O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 28, 2015

MOMENTOS DE SILÊNCIO.


Saturados de barulho, sentimos, muitas vezes, necessidade de silêncio. Nos montes, na praia e também, retirados, no meio da multidão. Mas se há silêncios que procuramos, outros há, ensurdecedores, que vêm ter connosco e nos esmagam. Já os havia vivenciado em Dachau e Auschewitz, máquinas de tortura e morte fabricadas pela brutalidade humana. Há dias, vivi um outro momento de silêncio em Pompeia, um campo de morte semeado pela violência da natureza. Porém, enquanto nos primeiros, o horror enchia o rosto dos visitantes, neste, os turistas, de mapa na mão, admiravam mosaicos, frescos, estátuas, colunas, casas, templos, termas, e só acordavam para a tragédia que acontecera naquele local quando, nas casas, viam corpos que pareciam naturais, moldados com o gesso injectado no espaço deixado pelas substâncias orgânicas dissolvidas na lava. O que acontecera?
Pompeia, importante centro viário a dez quilómetros do Vesúvio, era uma cidade de 20.000 habitantes, com numerosos mercadores, famílias patrícias e romanos que aí tinham as suas “vilas” de férias. No dia 24 de agosto do ano 79 d. C., por volta do meio dia, o vulcão Vesúvio, considerado extinto por muitos séculos, explodiu repentinamente e com extrema violência. Sobre as chamas que se elevaram altíssimas, como um pinheiro de fogo, formou-se uma nuvem escura que tapava o sol. Um dilúvio de rochas vulcânicas e escórias incandescentes caiu sobre Pompeia. O calor foi tanto que matou até quem se abrigava em refúgios. Muros e telhados desabaram; relâmpagos rasgaram a escuridão; sucederam-se terramotos e maremotos. Durou três dias este cenário dantesco de lavas, pedras e cinzas. Os poucos habitantes que conseguiram fugir para o mar foram mortos por gases venenosos. E da cidade que rivalizava com Roma na antiguidade e com Nápoles, sua vizinha, na grandeza, não ficou vivalma. Restou uma cobertura de morte com cinco a seis metros de espessura que vai proteger as suas ruínas. Um silêncio absoluto que durou quase dois mil anos. Após uns achados esporádicos e ocasionais, no século XIX iniciaram-se escavações profissionais que ainda prosseguem sempre com maior rigor e cuidado. Pompeia, nos últimos anos, ressurge das cinzas e atrai turistas para apreciarem o património monumental que a terra seca manteve intacto.
Terminei a visita no anfiteatro a ver a exposição “Pompeia e Europa 1748-1943”. Aí o silêncio era total. Corpos, muitos corpos, dos mais diversos tamanhos, posições e expressões, como se tivessem acabado de morrer. Pensei nos projetos que teriam ao acordar na manhã daquele dia fatídico... E lembrei-me do livro de Job (14,1) “O homem é como uma flor que germina e logo morre, uma sombra que foge sem parar”.


(28/10/2015)

quarta-feira, outubro 21, 2015

UMA JUSTA HOMENAGEM



No dia 19 de setembro, a Casa da Música prestou mais um serviço à cidade ao acolher a “Gala do 10º Aniversário” da Banda Sinfónica Portuguesa (BSP). A festa iniciou-se na escadaria sul com o “Concentus Trumpet Ensemble”, um grupo de trompetes nascido na ESMAE. Já na Sala Suggia, a Banda Sinfónica começou por interpretar a composição com que, no Rivoli, fez a sua primeira apresentação, uma obra que Aaron Copland escreveu para “homens normais”. A preocupação de dignificar as “bandas musicais” está na origem do nome da Banda Sinfónica Portuguesa. Este objetivo, no dizer do presidente da Direção, Pedro Silva, e do maestro, Francisco Ferreira, tem obrigado a um árduo e assumido trabalho ao longo dos anos, recompensado pelos êxitos que tem alcançado, com destaque para o 1º prémio no II Concurso Internacional de Bandas de La Sénia na Catalunha (2008); o 1º prémio na categoria superior do World Contest na Holanda, (2011) com a mais alta classificação jamais atribuída nas 60 edições daquele que é considerado o “campeonato do mundo de bandas”. Essa qualidade está na origem dos muitos convites que tem recebido para encontros internacionais que culminaram na sua primeira tournée intercontinental pela China, com cinco concertos em março de 2014.
 Desde 2007, a BSP é convidada a apresentar-se regularmente na Casa da Música que a considera como um “parceiro privilegiado”. 
No vídeo que entremeava as diversas interpretações musicais, foram muitos os maestros e compositores de renome mundial que exaltavam o valor artístico desta Banda. 
As bem conhecidas “Vozes da Rádio”, que reapareceram nesta festa, e Sérgio Carolino, um dos tubistas mais aclamados do Mundo, abrilhantaram a Gala comemorativa. 
Entre a assistência que enchia por completo a sala, sensibilizou-me a presença discreta mas muito significativa da Igreja na pessoa do Cónego Ferreira dos Santos que, no final, foi dos primeiros a levantar-se para aplaudir. Os seus aplausos foram para a riqueza do espetáculo e para a excelência da “Banda Sinfónica” mas, certamente, também para as muitas “bandas” que cada vez mais se aprimoram por levar boa música às romarias, com muitos jovens saídos das escolas de música. Enquanto ouvia o concerto, dei por mim a evocar a “Festa do Menino” dos meus tempos de criança quando seguia embebecido a “Banda Musical de S. Martinho - Campo” dirigida pelo “Mestre Teixeira” . Ainda hoje me surpreendo ao pensar como daquelas mãos duras (muitos dos músicos trabalhavam nas pedreiras de ardósia) saía tanta doçura e beleza. Mãos calejadas no inferno das minas que nos elevavam às delícias do céu.
 Para a BSP, formada por jovens instrumentistas portugueses, uma merecida homenagem. Para as bandas que enriquecem as nossas aldeias, a minha homenagem.

(21/10/2015)

quarta-feira, outubro 14, 2015

QUEM MEUS FILHOS BEIJA...


Se pedisse aos meus leitores para completarem o título desta crónica, todos acertariam. E se pedisse para reescreverem esta máxima da sabedoria popular, substituindo a palavra filhos, certamente que muitos escreveriam: “Quem meus pais beija minha boca adoça”. Foi o que me aconteceu no passado dia 1, ao ler, no JN, o texto “Habemos Papam” de Eduardo Paz Ferreira, advogado e docente universitário que acaba de publicar o livro “Encostados à parede – Crónicas de novos anos de chumbo”.
Fez-me muito bem saborear esta mensagem. Por isso, decidi, com vénia, fazer-me sua caixa de ressonância. O articulista avalia a significação ético- política da última viagem do Santo Padre. Começa por confessar que “ As palavras de Sua santidade o Papa Francisco, no Congresso dos Estados Unidos, continuam a ecoar na minha cabeça e no meu coração e, muito particularmente, o momento em que explicou que um bom líder político é o que , atento ao interesse de todos, aproveita o momento com um espírito de abertura e pragmatismo. E acrescenta: “Da sua passagem pelo Congresso ficam, como imagens marcantes, as lágrimas de políticos com dureza, (…) Mas sobretudo de John Lewis, um dos últimos ativistas da luta pelos direitos civis, ao ouvir o Papa recordar Martin Luther King que conduziu a sua marcha como parte da campanha para alcançar o sonho de igualdade de direitos civis e políticos para os afro-americanos, afirmando que aquele sonho continua a inspirar-nos a todos, para concluir que são sonhos que despertam para o que é mais fundo e verdadeiro na vida de um povo.”
Formula um juízo de valor: “Misturando razão e emoção como ninguém, o Papa mostrou durante a viagem a Cuba e aos Estados Unidos a grandeza do seu pensamento e a bondade da sua ação, prosseguindo o caminho que assumiu desde a entronização”. Depois de realçar a sua passagem pelas Nações Unidas que considerou como “um momento de enorme elevação”, dá ênfase ao seu alerta no encontro das famílias em Filadélfia: Um povo que não sabe tratar das crianças e dos avós é um povo sem futuro, porque não tem a força nem a memória que o faça avançar”.
Em jeito de síntese, conclui “O seu projeto, sempre paciente e corajosamente repetido, é o de uma sociedade mais justa, mais fraterna, sem exclusões e preocupada com o legado para o futuro”. Afirma ainda que a forma ritual do Habemus Papam “foi-se tornando numa frase reconfortante para todos os que sentem que o Papa Francisco é um farol orientador e um porto de abrigo, como não encontram outro num Mundo de onde desapareceram os grandes líderes.” E termina com um voto.: “Que as suas palavras e ação nos inspirem sempre.”
Amigo leitor, diga lá se não sentiu o mesmo que eu... Felicito o autor desta crónica e o JN que a publicou.

(13/10/2015)

quarta-feira, outubro 07, 2015

A PROPÓSITO DO "5 DE OUTUBRO"


Vinha de longe o gosto do Porto pela República. Mas que República? Já em 25 de abril de 1848, A República, jornal clandestino, escrevia: "República! Governo da igualdade. De amor entre todos os homens! E Portugal quer a República? Dizemos que sim; porque o homem está sempre disposto a abraçar e seguir o bem".
Entre os republicanos do Porto, avulta Rodrigues de Freitas. Eleito deputado em 1871, foi o primeiro a pronunciar a palavra “república” no Parlamento. Em 1874, declara-se adepto da “fórmula republicana , fórmula que chegaria como produto da evolução social, como resultado do amadurecimento democrático e que não podia ser uma nova forma de governo imposta pela força (ou seja, pela revolução)” . É acusado de “ser inimigo da indústria, fautor de greves e republicano que prendia concitar à desordem os seus concidadãos”. Em 1886, é eleito pelo Porto como primeiro deputado republicano num Parlamento monárquico. Dele disse Sampaio Bruno: “ a conduta deste homem político inspirava confiança, alevantava os ânimos, indicava que não estava tudo definitivamente perdido para uma terra de que brotavam ainda tão grandes, altivas, antigas virtudes cívicas, representava uma das grandes forças da nacionalidade portuguesa”.
Os republicanos receberam grande impulso com o Ultimato inglês e a imprensa de João Chagas, que então surgiu, no Porto: A República onde colaboravam Basílio Teles, Rodrigues de Freitas e Sampaio Bruno; A República Portuguesa, mais radical, que queria levar “a toda a parte, como a chama de um facho, o espírito da insurreição”. Culminou na revolução de “31 de janeiro de 1891” que fracassou. Mas o movimento republicano continuou e chegou à implantação da República em 1910. Porém, como diz Fernando de Sousa, “a República de 1891 era bem diferente da República implantada em 1910.” Alves da Veiga, João Chagas, Basílio Teles, Bruno, todos sofreram desilusões com a República de 1910. Sampaio Bruno, “republicano, filósofo e místico do Porto”, ainda tentou expor as suas ideias mas acabou por se remeter ao silêncio, suportando as acusações de “talassa” (monárquico) e “reaccionário”. Em 1911, descontente com o radicalismo do Governo Provisório e zangado com as tropelias sectárias no Porto, como o assalto à Associação Católica e ao Circulo Católico, escreve: “retiro-me, completa e absolutamente enojado, da vida política portuguesa”. Batera-se por uma República assente na “solidariedade colectiva” e na indissociável trilogia “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Anos antes escrevera “Uma alma não é verdadeiramente republicana se nela não habitar outro sentimento; transcendental, de origem divina. É o da humanidade.” (cf. Figuras da Cultura do Porto nas comemorações da República – Actas das Conferências)

(7/10/2015)