa Maria V. Capitão (Salesianos de Manique – Escola), Ir. Margarida Maria A. Pinto (Jardim Flori – Externato), Maria da Conceição P. F. Certo (Colégio de Lourdes), Maria de Fátima S. N. de Figueiredo (Externato S. Domingos), Maria do Céu R. O. Gomes Pinheiro (Instituto Nun'Álvares), Maria Dulcíida M. N. T. Belejo (Externato Marista de Lisboa), Maria Esmeralda F. Carvalho (Colégio D. Luísa Sigea), Maria Francisca Q. Gaivão (Colégio Bom Sucesso), Maria Isabel A. V. Pinto (Colégio Mira Rio), Ir. Maria Luísa M. B. Pereira (Colégio Nossa Senhora do Rosário – Porto), Maria Teresa C. M. E. M. Meneses (Colégio Horizonte), Mary Elizabeth Brenan (St. Dominic's Internacional School), Teresa Maria D. Teixeira (Externato de Santa Margarida), Vitor Manuel M. Fialho (Salesianos de Évora)
Recorda-se que o P. Nuno Burguete foi um sacerdote jesuíta que se dedicou aos problemas da Educação, tendo deixado rasto nos colégios da Companhia de Jesus em Portugal, tendo sido o fundador da AEEP. Daí ter sido escolhido como titular deste Prémio.

(9/9/2015)

quarta-feira, setembro 02, 2015

UM MAR DE ESPERANÇAS


Vem de muito longe o meu fascínio pelo Alentejo. Remonta à meninice quando meu pai, nas longas noites de inverno à lareira, pegava na guitarra e, acompanhado à viola pelo Ti Zé Branco, cantava: “Abalei do Alentejo/Olhei para trás chorando/Alentejo da minh'alma/Tão longe me vais ficando”. Comecei a sentir saudades dum Alentejo que ainda não conhecia. Por isso, quando pude, fui à procura dessa terra dos meus sonhos. Já acompanhado pelos filhos que, apaixonados pelo Asterix, queriam encontrar romanos em todos os castelos. Numa Páscoa, apoiado pelo Guia de Portugal da Gulbenkian, rumámos ao sul. Foi com espanto que descobri, no coração do Alentejo, bem próximo do Guadiana, um monte coroado por um castelo. Era Monsaraz. Nunca dele ouvira falar. E foi com um misto de receio e deslumbramento que subimos a estrada esburacada que serpenteava encosta acima e calcorreamos as ruas da cidadela. Apesar do seu ar decrépito de “velha senhora”, logo nos apaixonámos pela riqueza do património, pela magia do silêncio, pela escuridão da noite estrelada, pela paisagem sobre os campos alentejanos onde as papoilas salpicavam de vermelho o verde dos trigais. Era um Alentejo, dourado no verão, de pastores e rebanhos nos montes que bordejavam os caminhos. Em cada taberna ouvia-se o “cante alentejano”. E as pessoas como as senti acolhedoras! Numa tarde de verão, já lá vão mais de 30 anos, parei o carro junto do castelo de Mourão. Logo um pequenito me perguntou: - Quer visitar o castelo? Vou chamar o meu tio que foi almoçar. - Não, para já o que queríamos era beber água. - Venham comigo. E nós lá seguimos o Carlitos, era este o seu nome. E qual não foi o nosso espanto quando o vimos bater a uma porta e dizer: - Ó mãe, estão aqui uns senhores do Porto com os meninos que querem água. Logo a mãe nos mandou entrar para a sala. E, passado uns momentos, ofereceu-nos água nos mais fino serviço de copos que teria. Amabilidade e finura de trato.
Os tempos mudaram. O Alentejo está diferente. Mas as pessoas continuam amáveis. Há uns 5 anos, perto do Alqueva, perguntei a um senhor onde haveria um barco para dar uma volta pela albufeira. Disse-me: - Eu acompanho-o ao local. No carro, fomos conversando. No regresso, pediu-me para estacionar à sombra dum chaparro junto de sua casa. Saiu e chamou: - Ó Lurdes, a “sopa de cação” também chega aqui para estes amigos do Porto? Chegou. E que saborosa! E o melão com queijo? Que delícia... Ainda neste verão ouvi um grupo de amigos cantar alentejano numa adega de Mourão.
Das muralhas de Monsaraz, onde, outrora, se via o verde do trigo, vê-se, agora, o azul do Alqueva, o maior lago artificial da Europa. Que belas as margens e refrescantes as suas águas! É um novo Alentejo a nascer...



( 2/9/2015)