O Tanoeiro da Ribeira

domingo, julho 31, 2016

UMA CIDADE COM-VIDA


 

Que o Porto está diferente todos o reconhecem, Basta ver as inúmeras casas reabilitadas e ouvir as línguas dos turistas que enchem suas ruas. Mas já o que nem todos se apercebem é do dinamismo cultural que o anima. E não falo das múltiplas iniciativas da Câmara e outras entidades, nem das salas de espetáculos e museus, nem dos concertos e festivais. Falo sim das muitas escolas que o povoam. Sem desprimor para as restantes, gostaria de destacar duas escolas artísticas com que contactei nos últimos tempos. Por coincidência, ambas se situam na proximidade da estrada medieval “que, saindo do Porto pela Porta de Carros, levava a Guimarães”. A primeira, na “Baixa”, ocupa o Palácio do Bolhão, “um dos edifícios mais notáveis da arquitectura civil do Porto oitocentista”. Que esplêndidos tetos! “A sua atividade divide-se em três cursos: Cenografia, Figurinos e Adereços; Interpretação; Luz, Som e Efeitos Cénicos.” Para além disso, funciona como teatro com a apresentação de variadas peças bem aproveitadas por uma população que, aos poucos, vai retomando o elã cultural, entretanto perdido, e que tinha ganho com “O Porto Capital da Cultura”. Pude testemunha-lo no dia 28 de maio com o “Sud-Express -2016”, um espetáculo “sobre as viagens e a viagem” baseado num capítulo da obra de Sampaio Bruno, O Porto Culto. Uma maravilha de texto, canto e representação.

A outra escola, numa bela mansão oitocentista, é de música e localiza-se na zona alta da cidade, no troço entre o Largo da Aguardente (Praça do Marquês) e a Cruz das Regateiras (Hospital de Conde Ferreira). “ No seio da sua oferta educativa, destacam-se essencialmente os cursos básicos em regime integrado do 5º ao 9º ano e os cursos profissionais de nível secundário a par de iniciações musicais, cursos básicos e secundários em regime supletivo e articulado. As suas principais formações na área musical vão desde a existência de vários grupos de música de câmara às orquestras de cordas, sopros e percussão, orff, bem como coros”. Tornou-se um polo de atração para a cidade e zonas envolventes a norte do Douro e não só. O número dos seus alunos é de tal modo significativo que a direção teve de dividir a “festa final” deste ano em quatro concertos diferenciados. O das “orquestras de cordas” lotou a Sala Suggia da Casa da Música. Foram mais de 200 os alunos, das orquestras “Orff”, “Guitarras”, “Cordas” de Iniciação: do 2º Ciclo; do 3º Ciclo; do Secundário, que tocaram e encantaram a assistência. À medida que a estatura e a idade iam subindo, também a interpretação se ia aprimorando. Que bonitas estavam as crianças do Coro Pré-Escolar que encheram de ternura e graça toda a sala que as mimou com muitas palmas. Estão todos de parabéns.

É uma cidade renascida que nos convida para uma visita.

( 27-7-2016)

terça-feira, julho 26, 2016

O FENÓMENO HUMANO


 

Há livros que ficam na memória como o que dá título a este texto. Lembrei-o ao ler no Instituto Leonardo Coimbra, em S. Mamede Infesta, a afirmação do seu patrono: “O homem não é uma inutilidade de um mundo feito mas sim o obreiro de um mundo a fazer”

Freud, em1917, falava de três descobertas que, segundo ele, apearam o homem do seu trono: o heliocentrismo que, ao expulsar a Terra do centro do universo, retirou-lhe uma centralidade em que sempre acreditara; o evolucionismo darwinista que, ao afirmar o homem como fruto duma evolução contínua puramente biológica da natureza, despojou-o da honra de ter sido criado diretamente por Deus; a psicanálise que, ao realçar o “inconsciente” como raiz primordial do comportamento humano, esbate no homem a sua dignidade de animal consciente. 

É uma leitura pessimista da história humana. Mas outras são possíveis como a que Teilhard Chardin apresentou em “O Fenómeno Humano” (1965). Biólogo e paleontólogo, vê Deus no coração de todo o processo evolutivo. Se há quem afirme que a evolução é um puro efeito do acaso sem sentido, outros há que lhe atribuem um sentido mas explicado apenas pela dialética imanente à natureza. Já T. Chardin alia, na evolução, o imanente e o transcendente. E fundamenta a sua teoria em três conceitos. O primeiro é o de “terceiro infinito”. Ao infinito do imensamente grande (macrocosmos) e ao infinito do imensamente pequeno (microcosmos), acrescenta o “infinito em complexidade” que se manifesta na consciência. O homem é o mais altamente complexo e simultaneamente o mais profundamente interiorizado. O segundo é o “homem como novidade absoluta”. A evolução caminha para formas cada vez mais complexas, mas há dois momentos em que a evolução é substituída por um salto abrupto e inexplicável. Surge algo em absoluta descontinuidade, na passagem do inanimado para o animado e no aparecimento da consciência. Esta é uma nova forma de vida: um novo mundo interior. O terceiro conceito é do “homem portador da evolução”. A evolução não parou com o aparecimento do homem. Mas continua e o homem faz-se seu obreiro como agente da energia criadora de Deus. O homem torna-se não apenas instrumento mas prolongamento vivo do poder criador de Deus em ordem a formas sempre superiores de ser, de vida e de consciência. É uma evolução em marcha progressiva para o Ómega. “Eu sou o Alfa e o Omega” (Apoc. 1,8). “T. Chardin tomou esta metáfora na sua apresentação do ω como final da evolução humana, associado ao α da criação.” 

É uma visão que nos abre para horizontes de esperança. A Humanidade, em vez do “eterno retorno”, circular, percorre um caminho ascendente, em espiral, para uma perfeição maior que culmina em Deus.

Também nós somos “obreiros de um mundo a fazer”, como escreveu Leonardo Coimbra.

(20-7-2016)

quarta-feira, julho 13, 2016

UM TEXTO DE 1594



 

Entre os milhares de peregrinos que calcorrearam o “Caminho Medieval de Santiago no Porto” (cf. VP, 6/7/2016) encontra-se Juan Baptista Confalonieri que por aqui passou em 27 de abril de 1594 e deixou esta descrição da cidade.

 “O Porto é uma cidade pequena, com 2000 fogos, muito linda, com muitos jardins, fontes e frescura; casas alegres e igualmente as ruas. Está situada numa colina, porém tem duas ruas planíssimas, e uma, que chamam a Rua Nova, está traçada a cordel. Para a banda de Coimbra, parece estar colocada no meio de um cerro, e que acima dos muros coincide com o plano superior do monte; apresenta-se em forma de meia-lua. Está rodeada de muros e para a banda de Coimbra, sob os muros da cidade, passa o rio Douro, mais largo que o Tibre em Roma. Tem maré, pois confina com o mar oceano, e por aí entram os buques e vêm as provisões; também de Lamego chegam vinhos óptimos e presuntos excelentes. Nesta cidade há grande abundância de tecidos, de muitas classes e a bom preço, e são os mais famosos de todo o reino, branquíssimos; também o fio é branco e finíssimo. Os víveres são muito baratos e o ar perfeito.

A igreja catedral do Porto é muito antiga, como se vê na fachada de pedras muito velhas. Não é muito grande. E está conforme quase todas as catedrais destes reinos, com três naves e a do cruzeiro, que aqui são muito estreitas e escuras. Tem dois órgãos. No altar maior está o corpo de São Pantaleão numa arca grande de prata dourada que mandou fazer o Rei D. Manuel de Portugal (e ali estão as armas do Rei de Portugal), com o Santo no meio posto em cruz como Santo André, e outras figuras de relevo, como a Fénix, naves etc. A cidade está posta como uma malga, no vale e colina, e os muros dão a impressão de terminarem ao nível do monte e não sobressaem visto em perspectiva. Há muito pescado e víveres baratos. É tudo muito fresco, alegre com flores.”
 

Este testemunho mostra como os estrangeiros, já no século XVI, apreciavam o Porto, rico em água, flores e “ar perfeito”…

Escrito numa época de transição, descreve-nos uma cidade que adquirira uma nova centralidade comercial no vale do “Rio da Vila”, mas ainda mantinha a Sé na sua originalidade. Fala de “duas ruas planíssimas”: a Rua Nova, ”traçada a cordel” que vinha do reinado de D. João I, (atual Infante D. Henrique) e a rua das Flores que, havia 76 anos, D. Manuel mandara abrir (1518) com o nome de “Santa Catarina das Flores”. A Sé, “muito antiga”, conservava a fachada românica “de pedras muito velhas” e a capela-mor primitiva que, passados 18 anos (1610), o bispo D. Gonçalo de Morais iria demolir para construir a que ainda hoje se conserva.

Do Douro, chegavam “excelentes” vinhos e “óptimos” presuntos. Já então Lamego era uma referência credora do nosso apreço…

(13-7-2016)

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, julho 06, 2016

CAMINHO MEDIEVAL DE SANTIAGO NO PORTO



No “Dia dos Centros Históricos”, Manuel Araújo, da Casa do Infante, orientou um percurso pedonal pelos “Caminhos medievais para Santiago no Porto” que dividiu em 7 etapas.
A primeira teve lugar no Museu da Casa do Infante com a visualização das “Ruas e ruelas” do Porto medieval.
O caminho iniciou-se na Praça da Ribeira, “O Centro Comercial da Cidade”, onde chegavam e partiam barcos carregados de mercadorias”. Por esta porta da Muralha Fernandina, entravam os peregrinos que vinham do sul, A partir daí, subiam pela Rua dos Mercadores, a principal ligação da baixa à zona alta da cidade, onde se encontrava a maioria dos comerciantes do Porto.
E porque “Os peregrinos também dormem”, nela se localizava o Hospital de Santa Clara e, um pouco mais acima, o dos Palmeiros ou de S. Crispim, para acolher, alimentar e tratar os peregrinos, Se atentarmos no mapa do Porto, encontramos a “Rua Nova de S. Crispim”. Mas… e a Rua de Crispim? Existiu mas já não existe. É a atual “Travessa da Bainharia”. Porquê? Era aí que estava o hospital de S. Crispim que foi demolido, no século XIX, aquando da abertura da Rua de Mouzinho da Silveira, e a sua igreja deslocada para a Rua de Santos Pousada onde se encontra.
 Depois, os peregrinos, no desejo de “Subir para orar mais perto do céu”, continuavam pela Rua da Bainharia até á Rua de Santana onde passavam sob o “Arco de Santana” da muralha romana, que Almeida Garrett celebrizou num dos seus romances, e aí, pela Pena Ventosa, entravam no âmago do Porto Medieval. Subiam até à Sé onde, no claustro velho, havia a capela de Santiago, “local obrigatório para os que ao seu túmulo peregrinavam”.
Após a oração, desciam o Morro da Pena Ventosa, pela Cruz do Souto e porque “S. Roque também foi peregrino”, paravam no Largo de S. Roque, junto Rio da Vila, com “uma bonita capela octogonal”, demolida em meados do século XIX.
Ao subir o Morro do Olival, já na atual Rua dos Caldeireiros, encontravam “As pernoitas e as curas”, no hospital Rocamador e na Confraria de Nª Srª da Silva. O primeiro, fundado pelos Cavaleiros Franceses de Rocamadour, mais tarde, já propriedade da Santa Casa da Misericórdia, passou para “Hospital D. Lopo” que funcionou até à construção do de Santo António. A segunda, com uma capela, ainda hoje aberta ao culto, acolhia-os no “Hospital de S. João Baptista”.
Transposta a Porta do Olival já no Largo dos Ferradores, chegava  “A hora da decisão” Os peregrinos poderiam optar por um de três caminhos: “Caminho Central” por Barcelos, ”Caminho de Braga” e “Caminho da Costa” por Matosinhos.

Deixo uma sugestão. Amigo leitor, se puder, aproveite o bom tempo e mergulhe nesta ambiência espiritual de outros tempos que tonifica o corpo e purifica a alma.

( 6-7-2016)