O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, julho 27, 2009

Uma sugestão em tempo de férias

Uma cidade com carácter e de carácter - eis o que além de tudo o mais define o Porto, por si e como síntese/legenda do Norte. Isso e o seu povo livre, generoso, cordial". (José Carlos de Vasconcelos).
É esta cidade, matriz da Diocese, que sugerimos visitar.

A DIVISA - " Cidade Invicta". Foi-lhe atribuída por D. Maria II, em homenagem ao seu heroísmo durante as Lutas Liberais. A divisa completa é: " Antiga, mui nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto". A honra de " leal cidade" já lhe fora reconhecida no séc. XV pela fidelidade das suas gentes ao Mestre de Avis, que, em gesto de gratidão, escolheu a Sé Catedral para celebrar o seu casamento. " Os Lusíadas", afirmam: " Lá, na leal Cidade..."

AS ARMAS - Foi em 1517 que o brasão da cidade começou a integrar a imagem de Nª Sª de Vandoma, com o Menino Jesus ao colo sobre um fundo azul e entre as antigas torres da Sé.

AS MURALHAS - A pequena povoação da Penaventosa, doada por D. Teresa ao Bispo D. Hugo em 1120, era cingida por uma muralha com quatro portas: Nª Sª de Vandoma; S. Sebastião; Santana e Verdades.
Com o desenvolvimento do comércio marítimo, a população estendeu-se para fora do burgo medieval em direcção ao Rio. No reinado de D. Afonso IV iniciou-se a construção de nova muralha que ficou concluída no reinado de D. Fernando. Daí o seu nome: " Muralha Fernandina". O muro tinha cerca de 3.400 metros de perímetro, com cinco portas e sete postigos.


CIDADE DA VIRGEM” - Fazendo jus a este título, os portuenses coroaram quase todas as portas das suas muralhas com imagens de Nossa Senhora: Sª de Vandoma e Sª das Verdades na “velha cerca”; Sª do Socorro em Miragaia, Sª do Ó na Ribeira, Sª da Batalha em “Cima de Vila”, Sª da Consolação no Campo das Hortas, Sª da Conceição em S. João Novo, na Muralha Fernandina.

UMA VISITA - No passeio que sugiro, vamos visitar apenas algumas das belíssimas imagens marianas que abundam na Cidade. Iniciámos, pelas alturas da “Porta de Cima de Vila”. Comecemos por saudar a “Senhora de Agosto”, Nossa Senhora da Assunção, padroeira da Diocese, na “Capela dos Alfaiates”, à rua do Sol. A imagem é um magnífico exemplar do século XVI. A capela, do mesmo século, foi construída frente à fachada da Sé onde permaneceu até 1935 quando foi demolida, devido à construção do Terreiro da Sé. Em 1953, foi reedificada no lugar actual. É monumento nacional. Merecem uma atenção especial os oito painéis da capela-mor com cenas da vida da Virgem.
Ao descer a caminho da Sé, depois de passarmos junto dum troço bem conservado da Muralha Fernandina, visitemos uma das mais belas e desconhecidas igrejas do Porto: “Santa Clara”. Esta jóia do barroco, toda recoberta de talha dourada, merece o título de “igreja de ouro”. É um deslumbramento.
Depois de passarmos junto do que resta da "velha cerca romana,que se dizia suévica, entremos na Sé onde podemos
admirar três imagens históricas da Virgem: no transepto, a “Sª de Vandoma” e a “Sª da Silva”; no museu, a “Sª da Batalha” que, inicialmente, se encontrava num pequeno oratório no interior da torre da “Porta de Cima de Vila”.
Desçamos as “Escadas do Colégio”, entremos na igreja de São Lourenço, outra jóia artística pouco conhecida. Extasiemo-nos perante o altar da “Purificação de Nossa Senhora” e admiremos a magnífica imagem de Nª Sª das Candeias.
Depois de apreciarmos o que resta do “Arco de Santana”, desçamos até à Ribeira onde podemos visitar a Capela da Senhora do Ó e ver o "Postigo do Carvão" o único que resta intacto da Muralha Fernandina

segunda-feira, julho 20, 2009

Faz hoje 40 anos…

É contigo, meu pai, que eu quero falar.
Hoje de manhã a minha Ana ofereceu-me um pólo. Logo à noite, vamos beber uma taça de espumante e comer um jantar de festa com cabrito e tudo. E os nossos genebrinos também irão beber uma taça.
E sabes porquê? Porque hoje faz 40 anos que eu e tu bebemos juntos a última taça de champanhe. E é assim que te recordo. Escolhi esta data para te recordarmos em festa. Não, não é no dia do teu nascimento. Também não é no dia da tua morte. Esses foram dias que te aconteceram. Não foste tu que os fizeste. Mas o dia de hoje, sim, é sinal de ti, do teu amor pela humanidade, da tua vontade de viver, da tua abertura a tudo o que era novo, a tudo que honrava o homem. Lembras-te?
Tu já estavas muito doente. Só viveste mais uns meses. Tinhas vindo viver para a minha casa no Porto para estares próximo do médico e do hospital onde ias fazer transfusões de sangue. Gostavas de estar em minha casa. Só me pedias um rádio e o jornal diário. E tu preenchias o teu dia a ler e a ouvir as notícias de que, à noite, falávamos
Mas nesse dia de há 40 anos, não ficaste no teu quarto, vieste para a sala ver televisão comigo. Assistimos à chegada do homem à Lua. Com que alegria viveste esse momento que, no dizer do comandante da Apolo 11, Neil Armstrong, foi “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a Humanidade.” Como brilhavam os teus olhos…
Depois de assistirmos às imagens dos primeiros passos do homem na Lua, tu quiseste vir para o exterior, para o pátio da casa e olhar para a Lua que lá no alto, em tempo de lua cheia, inundava de luar a cidade. E como ficaste satisfeito quando eu te surpreendi e abri uma garrafa de champanhe, deixando a rolha saltar em direcção à Lua. E celebramos em honra da Humanidade. E brindámos à inteligência humana e louvamos Aquele que dera ao homem tal poder. E bebemos uma taça. Tu já bebeste pouco, mas não deixaste de beber. Acompanharam-nos a D. Amélia e a Maria Laurinda. E, tu, com aquele teu jeito brincalhão, fitavas os olhos na Lua e dizias: - “ó Laurinda eu parece-me que estou a ver um homem a andar na Lua com uma bandeira às costas. E tu, não vês?” E ela, muito reverencial, respondia à tua brincadeira: “ Senhor Moreira Dias, eu não vejo a não ser que seja naquela parte mais escura que eu estou a ver na Lua. Não vê? – Eu vejo, respondias tu, Mas vejo qualquer coisa a mexer”. E a brincadeira prolongou-se por longos momentos de felicidade.
Como te recordo, meu pai… É assim que te vejo nos meus sonhos… Sempre vivo. Sempre atento a tudo o que dignificava o homem. Sempre desejoso de saber mais.
Lembras-te das minhas férias? Quando me vias a ler um livro sempre me pedias para to deixar ler. Uma vez ficaste deveras zangado quando eu te respondi: -“ Não, pai, este não lhe posso emprestar. Não é um livro para si”. Ao ver-te zangado, dei-te o livro para a mão. E, tu… logo te abriste num sorriso: - “É verdade, filho, este livro não é para mim. Está em francês e eu não sei francês…” E rimo-nos os dois. E há uma coisa que te quero contar e pedir-te desculpa. Quando estavas em casa e eu queria sair sem tu saberes, a minha técnica era sempre a mesma: simulava que estava a ler um livro. Tu logo me pedias para o ler. Eu dava-to e tu, passados uns minutos, ficavas a dormir… e eu já podia sair…
Como eu gostava de falar contigo sobre política. Sabes que a partir de um certo momento eu comecei a pensar diferente de ti. Mas tu não te zangaste. Antes, pelo contrário, foste assumindo uma posição crítica face ao “Regime” o que te levou a pedir demissão de vereador da Câmara, com grande estupefacção dos teus correligionários.
Lembras-te daquela conversa que tivemos junto da capela de Santa Justa quando a mãe foi operada a uma hérnia umbilical? Desculpa pelas lágrimas que fiz verter. Foi a única vez que vi lágrimas nos teus olhos. Como tu me compreendeste!... Foi a primeira vez que te ofereci um cigarro e tu fumaste e quiseste que eu também fumasse. Nunca antes o tinha feito à tua frente.
Pai, quantas recordações… Sempre me acompanhaste: no primeiro dia de escola, no dia da primeira comunhão, no exame de 4ª classe, no exame de admissão, nas minhas idas e vindas do colégio… A mãe, coitadita, ficava em casa a fazer de comer para a família. Era a única mulher para tratar de muitos homens…

domingo, julho 05, 2009

“Os meus caminhos não são os vossos”

Há dias, desabafava, entre lágrimas, uma senhora a quem a filha, ainda jovem, falecera: - “ Abandonei a Igreja, perdi a fé. Porque é que Deus a deixou morrer? Ela era um anjo! Que mal fiz eu?”

No reino da ficção, o enredo tem de ser verosímil. A realidade é. Pura e simplesmente. Impõe-se com toda a rudeza sem obedecer a qualquer conveniência. Ultrapassa a ficção. Uma doença grave é como um tecto da casa que desaba e nós andamos à procura de pequenas bolsas de ar para podermos respirar. E os amigos, na presença/partilha silenciosa da nossa dor mais do que na abundância das palavras, são cireneus que nos ajudam a subir o calvário.
A primeira atitude do crente é pedir ajuda a Deus, como Cristo no Jardim das Oliveiras: “Pai, afasta de mim este cálice…” (Marc.14,36)
Quando o mal se agrava, questionamos Deus sobre o porquê do nosso sofrimento, como se Ele fosse um nosso igual, ou mesmo um subordinado, a quem podemos exigir satisfações: “Porquê, Senhor? Porquê a mim?”
Depois, recorremos a Deus de quem depende o sentido da vida: “Para quê? – Para completar o que falta à paixão de Cristo, diz S. Paulo. – “Para desconto dos meus pecados e conversão dos pecadores”, dizia a ti’Maria Rosa, no meio do seu enorme sofrimento.

Buscamos uma explicação. Sentimo-nos numa encruzilhada que pode levar à revolta ou gerar uma atitude de humildade. São humanamente compreensíveis as palavras que citei no início. Quem não passou por essa situação nem sequer imagina o que será perder um filho na flor da idade. Custa muito ver um filho a sofrer e não poder assumir o seu lugar. Quando recorremos a todos os meios que Deus deixou à nossa disposição, lágrimas, orações, medicina, e não lhe podemos valer, sentimo-nos secos por dentro e profundamente humilhados. Temos de reconhecer que o filho que criamos não é nosso, não fomos os autores da sua vida. Mas esta humilhação poderá, também, consciencializar-nos do nosso papel na criação. Vemo-nos como simples instrumentos de Deus que criou o nosso filho à Sua imagem e semelhança. E damos graças por Ele nos ter associado à Sua obra criadora. Sentimo-nos felizes por termos colaborado na criação de uma vida para a Eternidade. Reconhecemo-nos como criaturas, sujeitos às leis da física e da biologia. Nessa pequenez, sabemos que Deus nos ama e partilha do nosso sofrimento.
Ser humilde é bonito, fica bem apregoar:”Eu cá sou uma pessoa humilde…” E a sua ausência é um defeito com que gostamos de condenar aqueles de quem não gostamos:” o que lhe falta é humildade”. No pressuposto de que é coisa que em nós abunda… A “humilhação”, porém, mete medo, repugna-nos. Mas, sem passar por esta, dificilmente se chega àquela.
Penso que o que distingue Pedro de Judas é sua reacção perante o pecado. Ambos erraram. E não sei qual foi mais grave: se é feio atraiçoar o amigo por dinheiro, também não é bonito negar o amigo por cobardia. O que os distingue foi a atitude que tomaram face ao reconhecimento do erro: um, humildemente, aceitou a sua própria fraqueza, arrependeu-se e chorou amargamente; outro não aceitou, revoltou-se contra si mesmo e suicidou-se. Enquanto este se tornou no grande réprobo da História, aquele foi a pedra sobre a qual Cristo fundou a sua Igreja.
Caminhos… Vidas…