O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 29, 2020

POR ENTRE RIOS E ABADIAS...

 
Por razões familiares, passei o Dia de Natal em Amares, terra bem antiga - entre o Homem e o Cávado - que se honra de ser berço de Gualdim Pais, Grão-Mestre dos Templários que construiu os castelos defensivos da linha do Tejo, como o de Almourol; e túmulo do insigne poeta quinhentista Sá de Miranda, introdutor do soneto em Portugal, que aí viveu e jaz na igreja de Carrazedo. Na freguesia de Fiscal, nasceu o bem conhecido cantautor António Variações, notável pela sua criatividade e originalidade.

É terra de grandes monumentos como a «Ponte do Porto», construída no século XIV sobre o rio Cávado, com onze arcos e cento e cinquenta metros de comprimento. Além do santuário da Senhora da Abadia, é terra de grandes mosteiros como o de Santa Maria do Bouro, cisterciense desde 1195, que, em 1997, foi reconvertido em pousada, segundo risco do arquiteto Souto Moura; e o de Rendufe, beneditino (1151) que, à distância, impressiona pela volumetria mas, quando próximos, causa pena pelo seu estado de abandono. Lembra um velho fidalgo caído em desgraça. O desalento atenua-se com a sonoridade da água que jorra do «sol» no centro do fontenário, decorado com as insígnias beneditinas, e com a imponência da fachada simétrica da igreja, de duas torres sineiras. No interior do templo, construído no século XVIII, encanta-nos a beleza barroca da capela-mor que, em dia de sol, refulge na talha dourada do retábulo. . Foi nesta igreja que participei na «Missa de Natal». E em boa hora…

 As primeiras palavras do celebrante surpreenderam-me pela proximidade: - “Agradeço a todos vós que quisestes estar comigo na celebração desta Missa de Natal. Muito obrigado”. Senti-me em casa. Na homilia, que levava escrita mas não se limitou a ler, disse que, junto do presépio, devermos assumir duas atitudes. A primeira é pensar nas nossas marginalidades porque todos temos «buracos negros», margens, que precisamos de iluminar com a luz do Menino; a segunda é lembrar e engrandecer os momentos em que mais sentimos a presença de Deus, imitando os pastores que «contaram o que se lhes havia dito a respeito deste Menino» (Lc 2,17).

Cantou, e bem, as partes nucleares da «Oração Eucarística». Também a Assembleia acompanhou o Coro que solenizou a celebração. Foi uma festa.

No final, pediu: -“Logo quando telefonardes aos familiares que estão no estrangeiro, dizei-lhes que o vosso pároco rezou por eles: - “Ave Maria, cheia de graça…”. E despediu-se com sorriso no rosto e ternura nas palavras: - “Termino como comecei: Agradeço-vos por terdes vindo celebrar comigo o Natal. Obrigado”.

À porta, duas meninas, com cestos floridos, ofereciam uma estrela com uma fita que transcrevia uma perícope do Prólogo de S. João, proclamado ao Evangelho. A minha dizia: “Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito” (Jo1,1-18).
Como é bom celebrar assim o Natal… (29/1/2020)

 

 

quarta-feira, janeiro 22, 2020

O DIVINO NAS FRAGILIDADES DO HUMANO


Há dias, numa janela da cidade de Cáceres, em Espanha, vi um estandarte do Menino Jesus que dizia “Dios Há Nacido”.

No Natal, face ao Menino deitado no Presépio, gosto de meditar no Prólogo de S. João: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. E o Verbo se fez homem e habitou entre nós.“ (Jo.1, 1-14)

 
E a memória faz-me mergulhar na infância. Vejo-me a esperar pela meia-noite, no último dia do ano, para me extasiar com o «fogo-de-lágrimas» que anunciava a “Festa do Deus-Menino”, a maior da minha aldeia. E recordo o que, na doutrina, me ensinava a «Mestra Maruja»: “Em Deus, há uma só Natureza em três Pessoas iguais e distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. E, em Jesus, há uma só Pessoa em duas Naturezas: divina e humana”.

Foi assim, que, quase por osmose, fui iniciado nos mistérios nucleares da nossa fé: Jesus e Santíssima Trindade.

O mistério da Encarnação não se esgota no «Jesus Histórico», mas prolonga-se na Igreja, “Reino de Cristo ”, a quem «O Mestre» encarregou de atualizar através dos séculos a Sua presença salvífica no Mundo (cf. Mat, 28,18). O Concílio Vaticano II diz: “Cristo deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus (Lumen Gentium)”.

Assim a Igreja, fundada em Cristo e animada pelo Espírito Santo - teândrica como Jesus - está «Enculturada» e carrega sobre si o peso da Sua humanidade e das manchas deixadas pela história. E nós que aceitamos, até com ternura, a fragilidade do Deus-Menino, temos dificuldade em ver a Sua presença nas limitações das pessoas e estruturas da Igreja. Quantas pedras… (cf. Jo 8,7) 

Para avivar a fé, procuro relembrar o «Símbolo dos Apóstolos». Para ajudar quem, como eu, o decorou na infância mas já tem dificuldade em recitá-lo, aqui o deixo como me foi ensinado: “Creio em Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo seu único Filho, Nosso Senhor; que foi concebido por obra e graça do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos; foi crucificado, morto e sepultado; desceu aos infernos, ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Católica; na Comunhão dos Santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne, na vida eterna. Amen”.

Nesta sociedade que explora o natal sem Deus, urge que testemunhemos o Natal do nosso Credo. Um rito sem mito torna-se oco como as abóboras que apodrecem por dentro mas, à vista, continuam bonitas…

Peço a Deus que avive em mim a fé simples e compassiva de minha mãe. E lembro os versos de Tolentino: “ O que Jesus nos diz é; «Também tu podes nascer»./ Pois nós nascemos, nascemos…”.

(22/1/2020)

 

quarta-feira, janeiro 15, 2020

"TU QUE TENS O NATAL DA SOLIDÃO..."

 
Sempre que passo a noite de Natal no centro do Porto, e, por volta das 22 horas vou à janela, vejo quase deserta a rua que, habitualmente, fervilha de gente. Por vezes, lá aparece um grupo de turistas ou alguém, com um embrulho na mão, apressado mas feliz em direção ao lar que o espera. E também um ou outro vulto que se esgueira pelas esquinas, com passadas irregulares a deambular sem rumo nem destino como quem vai para lado nenhum. E vêm-me à mente os versos de Ary: “Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento (…) e sofres o Natal da solidão sem um queixume / és meu irmão, amigo, és meu irmão.” Quão pesado é o abandono nessa noite de memórias e saudades!

É, pois, de louvar a iniciativa do Cónego Amadeu, então pároco de Campanhã que, em 1987, criou, na «noite da consoada», o “Natal dos Sós”. São do P. Milheiro, que lhe sucedeu, as palavras: “Nunca sabemos quantos serão. Atendemos chamadas, abrimos as portas e aguardamos. Cada rosto tem por detrás uma história que respeitamos. Nessa noite estamos unidos na solidão que decidimos vencer indo ao encontro uns dos outros. E tem mais calor esse Natal”.

A “Casa dos Girassóis” está aberta a todos. Não se pergunta pelo IRS, pelo NIF, nem pela idade, religião, naturalidade ou etnia. É, simplesmente, um amigo, um irmão. Embora haja rostos que se tornaram familiares, sempre vão surgindo novos olhares. Nos primeiros tempos, predominavam pessoas ligadas à rua. A seguir, foi a presença significativa de timorenses. Depois, vieram os imigrantes de Leste. Ultimamente, o grupo tornou-se mais estável, sendo vários os casais que ali se acolhem em busca do calor que sua casa, agora sem filhos nem pais, já não lhes oferece. E lembramos, com saudade, D. António Francisco que partilhou dessa ceia, no primeiro Natal do seu ministério episcopal no Porto.

Este ano, como habitual, antes de se servir a ceia, fez-se a evocação do Natal com cânticos e três poemas: “O Cântico das Criaturas”, de S. Francisco, em sintonia com a Carta Apostólica «Admirável Sinal» do Papa Francisco; “Nasce Mais uma Vez” de Miguel Torga, com vivências de infância que se quer perpetuar; e ”Coeleth (Ecl 12-1-7)” de Daniel Faria que nos faz dois apelos:

 “ Lembra-te do teu Criador nos dias da mocidade/ A tua única herança para os dias da desgraça./Antes que a noite seja noite e não vejas o sol nem as estrelas nem os filhos. Antes que a tua única herança seja lembrança/ Antes que o fio de prata se rompa e a roldana rebente no poço/ Antes de tudo isso/ Põe uma escada e sobe ao cimo do que vês”.

Este último convite faz-me lembrar as técnicas cinematográficas dos planos «picado» e «contrapicado»: os objetos, quando fotografados de cima para baixo, esbatem-se e perdem relevo. A vida, vista de cima, liberta-nos e ganha maior transcendência.

Sobe ao cimo do que vês”. Um lema para o ano que agora se inicia.

(14/1/2020)

 

quarta-feira, janeiro 08, 2020

A ÁRVORE DA VIDA

 
Natal é Vida! Natal é Graça! Como sabe bem saborear estes dons de Deus!

Em ação de graças, partilho convosco os poemas que dois amigos dedicaram às nossas netas, no dia do seu batizado.

Eva da nova criação – Eva e Luz/ Gémeas no sangue/ Irmãs no Amor Divino/ Por um sacramento de encanto/ Vinde! Entrai no leito do Jordão/ A Trindade Santíssima,/ O Pai, o Filho e o Espírito Santo/ Vos espera.

Outono se converte em Primavera/ Deus sorri. Tudo ilumina. / E pelo sacerdote ecoa a voz divina / - Eva, eu te batizo. / Luz, eu te batizo. / São testemunhas Maria, a Nova Eva. / E Jesus /A Nova Luz.”

Luz do novo peregrino – Eva e Luz,/ Em Maria e Jesus. / Nos vossos caminhos longos, abertos,/ Nunca haverá nem trevas nem desertos. / Também nunca haverá encruzilhadas.

Um dia,/ Lembrando com alegria/ Esta mensagem bem sentida,/ Sabei que o batismo é sacramento/ Que desperta para a vida. / Eva e Luz,/ Os amigos convosco em união/ E com toda a família tão querida,/ Desejam para vós as maiores bênçãos/ Do Senhor batizado no Jordão” (José Vieira)

Crónica poética do baptizado - Eva e Luz se baptizaram/ Em S. Nicolau, no Porto; / E quantos testemunharam,/ Com eclesial conforto,/ No dia cinco de Outubro/ De dois mil e dezanove,/ Estão em crer que no futuro/ Este voto se renove.

Igreja setecentista,/ Rococó e maneirista,/ Tem história acumulada/ E pintura celebrada/ No seu fausto altar-mor. / Mas deu-lhe brilho maior/ O baptismo das meninas/ Eva e Luz, bem pequeninas.

Convocada a assembleia/ Junto ao pórtico da entrada/ O pastor e as crianças/ Deram a voz à paideia/ De o baptismo ser passada/ Para novas esperanças. / Eva e Luz então choraram,/ Mas os pais as sossegaram.

Junto do círio pascal,/ Consumou-se a liturgia/ E o padre fez homilia / Na forma dialogal. / O coral da catequese / Ilustrou a exegese. / Eva e Luz, sossegadinhas,/ Encantaram as madrinhas.

Em nome do Pai e do Filho/ E do Espírito Santo,/ Eva e Luz, eu vos baptizo… / E a luz cobriu-as de branco! / Ó Virgem Mãe, nas alturas,/ Com tua graça e amor,/ Guarda as novas criaturas/ Entre as mãos do Criador.

Toda a festa foi bonita,/ Tantas crianças presentes! / Avós e pais são sementes,/ Cuja graça, luz bendita,/ É congregar amizades. / Eva e Luz terão memória,/ Colherão diversidades,/ E contarão uma história.” (José Machado)

 
“O Senhor Deus fez brotar da terra toda a sorte de árvores, de aspeto agradável, e de frutos doces para comer; e a árvore da vida no meio do jardim (…) Um rio saía do Éden (Gn, 2,9-10).

Os filhos e os netos são «frutos doces» que suavizam-nos o passar dos anos, são flores que embelezam o nosso «paraíso terreal». Ao vê-los, nosso coração fica em festa.

Que o nosso amor seja um “rio” onde corre memória, ternura e gratidão pela sua e nossa vida. Como escreveu Daniel Faria: “O homem pensa que nada é mais profundo / Que depois de Deus os filhos e os sismos”.

(8/1/2020)