O Tanoeiro da Ribeira

domingo, outubro 11, 2009

O Triplo Filtro

Todos ouvimos falar do “Erasmus”, o programa da C. E. que levou muitos portugueses a estudar em universidades europeias e trouxe muitos estudantes estrangeiros para Portugal. O que talvez nem todos saibam é que este nome presta homenagem a Erasmo de Roterdão, um insigne humanista do “Renascimento Flamengo” dos séculos XV/XVI.
Ao rezar a Ladainha dos Santos, Erasmo
acrescentava: “S. Sócrates - Rogai por nós”. O que terá levado este eminente estudioso da cultura clássica a incluir na lista dos santos um filósofo que viveu 5 séculos antes de Cristo? Foi a coerência entre o pensar e o agir que culminou na sua morte. Por coerência à sua missão de “moscardo que espicaçava as consciências adormecidas”, Sócrates ousou enfrentar os poderosos de Atenas e, por isso, foi condenado à morte. Porque defendia que os cidadãos deviam obedecer às leis do Estado (vivia-se a democracia ateniense), não aceitou fugir da prisão quando os seus amigos, depois de corromperem o carcereiro, lhe abriram as portas do cárcere e, por, isso, foi executado. (Quem quiser saber mais poderá maravilhar-se lendo os Diálogos de Platão: “Apologia de Sócrates” e “Criton”.) Sócrates foi coerente até ao fim. E o fim foi a morte.
O seu lema era “saber mais para agir melhor”. Vejamos…

Certo dia, um seu conhecido aproximou-se dele e disse:
“-Sócrates, sabe o que eu acabei de ouvir acerca daquele teu amigo?
- Espera um minuto, respondeu Sócrates. Antes que me digas alguma coisa, gostaria de te fazer o teste do Triplo Filtro.
- Triplo Filtro?
- Sim, continuou Sócrates. Antes que me fales do meu amigo, talvez fosse boa ideia parar um momento e filtrar aquilo que vais dizer. E continuou:
- O primeiro filtro é a VERDADE. Tens a certeza absoluta de que aquilo que me vais dizer é perfeitamente verdadeiro?
- Não, disse o homem. O que acontece é que ouvi dizer…
- Então, diz Sócrates. Não sabes se é verdade. Passemos ao segundo filtro que é a BONDADE. O que me vais dizer sobre o meu amigo é bom?
- Não, muito pelo contrário…
- Então, continuou Sócrates. Queres dizer-me algo de mau sobre ele e ainda por cima nem sabes se é ou não verdadeiro. Mas, bem, pode ser que ainda passes no terceiro filtro. O último filtro é a UTILIDADE. O que me vais dizer sobre o meu amigo será útil para mim?
- Não, acho que não…
- Bem, concluiu Sócrates. Se o que me dirás não é bom, nem útil e muito menos verdadeiro, para quê dizer-me?”

Se seguíssemos este exemplo, quanta maledicência, quanta murmuração ficaria por fazer; quanta calúnia, quanto sofrimento se evitaria… E Sócrates nem precisou de ser cristão, bastou-lhe ser humano.

segunda-feira, outubro 05, 2009

Em 5 de Outubro

Por caminhos de Liberdade…

Cidade da Liberdade” é um título que nos honra e nos compromete.
Cidade de afectos, o Porto luta por aquilo que ama. Muitos dos seus habitantes, ao longo dos tempos, sacrificaram a sua liberdade e a sua vida em favor da Liberdade.
Amigo leitor, convido-o a vir comigo conhecer espaços que consagram essa memória que se quer viva em todas as gerações.
Acolho-vos na nossa “Sala de Visitas”. Começamos pela “Praça da Liberdade”, a nossa “ Praça”. Nela sobressai a estátua equestre de D. Pedro IV, o rei-soldado que deixou a tranquilidade do seu Brasil e veio para o Porto defender com armas na mão a Constituição contra o absolutismo de seu irmão, D. Miguel. E amou de tal modo o Porto que lhe legou o seu coração que a cidade guarda religiosamente na igreja da Lapa.
A “Avenida dos Aliados” consagra a vitória, na 2ª Grande Guerra, dos defensores do humanismo contra a opressão sanguinária do nazismo hitleriano. Ao cimo, a “Praça Humberto Delgado”, o “general sem medo”, assassinado pela PIDE, que ousou enfrentar a ditadura de Salazar e que o Porto recebeu em delírio na sua campanha para a Presidência da República, em 1958. Ao centro, a estátua de Almeida Garrett, o estadista, escritor, nascido no morro da Vitória, que lutou no Cerco do Porto ao lado de D. Pedro e afirmou: “Se, na nossa cidade há muito quem troque o b pelo v, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão”.
A “Sala de Visitas” do Porto é um hino à Liberdade.

Seguimos para a “Praça de D. João I”, o rei que quis casar na Sé do Porto, num acto de gratidão pelo apoio que as suas gentes lhe deram quando esteve em causa a independência de Portugal. O Porto sempre esteve com os que defendiam a nossa liberdade como nação soberana.Aconteceu o mesmo no tempo do Prior do Crato e das Invasões Francesas.


Subamos agora a rua que já foi de Santo António e hoje é de “31 de Janeiro”. Estamos a pisar chão onde correu o sangue de muitos portuenses que, nesse dia de 1891, vindos da Praça de Santo Ovídio, hoje Praça da República em sua memória, davam “vivas” à República e “morras” ao Rei por causa do Mapa Cor-de-Rosa e do Ultimato Inglês. Foi o primeiro sangue a tingir o vermelho da bandeira republicana. E quão longe ainda vinha o 5 de Outubro de 1910… No cemitério do Prado do Repouso, curvemo-nos perante o monumento, com o facho da Liberdade, que os evoca: “Paz aos Vencidos”.
Paremos, agora, no “Campo 24 de Agosto” que lembra os portuenses que, nesse dia de 1820, fizeram a “revolução liberal” que esteve na origem do “Portugal Novo”. Ali ao lado, prestemos homenagem ao seu líder, Fernandes Tomás.

E porque a Igreja do Porto esteve sempre com as suas
gentes, paremos, em Santa Clara, junto à estátua de D. António Barroso, o Bispo que foi expulso da diocese e esteve preso duas vezes por, durante a 1ª República, defender a liberdade da Igreja e dos seus fiéis.
Aos pés da estátua de D. António Ferreira Gomes, nos Clérigos, evoquemos o Bispo que, fiel ao seu lema “de joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens”, pagou com um exílio de 10 anos a coragem de enfrentar o poder ditatorial de Salazar. Sigamos o exemplo: “… de pé diante dos homens”.
Gostaria de terminar com uma citação de Agostinho da Silva, filósofo do Porto que muitos conhecemos: “ São meus discípulos (…) os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir: a de se não conformarem”
Fica o apelo: Não nos conformemos