O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, junho 29, 2009

SER EDUCADO É...

No dia 18 de Junho, ouvi o Cónego Amadeu, capelão da Sé Catedral, elogiar um grupo de estudantes que, sentados nos bancos do transepto, ouviam as explicações sobre a arte e a história da Sé: - "Estes jovens merecem 20 valores”. Perante o sorriso agradecido destes, explicou: “vi a vossa compostura enquanto visitáveis a Catedral e vejo, agora, a vossa atenção. E isto não é vulgar”. Apontando para a Capela do Santíssimo, acrescentou: “eu ali não consigo rezar com o barulho dos visitantes e muitos não são jovens. Por vezes, tenho que sair da sacristia e vir à catedral lembrar que isto é uma igreja. As pessoas não sabem respeitar o lugar onde estão. Por isso, vos dou parabéns”.
Numa época em que se perdeu o sentido da diferença, em que não se ensina as crianças a saber adaptar o seu comportamento ao local e à situação em que se encontram, é reconfortante ouvir estes elogios.


Na tarde do dia 24 de Junho, lembrei-me destas palavras, quando, no Palácio de Cristal, assistia ao concerto de S. João. Enquanto os alunos Academia de Música de Costa Cabral, muito concentrados e nervosos, davam o seu primeiro concerto em público, a meu lado, dois casais passaram todo o tempo a falar de assuntos banais Não bateram palmas no final concerto porque nem de tal se aperceberam… E pensei…com reagiriam se alguém lhes dissesse que estavam a ser mal-educados?…

Contrastes…
* Na quaresma, assisti na Catedral de Genebra a um concerto de Bach que durou 120 minutos sem qualquer intervalo. Assistiram mais de mil pessoas, em religioso silêncio, sem um toque de telemóvel, sem uma tosse, sem ninguém a mexer…
No Domingo de Ramos, fui a Fátima ouvir, na nova Basílica, o concerto da Paixão Segundo S. João, do Cónego Ferreira dos Santos: uma oração mística e dramática. Durou apenas uns 60 minutos, incluindo um pequeno intervalo. Enquanto o Coro cantava, os telemóveis tocavam e pessoas atendiam, crianças brincavam nas coxias, gente atrasada percorria toda a igreja para ir ocupar os lugares da frente, pessoas saíam e entravam, e tosse, muita tosse…
* Há uns anos atrás, o Coro Gregoriano do Porto deu um concerto na igreja de S. Francisco do Porto que durou mais de uma hora. O silêncio era total. Os muitos turistas que visitavam o templo, ao verem que estava a decorrer um concerto, encostavam-se às paredes laterais e assim se mantiveram até final. Para evitar ruídos, ninguém se sentou ou deambulou pela igreja. Só depois de aplaudirem o Coro, é que começaram a visita.
Há uns tempos, o mesmo Coro deu um concerto de 20 minutos no átrio da Casa de Vilar. O organizador explicou a razão do concerto e pediu silêncio a todos os que por ali estavam e passavam. Apesar disso, várias pessoas continuaram como se nada estivesse a acontecer. Nos agradecimentos finais, o mesmo sacerdote, em jeito de brincadeira/desculpa, disse que o Coro merecia ir para o Guinness Book por ter conseguido cantar gregoriano no meio daquela agitação/barulheira.
Falta de educação? Má educação? E o que é educação? Muitas serão as definições possíveis.
Amigo, convido-o para um exercício que consiste em completar com palavras suas a frase seguinte: “Ser educado é…”.
Por mim, fico-me com o que meu pai me ensinou: “Ser educado é saber ocupar o lugar”.

sábado, junho 27, 2009

A propósito da “noite mais longa…”

Na sessão cultural, comemorativa do cinquentenário do Hospital de S. João, que se realizou na Igreja de S. João Novo e onde o Coro Gregoriano do Porto cantou as Vésperas de São João Baptista, o Professor Hélder Pacheco começou por afirmar que o santo da devoção das gentes do Porto é… Santo António. Pensando bem… o hospital que a Misericórdia do Porto fundou no século XVIII foi o de Santo António… O São João é o santo das festas populares, de que há menção já no século XV.
A FESTA
A memória cultural do povo permanece ao longo dos séculos, resistindo à mudança. Lembro-me de ter ouvido D. António Ferreira Gomes afirmar que algumas práticas do cristianismo popular estavam mais próximas do Livro de São Cipriano do que do Evangelho. Vinte séculos de cristianização não apagaram os mitos/ritos pré-cristãos.
Os povos aliaram aos seus mitos a realização de ritos que marcavam o ritmo da vida agrária. Estes ritos deram origem a festas que, depois, a Igreja, sabiamente, integrou no seu calendário litúrgico. Assim terá surgido a festa de São João como cristianização de festas que os povos celebravam por ocasião do solstício do Verão. E daí, as fogueiras e os folguedos de São João…
É a memória colectiva de um povo que se revê e dá significação aos seus ritos. Como diz Mircea Eliade, “o homem profano conserva ainda os vestígios do comportamento do homem religioso, mas esvaziado das significações religiosas. Faça o que fizer, é um herdeiro”. A que L. Boff acrescentou: “O Homem Moderno é também sacramental. Não cremos que o homem moderno tenha perdido o sentido pelo simbólico”.
Objecto entre objectos, número entre números, o homem procura emancipar-se como pessoa. Exige-o o seu equilíbrio psicológico e a sua dignidade ontológica. Constrói significações, cria distanciações. Afasta-se do quotidiano que o limita e, por vezes, sufoca. Recorre ao simbólico. Para isso, a Festa. Esta reintroduz o passado descontínuo na continuidade do presente. Reactualiza os tempos primordiais que falam de paz, fraternidade, felicidade. Torna o homem contemporâneo dos seus antepassados. A Festa é o passado bom e feliz, eternamente presente. Em dia de festa nada falta. Mesmo nas casas mais pobres, a mesa enche-se. Mesmo em tempos de crise, o São João acontece. A Festa é o tempo do supérfluo. E é este que dá gosto à vida. O homem não aguenta o constantemente igual, não se contenta com o estritamente necessário. A Festa é a libertação, o diferente, o cíclico em função do qual o quotidiano rotineiro ganha significação e se torna suportável. O que seria a vida sem a Festa?

Se a festa é necessária para as pessoas também o é para a sociedade como identitária e agente de comunidade. O São João mantém viva a força agregadora das comunidades mais antigas E ajuda a criar laços de vizinhança em comunidades mais recentes. Este ano, passei a noite de São João numa zona habitacional nova, em Valongo. E surpreendi-me com centenas de balões que a brisa marítima tocava para nascente. Foguetes estrelejavam por todo o vale, num ritmo de concorrência e convivência entre antigas e novas comunidades. Os vizinhos, mesmo em zonas residenciais recentes, conviviam na dança, na sardinha assada, no lançamento de foguetes e balões. O arraial cria novas relações de vizinhança e favorece o seu acolhimento pelas comunidades já estabelecidas.
A Festa é factor de realização pessoal e de integração social.

quarta-feira, junho 24, 2009

DIA DA OBRA

A Magia das Gerações

"Pelos seus frutos os conhecereis… Toda a árvore boa dá bons frutos” (Mat. 7,16)

No passado sábado, dia 20 de Junho, a Cidade e a Igreja do Porto estiveram em festa.
A Obra Diocesana de Promoção Social, mais uma vez, celebrou o “DIA DA OBRA”. O Coliseu do Porto, a maior e mais emblemática sala de espectáculo da Cidade, encheu-se por completo de uma assistência esfuziante, vinda dos Bairros Sociais onde a Obra trabalha. Foi esta assembleia de milhares de pessoas que, de pé e com palmas, recebeu D. Manuel Clemente para quem “o Verão começara naquela tarde”. Américo Ribeiro, Presidente da ODPS, depois de saudar o Senhor Bispo e agradecer a presença de todos, sintetizou o lema da Obra em três Ds: Dignidade, Determinação e Dinamismo. E terminou, afirmando:”Quem semeia exigência, colhe qualidade”. Nós semeamos exigência, agora vamos colher qualidade. Um bom espectáculo!...

Durante três horas, por aquele palco, onde já actuaram as mais famosas orquestras mundiais e as mais prestigiadas companhias de dança do Mundo, passaram muitas centenas de crianças, jovens e seniores. “A Magia das Gerações” deu unidade a todo o espectáculo. Muita criatividade e variedade de temas e guarda-roupa , muita imaginação nas coreografias, muita arte na música e na dança. Em todos os números, sempre se conjugava a inocência das crianças com a ternura dos seniores e a alegria dos jovens. Devo confessar que, por diversas vezes, os meus olhos se humedeceram de emoção. Era tudo muito bonito.
O espectáculo começou com os representantes do Centro Social do Carriçal e de São Tomé, depois, seguiram-se os centros sociais: do Machado Vaz com o apoio da Escola EB2,3 do Cerco; do Regado; da Rainha D. Leonor; de S. João de Deus; do Pinheiro Torres; de S. Roque da Lameira; da Pasteleira; do Lagarteiro; do Cerco do Porto e encerrou com o da Fonte da Moura. E sempre a mesma alegria, o mesmo brilho. Todos estiveram muito bem. Foi uma delícia!... Enquanto me comovia com tudo o que se passava na minha frente, ia pensando: quanto trabalho, quantas horas sem dormir, quantas canseiras, quantos fins-de-semana. Quanto entusiasmo, quanta abnegação !...
Porque não cabe nas dimensões deste texto pormenorizar as actuações de todos os Centros Sociais, referirei apenas o da Fonte da Moura uma vez que este, a girândola final, fez uma síntese de todos os outros. Foi um espectáculo de ilusionismo. Na caixa mágica, estavam inscritos todos os centros sociais que participaram na Festa. Depois, à ordem do mágico, iam desfilando pelo palco as palavras que norteiam o trabalho da Obra: Amizade – Alegria – Cooperação – Solidariedade. Cada palavra era coreografada por grupos de crianças e seniores. No final, enquanto se ouvia um Aleluia, formaram o emblema da Obra acompanhado pelo bater forte de um coração. Esta é a Obra Diocesana: um coração que bate forte na promoção das comunidades. Uma Obra que, sendo tão humana, é profundamente divina. Uma Obra que no dizer do seu primeiro director, conforme lembrou o apresentador, procura “chegar aonde as outras instituições não chegam”. A terminar, o Presidente voltou ao palco para pedir um aplauso para os trabalhadores da Obra que tornaram possível aquela festa. E foi muito bom ver toda a gente aplaudir de pé os colaboradores que sorriam em agradecimento. Foi mais um gesto a testemunhar que estamos perante uma Obra que serve quem dela precisa e dignifica quem nela trabalha. PARABÉNS e OBRIGADO a TODOS!... Há momentos na vida em que damos graças a Deus por existirmos...

sábado, junho 13, 2009

A ALEGRIA de ser professor




Eu sei. Há alunos que infernizam o nosso trabalho; há pais que maltratam professores; há um Ministério que, à custa de nos embrulhar em resmas de papel, subalternizou o prazer de ensinar. Não nos deixemos abater: “não me ofende quem quer; só me ofende quem eu deixo.” Lembremo-nos que os alunos, na sua grande maioria, são educados e simpáticos; a maioria dos pais agradece a nossa ajuda na formação dos filhos. Foi gratificante ver, na véspera do “Corpo de Deus”, em Penafiel, as crianças das escolas básicas e jardins-de-infãncia das 38 freguesias penafidelenses desfilarem com o carneirinho que oferecem à professora, mantendo viva uma tradição que vem desde 1880. Não há nada nem ninguém que possa roubar-nos a satisfação interior que sentimos em certos momentos de realização pessoal. É uma dessas vivências que quero partilhar convosco.
Todos os meus alunos de Filosofia do 10º ano, para desenvolver o espírito crítico e o diálogo maiêutico, realizaram trabalhos de grupo sobre “Os Direitos das Mulheres como Direitos Humanos”. Um dos grupos abordou a “violência doméstica”. Depois de exporem o trabalho na aula, cada aluno, por iniciativa própria, rematou a intervenção com um comentário pessoal a uma notícia que seleccionara. Não esqueçamos: são adolescentes de 15 anos. Deixo-vos com esses juízos.

Notícia - “A primeira violentação que sofri, a minha filha gritava, parecia que ela estava a sentir a dor.”
Juízo de valor - Alguns homens aproveitam-se da sensibilidade e da fraqueza das suas esposas para se assumirem como “homens”. As crianças são os sujeitos que mais prejudicados saem do conflito entre marido-esposa, pois sentem na pele a dor da mãe e cresce a revolta contra os pais. A sua vivência quotidiana num espaço de violência traz consequências para o seu futuro. Como é possível que uma criança cresça e aprenda num ambiente asfixiante?”

Em Bragança, uma grávida perdeu o filho, presumivelmente como consequência de alegadas agressões violentas por parte do companheiro.”
Como pode alguém julgar-se no direito de agredir a sua parceira e colocar em risco a sua gravidez, fazendo-a perder o seu filho? A sociedade padece de uma doença causada pela crise de valores. A violência é algo que me preocupa. Apenas quando as pessoas reavaliarem a sua forma de viver em sociedade e aquilo que são as suas considerações acerca dos direitos humanos é que poderemos considerar a hipótese de um fim a esta enfermidade social.

Mulheres continuam a ser vítimas de violência no seio do lar”.
Tudo começa pela falta de respeito que as pessoas têm umas pelas outras. No início, é troca de palavras e uso de calão para qualificar a vítima. Depois, seguem-se os primeiros “apertões” que faz com que esta se deixe manipular, e, por fim, a agressão física e a constante violação à base emocional da vítima que vive escravizada. É triste saber que, apesar da evolução em que vivemos, cada vez mais a mentalidade recua e tende a piorar pois o respeito não está na base da educação (pois não?).”

Concluindo…

Fiquei feliz ao ouvi-los. Penso que a satisfação que sinto quando os meus alunos adolescentes dão os primeiros passos no caminho da reflexão filosófica é análoga à de um professor/a ao ouvir os seus pequeninos a soletrar as primeiras letras. É pouco? Mas é de coisas pequeninas que é feita a alegria de sermos professores. Utopia? Poderá haver VIDA sem utopia?

domingo, junho 07, 2009

No Dia Mundial da Criança

Mudança de paradigmas educacionais

Neste “Dia da Criança”, vem-me ao pensamento a interrogação angustiada daquele pai cujo filho se suicidara: “aos 10 anos deixei a minha aldeia em Trás-os-Montes e vim para o Porto trabalhar numa padaria. Durante muitos anos não soube o que era um fim-de-semana nem uma noite descansada. Nunca faltei com nada ao meu filho. Dei-lhe tudo. Em que é que eu falhei?"
Estudos feitos nos Estados Unidos da América mostram que a taxa de suicídio de crianças entre os 10 e os 14 anos cresceu mais de 50% nos últimos três décadas e que entre dois e oito por cento das crianças sofrem de depressão. Porquê?
Antigamente, a criança crescia num mundo de adultos, partilhava dos seus trabalhos e sofrimentos. Como que por osmose, preparava-se para enfrentar os contratempos da vida.
Depois, a “sociedade de consumo” veio afirmar que a felicidade está no ter e no prazer. Os pais sentem-se responsabilizados pelo nascimento do filho que “não pediu para nascer”. Para o defender, constroem à sua volta um útero protector, satisfazendo todos os seus caprichos. Os seus desejos são ordens.
A “marca criança” começou a vender bem e garantir boas audiências televisivas. E passou a ser usada como isco para atrair as compras dos pais. Não será isto exploração infantil? Em França, cinquenta por cento das decisões de compra das famílias são tomadas pelas crianças. As televisões, e não só, encheram-se de crianças: são anúncios, concursos, telenovelas. E não só…
Criámos um mundo sem frustrações, sem sofrimento, onde a morte é o último tabu. Passou a ser “virtual” nos jogos de computador onde se mata e se morre, com sangue, mas sem dor. Tudo é beleza, juventude, êxito, prazer…felicidade. A impunidade campeia. Depois, quando a vida deixa de ser ao “faz-de-conta” e se torna verdadeiramente real, quando é preciso enfrentar as dificuldades, surge a “baixa auto-estima”, a revolta, a depressão e, em casos mais graves, o suicídio. “ Se as crianças nunca experimentarem a frustração serão adultos centrados em si próprios, será o cada um por si, será a guerra.” (Aldo Naouri).

Em busca de um paradigma diferente
É tempo de descobrir novos modelos. Que caminho?

Os seres humanos procuram um sentido no mundo, um significado a realizar, uma causa a servir, uma pessoa a amar” (Viktor Frankl). Mais importante que o ter e o prazer é o “sentido da vida”. Só este pode esconjurar o tédio e o vazio. Mas que sentido? É uma busca pessoal. No entanto, deixo-vos com a resposta do Cardeal Martini à questão “Em que consiste o sentido da vida para si?”
• Dos jovens ouço muitas vezes:”Quero ser feliz, ser amado e quero saber para que estou aqui”. No entanto eu vou mais longe: é necessário trabalhar por esta felicidade, relacionar-se bem consigo mesmo.
• Por vezes, é necessário recolhimento interior e agradecer a Deus. Não podemos deixar de ver a felicidade que temos.
• Juntamente com a gratidão também a amizade é uma fonte para o sentido da vida.
• Sentido é como água na qual nado. Sentido desenvolve-se. Quando te fazes forte para pessoas que precisam de ti, então intensifica-se o sentido na tua vida e na deles.
• Quem está convencido de que as dificuldades fazem amadurecer humanamente, esse tal transforma-se no ser humano mais valioso.