O Tanoeiro da Ribeira

domingo, outubro 07, 2007

OS PRIMOS DE REBORDOSA

Primeiro domingo de Outubro. De manhã, ouvi foguetes e logo me lembrei que hoje se celebra a festa de Nossa Senhora do Rosário em Gondomar. Grande romaria que marca o fim das festas religiosas do Verão. Popularmente, é conhecida como a “festa das nozes”. Logo que me levantei fui buscar uma garrafa de “alvarinho” que pus no frigorífico. A Nitas foi ver se ainda havia nozes em casa e telefonou à mãe, que costuma comprar o pão ao domingo, para trazer um regueifa. É que, por uma tradição que mantenho há muitos anos, neste dia, à tarde, sempre comemos nozes com regueifa, acompanhadas com vinho verde branco.
Poder-se-á perguntar - o que é que isso tem a ver com os primos de Rebordosa?
Quem eram os primos de Rebordosa?

Vamos por partes. O meu bisavô, pai do meu avô paterno, que tinha precisamente o nome de meu pai, José Moreira Dias, era da casa de Azevido em Rebordosa e casou com Ermelinda Ferreira, minha bisavó que era da casa da Quintã, onde meu pai nasceu e cresceu. É este bisavô, tanoeiro, que está na origem da nossa alcunha de “tanoeiros”.
Com a idade aproximada de meu pai, vivia na dita Casa de Azevido um primo, de nome Manuel, de quem meu pai era muito amigo e a quem chamava o “primo de Azevido”. Para além da amizade partilhavam interesses comuns. Recordo que o primeiro romance que li, teria uns 12 anos, chamava-se “Os horrores da Sibéria” e tinha sido oferecido a meu pai pelo primo de Rebordosa. Morreu novo este primo. Casado com uma senhora de Bustelo, chamada Ana, deixou 9 filhos, ou seja, por ordem decrescente de idade, Teresinha, Zélia, Judite, António, Luísa, Neca, Zeca, Zezinha e Valdemar. Na mesma casa, viviam ainda o criado, o senhor Joaquim, e duas primas de meu pai. Dada a proximidade/amizade dos meus pais, sempre chamei madrinhas a estas e à viúva do primo Manuel.

Em data que já não consigo precisar, comecei a ir passar quinze dias das férias grandes à Casa de Azevido. Era uma festa: éramos 10 jovens com idades muito aproximadas: só a Zezinha e o Valdemar é que eram mais novitos. Ao todo, éramos 14 pessoas naquela casa. Eu era tratado como se fosse um príncipe. Tinha um quarto, junto da sala melhor, só para mim. Os meus primos já trabalhavam no campo. Como eu gostava daquele caldo que era servido a meio da manhã! Como os campos eram perto, todos vinham comer a casa: era o nosso primeiro contacto do dia. A Teresinha era a líder do grupo e foi a primeira a trabalhar fora de casa mas muito perto, quando se instalou ali uma estação dos telefones. A Zélia costurava muito bem: ainda me lembro de um vestido branco que ela fez para ela com tecido utilizado para os forros. Que bem lhe ficava! O Neca era o “engenhocas” da casa, o habilidoso que consertava tudo o que fosse preciso. Era o meu companheiro nos passeios de bicicleta. Chegámos a ir a Lagares visitar o tio Américo e a Sobrado a casa do Senhor Domingos (Aqui preguei-lhe uma partida. Como sabia que era muito tímido, levei-o comigo a casa deste meu amigo sem lhe dizer aonde ia. Quando se viu rodeado por quatro meninas -Mª de Lurdes, Eugénia, Palmira e Cândida Dulce - que o enchiam de atenções, ficou muito atrapalhado, mas portou-se como um senhor. Á saída é que me ameaçou que não voltaria a passear comigo se eu lhe voltasse a fazer outra “tratantada”. Prometi que não e cumpri… A Judite era da minha idade e, por isso, era aquela com quem eu mais me metia e a quem mais consumia. A Luísa, como era ainda adolescente, ficava em casa para as lides domésticas: muito se zangava quando eu lhe escondia a vassoura… O Zeca já ajudava nos trabalhos agrícolas, mas muito gostava de estar comigo. O António, o mais velho dos rapazes, andava sempre no campo a acompanhar o senhor Joaquim. A Zezita e o Valdemar eram as crianças que me acompanhavam nas idas à igreja e nas brincadeiras que fazia com outras crianças das vizinhanças. ( Ainda tenho fotografias desses grupos).
Na minha Missa Nova todos trabalharam: os rapazes a servir as bebidas; as meninas a servir a comida: a Teresinha era a chefe.
Ainda estou a ver a cara da rapaziada da minha terra quando viram chegar três lindas raparigas que vinham assistir à representação do drama “Deus escreve Direito…” que foi levado à cena no salão paroquial de Campo, representado pelos rapazes da minha terra que eu ensaiara. Eram as três primas mais velhas… De tal modo eram bonitas e vistosas que alguém foi acusar-me ao Senhor Bispo (eu penso que sei quem foi, mas não digo) e só a confiança do senhor Reitor e o conhecimento que D. Florentino já tinha de mim me aguentaram no seminário. Na véspera da minha ordenação sacerdotal, falei com o Senhor Bispo sobre elas que eram como minhas irmãs. E ele confiou e ordenou-me. Não escondi nada. Como dizia o Reitor, “és um cara lavada”…
As minhas férias em Rebordosa eram um misto de retiro, de convivência e de acção pastoral. Aí tomei grandes decisões quanto à minha vocação. Concretamente, foi aí que eu decidi não continuar no projecto do “Regnum Dei” (De que já falei num outro post), tendo sido aí, também, que comuniquei ao Pe. Fernando Maurício a minha decisão num dia em que ele me fora visitar. Pastoralmente, colaborava com o Pároco, Pe. Mendes, na preparação das crianças para a comunhão solene.

E que tem tudo isto a ver com as nozes?No tempo de férias que eu passava em Rebordosa, muitos colegas me foram visitar. (Ainda me lembro do meu primo Manuel Joaquim me ter ido visitar e ter limado um dente que eu partira para não me picar a língua… Grande especialista: o dente ainda cá anda…)
Se almoçavam, sempre a madrinha servia um”cozido à portuguesa”muito bom. Parece que ainda sinto o cheiro das carnes e do salpicão. Se vinham só de tarde, já sabia que à merenda, para além de ovos estrelados, lá tínhamos nozes com regueifa e vinho. Que saboroso era este lanche!... De tal modo marcou a minha memória que, hoje, ao festejar a Senhora do Rosário, eu quero prestar homenagem a esta minha madrinha que tão bem me tratava e recebia os meus amigos. Com que gentileza e fidalguia o fazia! Foi pois em sua memória que nasceu esta tradição em minha casa.

Recordações da Casa de Rebordosa são muitas e muitas. Éramos como irmãos…
As mais velhas fundaram em Rebordosa a JAC (Juventude Agrária Católica) e a Teresinha chegou a ser dirigente diocesana. Tiveram sempre o meu apoio.
Infelizmente, as relações com a minha madrinha esfriaram na fase final da sua vida. E porquê? Explico. Ela sempre tratou muito bem os filhos. E com que esforço o fez. Não posso esquecer que quando ficou viúva os filhos ainda eram muito novos, eram praticamente todos crianças. Esta preocupação com os filhos fez dela uma mãe galinha que queria que eles permanecessem debaixo das suas asas. Por isso, nunca deixou que eles fossem estudar para além da escola primária. A Teresinha, com os contactos que fez na JAC, começou a querer libertar-se e a voar mais alto. E sentiu que eu a apoiava. Também conheceu um rapaz na Acção Católica que era de Lousada (peço muita desculpa, mas neste momento não recordo o nome o que é uma vergonha para mim dada a amizade que lhe tinha) com quem começou a namorar. A mãe, quando soube, opôs-se a esse namoro, não porque se tratasse de um mau rapaz. (As mães sempre desejam o melhor para os filhos…) E era em mim que a Teresinha encontrava apoio. Tanto a amargurou que a Teresinha passou por momentos de grandes hesitações pondo mesmo a hipótese de ir para um convento. Aconteceu que, em 1962, eu organizei umas colónias de férias na Escola Primária do Calvário em Valongo para crianças do Bairro da Sé no Porto que frequentavam a catequese na igreja dos Grilos e o parque infantil que eu tinha ajudado a criar. Convidei a Teresinha a vir ajudar-me na colónia depois de pedir autorização à mãe. E assim a Teresinha passou 15 dias fora de casa. Durante esse tempo, o namorado veio visitá-la diversas vezes e o namoro fosse solidificando. Entretanto, a Teresinha confessou-me que gostava de tirar o curso de enfermeira. Quando, em 1063, comecei a trabalhar na Paróquia de Santo Ildefonso, a Teresinha veio falar comigo pedindo-me se eu a ajudava a pagar o curso de enfermeira. Eu disse-lhe que os 500$00 mensais que ganhava estavam à sua disposição. Ela agradeceu e disse-me que o primeiro dinheiro que ganhasse como enfermeira seria para me pagar a dívida (o que de facto, cumpriu integralmente). Para tirar o curso teve que vir viver para o Porto, hospedando-se num lar de religiosas na rua do Breyner. Esta saída fez-se com rupturas. A mãe opunha-se. E quando soube que era o meu apoio financeiro que permitia à filha aguentar com as despesas do alojamento e do curso, ficou muito magoada comigo, embora nunca mo dissesse pessoalmente. Esta mágoa aumentou com o casamento da Teresinha. Quando pensaram casar, vieram falar comigo dizendo-me que gostariam de casar na capela da Senhora do Calvário que eu acabava de construir no Cerco do Porto. Contaram-me que o seu casamento era contra a vontade da madrinha que, apesar de todos os esforços, continuava a opor-se. Lamentando, porque não queria magoar a madrinha que tão bem me tratara, disse-lhes que tinha muito gosto em casá-los e que ofereceria um lanche aos convidados na minha casa no bloco 15 do bairro do Cerco do Porto onde vivia. Tratámos de toda a documentação necessária e o casamento realizou-se, creio, no dia 6 de Janeiro (Dia de Reis) de 1967. Sei que foi o primeiro casamento realizado na Paróquia Experimental de Nossa Senhora do Calvário que fora criada por D. Florentino, com efeitos a partir do dia primeiro desse mês. No fim, os noivos atravessaram o Bairro do Cerco a pé e vieram até minha casa onde o lanche foi servido. A mãe não veio ao casamento. O Neca esteve presente. E a minha madrinha não me desculpou… e eu nunca mais me senti à vontade para ir a sua casa. São os riscos da vida… Mas, hoje, apesar de muito lamentar e não desejar nada viver uma situação semelhante, voltaria a fazer o mesmo. Era um problema de consciência. Na “terra da verdade”, onde já tem a companhia da filha e do genro, estou convencido que a madrinha já me desculpou porque compreendeu que lhe queria muito, que nunca a quis magoar, mas que não poderia deixar de apoiar a Teresinha a realizar os seus projectos. E ela sabe que foi para bem. A Teresinha foi muito feliz no casamento. Foi feliz com os filhos que teve. E, como enfermeira, fez muito bem em Rebordosa onde era conhecida simplesmente como a “Senhora Enfermeira” .
Os outros meus primos, quase todos, estudaram já depois de grandes, alguns depois de vir da tropa como foi o caso do Neca que chegou a ser Vice-Presidente da Câmara Municipal de Paredes. Contribuíram para o desenvolvimento da freguesia. Fundaram o clube de futebol que ainda hoje existe, criaram a associação dos Bombeiros Voluntários, participaram na vida autárquica. Todos estão bem graças a Deus. Excepto o António que veio psicologicamente afectado da Guerra Colonial. É uma vítima da guerra. “Está inocentinho”, como se diz na terra. Infelizmente, não temos convivido muito. Quase só nos encontramos nos funerais. Ainda ajudei o filho mais velho da Teresinha, licenciado em Economia pela Universidade de Évora, a fazer estágio na Novopan, em Rebordosa, de que era gerente o meu amigo Jaime Teixeira da Sonae. A filha do Zeca e o filho (Hélder?) do Valdemar (desculpem mas já esqueci os nomes) andaram no colégio de cuja Direcção pedagógica eu fazia parte. Creio que os tratei com o carinho que os primos me merecem.

Continuo a querer-lhes muito. E hoje, quando estivermos a saborear as nozes e a regueifa que já estão na cozinha e a apreciar o vinho verde que já está fresquinho ( escolhi o melhor que tinha em casa e, mesmo assim, nunca será tão bom como o que era produzido em Azevido), eu invocarei a memória da madrinha e lembrarei os meus “PRIMOS DE REBORDOSA.”

sábado, outubro 06, 2007

PAI


Ontem, participei no funeral do pai do Pe. Bacelar. O Pe. Bacelar, responsável pela Pastoral Universitária e, actualmente, também pároco das Antas no Porto, é um grande amigo dos teus netos: foi ele quem presidiu à celebração do casamento do João e da Eli no Mosteiro da Serra do Pilar (que beleza!...) e deu muito apoio ao Zé Carlos (e a nós) nas horas mais difíceis da sua doença. É um amigo que muito admiramos como homem e como sacerdote.
Quando cheguei à igreja das Antas, depois de dar as minhas aulas no Colégio, já o Pe. Bacelar estava a fazer a homilia da Missa de Corpo Presente por alma de seu pai. E logo senti, na aparente serenidade das suas palavras, as emoções mais profundas que enchiam de lágrimas o seu coração e humedeciam a sua voz. A penumbra da fé conforta mas não inibe os nossos sentimentos. E lembrei que, já lá vão mais de 37 anos, também presidi a idêntica eucaristia em tua honra e por tua alma. E a minha memória trouxe-te até mim e meus olhos se humedeceram de saudade e em meu coração nasceu um cântico de louvor ao Senhor por te ter como pai... E porque me lembrei que, no cemitério, ao rezar a última oração que te “entregava à terra”, as lágrimas, refreadas durante todas as exéquias, explodiram em meus olhos e me embargaram a voz (o que valeu é que eu, prevendo o que de facto aconteceu, tinha pedido ao meu colega Brito para rezar comigo a última oração e rezar até ao fim mesmo que eu me calasse… e foi o que ele fez.), decidi acompanhar o funeral até ao seu último momento. No final da Missa, soube que o pai do Pe. Bacelar iria ser enterrado em Paredes de Coura, sua terra natal, havendo uma missa na freguesia de Formariz, terra da sua residência, às 4 horas da tarde. A essa hora eu e a Nitas lá estávamos. Mais uma vez, o Pe. Bacelar fez uma homilia que nos encantou onde a força da fé, expressa nas palavras, não conseguia esconder o turbilhão de sentimentos que lhe assoberbavam o coração e, timidamente, afloravam nuns olhos rasos de água. Porém, foi no cemitério da Vila, no momento das orações de despedida, que a sua voz se turvou e as lágrimas rebentaram nos seus olhos. E estive lá e, quando ele me agradecia a presença, expliquei-lhe que quisera estar com ele até ao fim porque também eu presidira ao funeral de meu pai e, ainda hoje, passados já 37 anos, não consigo suster as lágrimas de saudade.

E logo ali disse à Nitas, que tu não tiveste a dita de conhecer mas que muito te ama, que hoje iria falar contigo…( E já agora te digo que tu também não conheceste os nossos filhos mas que eles, desde pequeninos, se habituaram a admirar-te e amar-te: lembras-te daquela fotografia que tiraste com a mãe e ofereceste aos filhos? Pois é verdade, ela está afixada na parede mais visível da nossa casa - estais sempre presentes.) Sei que tu permaneces na memória e no coração dos que te amam e acredito que tu vives e já tens a companhia da Mãe e do António. O Deus em que creio não é o Deus dos Mortos mas dos Vivos… Como diz o povo, estás na “terra da verdade”. Quero que saibas que esta conversa não me faz sofrer, embora meus olhos estejam humedecidos. Pelo contrário, estou feliz por te ter tido como pai. É com paz interior, que se sente mas não se explica, que eu quero recordar algumas das conversas que tivemos.

Para começar, logo me vem à mente o que tu me contavas do teu avô, tanoeiro de profissão, que deu nome à nossa alcunha familiar: “os tanoeiros”. Trabalhava numa tanoaria no Porto e todos os sábados regressava sua casa. Eram cerca de 15 quilómetros percorridos a pé. E no domingo à noite lá voltava para o Porto, muitas vezes carregado com um caneco que conseguira fazer durante o fim-de-semana (era a maneira que encontrava para ganhar mais uns vinténs para além do magro salário que o patrão lhe pagava). Falavas-me também, da sua amabilidade. Quando alguém demorava muito a pagar-lhe, passava por sua casa, e em vez de reclamar o pagamento devido, apenas perguntava: -“o caneco veda bem?...” E as pessoas iam pagando. É este homem, de rija têmpera, trabalhador e honrado que eu quis homenagear ao escolher o título do meu blog. Só tenho pena que esse apelido não faça parte do meu nome oficial.

E falavas-me do teu pai que, para além de lavrador, ganhou dinheiro a trabalhar na construção da linha de caminho de ferro do Douro. E acentuavas a dureza desse trabalho, num misto de pena e de admiração pelo teu pai. E contavas que ele tocava muito bem guitarra e era tido na terra por um homem sábio que falava de coisas que espantava quem o ouvia. Até me ofereceste o livro onde ele ia buscar muito do seu saber: “ FYSIOGNOMIA E VARIOS SEGREDOS DA NATUREZA- LISBOA Anno MDCCLXXIX Com licença da Real Meza Censória” ( Para que saibas, digo-te que já o usei nas minhas aulas de Filosofia, que o guardo com muito carinho e que espero deixá-lo aos meus filhos)

Da tua juventude, recordo, em primeiro lugar, aquela peripécia das abelhas, lembras-te? Contavas tu que, certo dia, zangado com um tufo de cabelo que no cocuruto da cabeça se mantinha hirto e não acamava, resolveste ir a uma colmeia tirar o mel e empastá-lo na cabeça. E conseguiste domar esse naco de cabelo rebelde e ficaste com um cabelo luzidio que a todos espantava. O pior foram as moscas, abelhas e vespas que te não largavam e rodopiavam assustadoras à volta da tua cabeça o que terá levado a tua mãe a dizer: - Que é que tu tens, filho, que as abelhas não te largam?... E tu lá inventaste uma mentira para tua mãe não ralhar. Sei que te serviu de emenda e nunca mais gastaste tão precioso néctar com uma finalidade que não condizia com a sua natureza. E o tufo de cabelo lá continuou rebelde a enfrentar a tua paciência… Ainda nas fotografias da minha Missa Nova, mesmo em dia de festa, lá aparece o dito cujo…

Relembro ainda o modo como a Mãe falava do teu garbo e da tua postura quando eras solteiro. Como tu eras imponente quando passavas à sua porta cavalgando um belíssimo cavalo que era o teu orgulho e a admiração da vizinhança e tu, com aquele ar maroto, comentavas: lá isso era, o pior era que eu quase não chegava aos estribos porque tinha as pernas curtas…
A mãe também se sentia vaidosa quando falava o quanto gostava de te ouvir tocar clarinete na igreja num grupo musical a que pertencias: lembro-me de ter ido à capela da Senhora do Salto para ver uma fotografia do vosso grupo quando lá foste tocar numa festa. E tu contaste-me que, contrariando a vontade da tua família, aprendeste a tocar clarinete, à noite, numa escola em Valongo. E sofreste (e eu sofri…) com essa tua ousadia. Em casa, consideravam-te malandro e, por, isso, teus pais só não te deserdaram por que não puderam mas, mesmo assim, doaram à tua irmã a “sua quota disponível” que, naquela época, era de 50% de todos os bens. Até porque tu casaste com “uma mulher malandra, gastadora, que não sabia fazer nada, só sabia andar em bruxedos”…Que Deus lhes (tu sabes de quem estou a falar…) perdoe, porque a mãe já lhes perdoou… Mas sofreu muito. Grande coração!...É uma santa a minha mãe, por isso, eu lhe rezo: nas horas mais difíceis da doença do meu filho, era a ela que recorria: - Mãe, pede a Deus pelo teu neto. Tu que tanta vezes lhes disseste” que Deus te fade para boa sorte” não te esqueças dos teus netos e lembra-te que agora já tens mais uma neta. Continua a dizer “que Deus vos abençoe”.

Como bem cantavas o fado e tocavas guitarra. E eu não sei tocar qualquer instrumento. Que pena sinto!... Lembro-me de quando tu falavas do fado que compuseste quando foste para a vida militar e que, na véspera da partida, cantaste à janela de tua casa fazendo chorar toda a vizinhança… E quando eu te perguntei quanto tempo andaste na tropa tu, sempre com aquele sorriso maroto, respondias, creio eu, -“três semanas”…

Como eu te invejava quando contavas que, quando ias para a agra de além-do-rio, não ias à volta pela ponte que ficava longe; ias a direito, na margem do rio, tiravas a roupa, punha-la sobre o peito e atravessavas para o outro lado a nadar de costas. Grande herói!... E eu que para dar umas braçadas faço um esforço dos diabos!...

Quero terminar esta nossa conversa de hoje, recordando como foram difíceis os vossos primeiros anos de casamento. Contavas tu, e a mãe confirmava, que, quando casaste, vieste viver para a casa da Ribeira que pertencia à família da mãe e tinha andado sempre entregue a caseiros. Tiveste logo de entrar com dez contos para começares a pagar as “tornas” aos teus cunhados. E ficaste sem dinheiro nenhum. Um dia, um negociante de gado trouxe-te uma vaca porque soube que tu precisavas de uma vaca para criar. Viste e gostaste. Mas… dinheiro para pagar não havia. Não é que o negociante não confiasse em ti, mas, na verdade, ele precisava do dinheiro para pagar ao dono da vaca. Estavas tu nessa conversa quando passou um teu amigo de infância, o Manuel Joaquim da Corredoura, que te deu um abraço e perguntou o que se passava. E tu, com um sorriso amarelo, lhe disseste que bem precisavas daquela vaca mas não tinhas dinheiro para pagar e o negociante não podia esperar. E ele perguntou: quantas vacas queres? – É só esta, respondeste tu. Então, ele virou-se para o negociante e disse: - a vaca fica e o senhor passe por minha casa que leva já o dinheiro. Como tu ficaste feliz. E essa vaca prolongou-se por muitos e muitos anos através das crias que, sucessivamente, foste criando. Como te mostravas reconhecido com esse amigo. Sempre o recordavas.

Qualquer dia voltarei à conversa contigo. No coração, tu estás sempre connosco.

segunda-feira, outubro 01, 2007

VALE A PENA VIVER!...


Que rico fim-de-semana! Rico porquê? Porque passeei muito? Porque tive grandes festas? Porque assisti a esplêndidos espectáculos? Porque ganhei o euromilhões? Não, mas foi um belo fim-de-semana que começou na 5ª feira e só acabou na segunda. Muito vivi…

ASSEMBLEIA DE FREGUESIA
Um pouco triste com o modo como têm funcionado as reuniões da Assembleia de Freguesia a que pertenço, elaborei um texto cuja fotocópia foi distribuída a todos os deputados e aos membros da Junta de Freguesia e que li na reunião da passada 6ª-feira. Eis o texto.
Digníssimos membros da Mesa da Assembleia e da Junta de Freguesia, amigos e senhores Deputados.
No presente Mandato, tenho assistido, em silêncio e com mágoa crescente, a um exacerbar de tensões que minam os fundamentos democráticos desta Assembleia. Mágoa tanto mais acrescentada quanto o clima actual contrasta com o ambiente de saudável confronto político que caracterizou os mandatos anteriores.
Esta constatação levou-me a uma reflexão cujo produto, contando com a vossa benevolência, gostaria de vos expor.
Cada um de nós, como pessoa, é único e original e, por, isso diferente. A isto acresce o facto de termos sido eleitos em listas apresentadas por partidos cuja essência consiste em defender projectos diferenciados para a sociedade. É, pois, natural e salutar que surjam divergências de opinião.
O confronto de ideias está inerente à actividade política. Porém, enquanto em Ditadura – um sistema monolítico - esse confronto dá-se entre inimigos que, mutuamente, procuram aniquilar-se; em Democracia – um sistema pluralista - o confronto põe frente a frente adversários que, mutuamente, se respeitam na diversidade de opiniões: é um combate dentro e não contra o sistema.
Em função disso, gostaria de realçar alguns factores que nos identificam nesta Assembleia, para além das diferenças que nos distinguem.
* Em primeiro lugar, todos nós vivemos em Democracia e somos sujeitos de um poder cuja legitimidade assenta no mandato que nos foi conferido pelos eleitores da freguesia. Cada deputado, parafraseando Fernando Pessoa, poderia dizer: “Aqui na Assembleia, sou mais do que eu, sou o povo que me elegeu.” Por isso, respeitar os eleitores implica respeitar aqueles que os representam.
* Em segundo lugar, embora a nossa candidatura tenha sido apresentada em listas partidárias, o nosso mandato é pessoal. Por isso, sem esquecer a bancada em que estamos integrados, cada um de nós, fala em nome próprio e não é um mero correio da sua estrutura partidária. Aqui reside a nossa liberdade democrática. Vivemos numa democracia e não numa partidocracia. As boas ideias não têm paternidade quando servem aqueles que nos elegeram. Ou são boas, e merecem aprovação; ou não o são, e serão reprovadas, independentemente de quem as apresenta.
* Mais, fomos eleitos para esta Assembleia de Freguesia que é um órgão representativo da Freguesia de (...) Ora como diz a Constituição, “As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos próprios representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.” Por isso, a nossa Assembleia tem o seu âmbito de acção circunscrito ao território e à população que constituem (...) Na sua acção, em primeiro lugar, deverá atender aos casos em cuja resolução, através da Junta, poderá ter uma interferência directa. Há, no entanto, problemas de âmbito mais geral que afectam a população da Freguesia e em cuja solução a Assembleia não pode ter uma interferência directa. Nestes casos, deverá funcionar como caixa de ressonância do sentir da sua população, constituindo-se como grupo de pressão junto dos órgãos/instituições a quem compete resolver o problema. E, nesta situação, as diversas forças políticas presentes na Assembleia não podem fazer depender a sua adesão do facto de esses órgãos estarem ou não ocupados pelo partido a que pertencem. Estamos aqui para defender os interesses da freguesia e não para defender ou atacar outros órgãos do poder em função da cor partidária. A Assembleia é um órgão de poder/serviço e não um areópago de querelas inter-partidárias.
* E ainda. Se fomos eleitos é porque os eleitores nos consideraram pessoas de bem, educadas, respeitadoras, respeitáveis e respeitadas. O nosso comportamento dentro da Assembleia deve ser digno dessa consideração e pautar-se pelas normas defendidas pela ética social que Kant tão bem sintetizava: “Age sempre de maneira a tratar a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, como fim e nunca simplesmente como meio”. O nosso povo simplifica dizendo: “ Não faças aos outros o que não queres que façam a ti”. Ou, pela positiva, “ Faz aos outros o que gostas que façam a ti”.
Em consequência, gostaria de apresentar algumas sugestões.
* Que todos respeitemos o regimento aprovado e que o Senhor Presidente seja rigoroso na exigência do seu cumprimento, não se coibindo de cortar a palavra, se tal for necessário, a quem, depois de avisado, persistir no seu incumprimento.
* Que todos, ao falarmos, nos lembremos que a liberdade de expressão é uma das grandes conquistas de Abril, mas não pode colidir com o direito de ouvir: eu tenho direito de falar, os outros é que não têm obrigação de me aturarem. Muitas vezes, o “como se diz” ofende mais do que “o que se diz”. Devemos ter sempre presentes dois provérbios que, parecendo contraditórios, se completam: “A palavras loucas, orelhas moucas” e “Quem não se sente não é filho de boa gente”. Se quero ser ouvido com respeito, devo respeitar quem me ouve.
* Ao ouvirmos, devemos estar interiormente livres, sem preconceitos. A nossa posição original deve favorecer as condições da imparcialidade. Aquilo a que Rawls (“Teoria da Justiça”) chama o “véu de ignorância”. Só este permitirá as condições iniciais de equidade que tornarão possível um acordo amplamente partilhado quando este favorece aqueles que representamos, esquecendo os nossos interesses pessoais e partidários.
* Enquanto ouvimos, devemos ouvir tudo até ao fim e não podemos estar logo a preparar uma réplica. Se não, poderemos atribuir ao orador não aquilo que ele disse mas o que nós pensamos que ele ia dizer.
* A elaboração de moções deve merecer o máximo cuidado por parte de quem as apresenta.
Deve usar-se uma linguagem que respeite as diversas sensibilidades pessoais e partidárias e que dignifique quem as aprova; que evite termos com conotações fortemente ideológicas e historicamente identificáveis. Deverá ser privilegiada uma linguagem denotativa.
Não podemos esquecer, como dizia Einstein, que a verdade tem que ter elegância.
Se houver discordâncias, que estas resultem do conteúdo e não da forma da moção.
Cada moção deve abordar temas que, directa ou indirectamente, digam respeito àqueles que nos elegeram, deve mencionar apenas considerandos pertinentes e o seu objecto deve ser claro e bem definido.
Por isso, pergunto: quando alguém ou grupo quiser fazer aprovar uma moção pela Assembleia, não seria possível realizar-se um encontro prévio dos diversos líderes para burilar arestas formais que possam afectar a sua aprovação? Digo isto porque penso que quem apresenta uma moção acredita na sua importância para a freguesia e deseja vê-la aprovada. A minha sugestão não terá qualquer sentido se alguém usar as moções apenas para mostrar serviço ou como simples forma de propaganda partidária ou, o que não quero admitir, como forma de provocação das outras forças partidárias. Neste caso, a moção deixaria de ser pertinente e tornar-se-ia impertinente, o que ofenderia o carácter democrático da nossa Assembleia.
À guisa de conclusão, gostaria de apresentar um pequeno excerto do discurso que o pensador francês Jacques Maritain fez na UNESCO, em 1947. Dizia assim: “ Como pode conceber-se um acordo de pensamento? O acordo pode fazer-se não sobre um comum pensamento especulativo, mas sobre um comum pensamento prático; não sobre a afirmação duma mesma concepção do mundo, do homem (…), mas sobre a afirmação de um mesmo conjunto de convicções orientadoras da acção. Isso é pouco, sem dúvida; é o último reduto do acordo dos espíritos. Entretanto, é o bastante para empreender uma grande obra”.
Em síntese, um apelo final:
Respeitando-nos na diversidade pessoal, ideológica e partidária, procuremos encontrar “um mesmo conjunto de convicções orientadoras da acção” que possa bem-servir e dignificar o povo de (…) a que nos honramos de pertencer. Respeitando-nos, contribuamos para o prestígio dos valores democráticos. Esforcemo-nos por dar credibilidade àquilo em que acreditamos, certos de que, como dizia D. António Ferreira Gomes, “as democracias desregradas são o terreno mais fértil para o germinar das ditaduras.
Obrigado pela vossa atenção. ( E desculpem porque ao escrever no computador não se calcula o tempo que vai ocupar a sua leitura - acrescentei no final)

Esta comunicação suscitou a intervenção dos líderes de vários partidos. O representante do PSD considerou que a minha comunicação deveria ser apresentada como moção para ser votada a sugestão implícita na pergunta formulada no texto. Interpelado pelo Presidente da Assembleia, esclareci que não era essa a minha intenção: tratava-se apenas de uma reflexão pessoal que poderia revestir um carácter pedagógico de reflexão pessoal e partidário e que, se dessa reflexão surgisse uma proposta, essa deveria ser apresentada e discutida na próxima reunião da Assembleia. O representante do CDS considerou que estava de acordo com a grande maioria das ideias expostas na comunicação mas tinha dúvidas na resposta a dar à minha pergunta uma vez que cada deputado não pode perder a liberdade de apresentar as suas moções. Respondendo, expliquei que também eu não queria coarctar essa liberdade mas esta proposta teve por base uma experiência muito negativa por que passara quando, por razões de forma, não pude votar favoravelmente uma moção louvando o 25 de Abril e seus obreiros, tendo, nessa data, elaborado à pressa uma outra moção com os mesmos objectivos e que foi aprovada pela Assembleia.
O líder da CDU também interveio para dizer: o texto apresentado está muito bem escrito mas era bom para ser lido na igreja de (…) no próximo domingo. Os deputados das diversas bancadas entreolharam-se, com sorrisos de desprezo/reprovação, mas ninguém respondeu. Ninguém quis entrar em polémica por causa de um texto que apelava à colaboração e à boa educação. “ Há palavras que ficam com quem as pronuncia.” O líder do PS realçou o carácter pedagógico do texto e congratulou-se com a sua apresentação. O que nenhum deputado quis fazer, fê-lo um assistente que, no período aberto às intervenções do povo da freguesia, pediu a palavra e disse. “tenho vindo a assistir às reuniões da Assembleia. Hoje fiquei muito aborrecido porque um deputado apresentou um belo texto apelando ao diálogo e à compreensão entre todas as bancadas e logo apareceu um senhor que disse, cito, o texto está bem escrito mas era bom para ser lido na igreja no domingo. Eu quero protestar contra estas palavras e contra a atitude deste senhor”. Enquanto ele falava, os elementos da Junta e da Mesa da Assembleia abanavam a cabeça em sinal de aprovação. No final da Assembleia, foram muitos os deputados e assistentes que me vieram agradecer o texto. Como disse ao Presidente da Assembleia, um acto pode ser avaliado pela sua pertinência ou pela sua eficácia. No primeiro caso a avaliação alicerça-se em factores internos, no segundo, são os factores externos que se impõem. Embora sabendo que, neste mundo concorrencial, tudo se julga pela eficácia, eu continuo a privilegiar a pertinência. E, no caso desta comunicação, não é a eficácia que me preocupa embora fique mais feliz se ela der origem a uma reflexão que possa melhorar o clima vivido na Assembleia. Fiquei feliz porque fiz aquilo que julgo deveria ter feito. Neste aspecto, sinto-me kantiano: mais que agir conforme o dever prefiro agir por dever. Ainda não decidi se, na próxima reunião, farei algum comentário ao dito do mencionado deputado. Apetece-me dar ao desprezo como fiz na reunião (no final, intencionalmente, passei junto do dito senhor a quem cumprimentei), mas o respeito por todos os comunistas que conheci e conheço, de que realço o senhor Dário Bastos, pai da minha amiga Lígia, quase me obriga a dizer publicamente que não confundo a “nuvem por Juno” nem “tomo a árvore pela floresta”.

CARTA DE DESPEDIDA

Na 5ª feira, apresentei a seguinte carta de despedida à minha entidade patronal.

Exmos Senhores
Directores (…)
Hoje de manhã, a D. Fernanda entregou-me (…) duas folhas/fotocópias, assinadas pelo Director (…), relativas a faltas que me foram assinaladas nos dias 7 e 11 de Setembro e que eu justifiquei, invocando motivos familiares. Da sua leitura, concluí que as faltas foram aceites como justificadas mas não foram remuneradas. Em consequência, foram-me descontados 38.58 Euros no meu ordenado de Setembro.
Trabalhador desta casa desde 1978, não sei quantas faltas dei : só sei que foram muito poucas e nenhuma injustificada. Concretamente, penso que no ano passado não dei qualquer falta (…), tendo adiado a realização de uma cirurgia para o dia 11 de Julho, a fim de não faltar (…). Mesmo neste caso, apesar de eu ter dado conhecimento prévio à Direcção, fui aconselhado, posteriormente, a apresentar atestado médico o que fiz. Se puderem fazer o levantamento das minhas faltas, muito agradeço.
Informo que (como trabalhador em tempo parcelar) apenas me são pagas onze horas semanais. Ora acontece que, na semana do dia 7 (que foi uma 6ª-feira), eu estive no trabalho todos os restantes dias, numa média de 3 horas diárias perfazendo um total de 12 horas. No dia 11, às 15 horas, estive presente na reunião com um dos Directores e, logo que fiquei livre, vim trabalhar com as colegas (…) na sala 18 até às 17 horas.
O simbólico é um factor determinante do agir humano. Só assim se compreende que trinta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos possam pôr em causa 30 anos de mútua colaboração.
Em consequência de todo o exposto, entrego o meu horário, não dando mais aulas nessa casa, a partir de 2ª feira, dia 1 de Outubro.
Foi com prazer que convosco colaborei.
Respeitosos cumprimentos

A carta foi escrita na 4ª feira à tarde. E dormi tranquilo nessa noite. Mais uma vez sentia que fazia o que deveria fazer. Como se costuma dizer, “ uma boa consciência é o melhor colchão para dormir uma noite descansada…”
Na 5ª feira, depois de entregar três cartas dirigidas a cada um dos Directores, trouxe para casa todo o material que possuía na empresa.
Logo que recebeu a minha carta, o director que assinara o documento acima referenciado telefonou-me imediatamente dizendo-me que compreendia perfeitamente a minha indignação mas que o assinara sem sequer o ler; que eu não podia pôr em causa uma amizade de muitos e bons anos. Disse-lhe: amigo, como se costuma dizer, trabalho é trabalho, conhac é conhac; eu distingo perfeitamente esses dois planos, a nossa velha amizade não está em causa, a relação de trabalho é que acabou. Ele, então, recorreu a argumentos que, devida a essa muito velha amizade, me fizeram recuar na decisão. E, para ele poder almoçar com tranquilidade, e eu não me sentir responsabilizado pelo agravar de um estado de saúde já muito débil, acabei por retirar a minha despedida. Continuarei a trabalhar. Hoje mesmo já me foi entregue a quantia que me fora descontado (o que era o menos importante na desfeita que me fizeram). Fiquei feliz por ter feito o que fiz. Espero que, de futuro, haja mais cuidado com o que se assina e a Direcção, sabendo quem tem, não confie tanto nas suas assessorias… Era uma lição que precisava de dar porque não me faltavam motivos. Sou muito compreensivo e até flexível no que se refere a assuntos, para mim, menores mas, no que toca ao essencial, sou implacável. Razão tinha o meu amigo director quando disse: “ eu conheço-te muito bem.”. Fiquei feliz…

CARTOLA OU CARTOLINA

No domingo à tarde, o meu grupo de teatro “ Às três Pancadas”, por convite da Junta de Baguim, foi representar o auto “ Cartola ou Cartolina”, da autoria da Lígia Bastos e da Fátima Silva, no Centro Paroquial, para comemorar o “Dia Mundial do Idoso” (Devemos colaborar nestas iniciativas porque, também nós, um dia, o seremos…) O salão estava cheio de uma assistência que participou activamente no espectáculo. O tema, tratado de modo humorístico, era uma paródia ao julgamento de Carolina Salgado e Pinto da Costa. Eu assumi o papel de “ Penta da Costa”, enquanto a minha amiga Maria da Luz era a “Cartolina” e a Fatinha encarnava o papel de “Juíza Morgada”. A Natália era a “Bela”, testemunha da ré, a Lígia representava a “Madame do Chapéu”, testemunha do réu. E a escrivã, (uma estreia mundial) foi interpretada pela minha mulher. Que bem se portou!... Nem se riu quando, peremptória, me estendeu a bíblia, que por sinal era a “Rosa do Mundo”e me ordenou: “E o Senhor! Jure por favor”. Ao que eu, com toda a seriedade, de mão estendida sobre o livro, e olhando-a nos olhos, respondi: “Pela minha sinceridade! Eu só minto quando não digo a verdade.” Está contratada... Dois jovens, o Ricardo e o Dino formavam a claque dos “Hiper-Dragões”.
Foi um lindo espectáculo que fez rir toda a assistência, incluindo o senhor Presidente da Junta e o senhor Abade, sentados na primeira fila. Este, no fim, teceu grandes elogios à nossa actuação e louvou a voz da apresentadora do espectáculo (que foi a minha esposa) de quem disse ter uma voz muito bonita, melodiosa e com uma belíssima articulação.
Sabe tão bem ver as pessoas felizes, especialmente quando a maioria é constituída por pessoas que muitos desprezam como pesos inúteis numa sociedade que se pauta por valores utilitários e hedonistas… Fiquei feliz!


O MEU FILHO ZÉ

Na 6ª-feira, o meu filho foi à consulta da Drª Marta, no IPO, que lhe disse que os resultados da T.A.C , do R.X pulmonar e das análises estavam bem. Foi um alívio. As horas que antecedem este tipo de consulta são sempre de muita ansiedade e sofrimento. E a noite anterior é mal dormida. Graças a Deus, já passaram 17 meses após a operação feita no Instituto Rizzoli em Bolonha…
No domingo de manhã, foi recebido pela Drª Ana Margarida, especialista da dor no Hospital de Santo António e amiga da minha velha amiga Drª Regina. Viu e disse-lhe que o acompanharia sempre (deu-lhe o número do seu telemóvel) para, se não tirar, pelo menos atenuar as dores que sente nas costas. Foi muito bom.
E o meu filho voltou a sonhar. Já faz projectos para o futuro… Está a renascer… Que bom!...

OS MEUS GENEBRINOS
Depois de dias de muito trabalho e grande pressão, os meus filhos que trabalham e moram em Genebra, partiram para uns mais que merecidos dias de férias em Agadir… Que aproveitem, que bem precisam!
Conseguiram alugar o apartamento que possuem na Praça da Corujeira e, por sinal, a um casal que estimamos e cujos filhos foram do meu grupo de jovens. Como tinham lá várias coisas, na sexta e no sábado, eu e a mãe andámos a trazer tudo para nossa casa de modo a que o apartamento ficasse livre para poder ser ocupado. E ficou. Na 2ª-feira a Dona Margarida foi fazer-lhe uma limpeza.
E mais… As chaves da arrecadação, há muito desaparecidas, apareceram. Foi um alívio. E o meu amigo Hildo indicou-me um picheleiro da sua confiança para ir ver o apartamento por causa de uma fuga de água nas canalizações… Tudo a correr bem.

O PASSADO E O FUTURO
Recebi um convite do presidente da Obra Diocesana de Promoção Social da Cidade do Porto, para, no dia 30 de Outubro, estar presente no lançamento do livro da autoria do Bernardino Chamusca “ Obra Diocesana 40 anos de Promoção Social”. Sabe sempre bem quando se lembram do nosso passado. Não tanto por nós, mas porque mostram que a gratidão e o reconhecimento são virtudes que ainda não morreram na nossa terra… É o passado que se faz presente.
Na 6ª-feira à noite, o Eng. Mira veio convidar-me para fazer um curso de formador das “Novas Oportunidades” que irá funcionar à sexta e ao sábado, não sei durante quanto tempo. E eu lembrei-me que sou filho de um senhor que, aos 67 anos já doente, se autopropôs para fazer o exame da 4ª classe porque não queria morrer só com a terceira classe, feita com o mestre-escola Cosme, ainda em tempos da Monarquia. E ficou aprovado. E por isso, logo agradeci o convite e pedi para me inscrever, dizendo “nunca se é velho para aprender”. É o futuro a marcar o presente.

FUTEBOL

No sábado à noite, fomos a casa da nossa afilhada (Que lindo! Que “reguila”! Que “guicho”! Que maroto! Está o seu/”nosso” menino!). Estivemos com o Manel e o Fernando a assistir aos jogos que deram na televisão. Primeiro, foi um Benfica-Sporting. Fazíamos força para que empatassem e o resultado final foi de 0-0. Tudo bem. Era o que queríamos. Depois foi o Porto-Boavista que concentrou todas as nossas atenções. Torcemos, torcemos. Gritámos com dois golos do Lisandro Lopez. E, no fim, o marcador cantava - F.C. Porto 2 – Boavista 0. E o Porto, à 6ª jornada, já leva 5 pontos de avanço sobre o Sporting e 5 ao Benfica. Que maravilha!. Eu sei que ainda estamos no início do campeonato, mas, como diz o nosso povo, “candeia que vai à frente alumeia duas vezes…”


VALE A PENA VIVER !...

Foi ou não foi um rico fim-de-semana?
Para comemorar, e por convite do meu filho Zé a quem o amigo Rui arranjou três bilhetes, vamos logo à noite assistir no Coliseu do Porto a um concerto de Flamenco dado pelo “Sexteto de Vicente Amigo”, integrado no Festival GuitarFest 2007. É um modo de celebrarmos o Dia Mundial da Música.
E, para terminar, apetece-me transcrever alguns versos do poema da minha amiga Lígia que eu recitei no início da festa de ontem em Baguim.
Há uma criança a nascer
Vamos dar-lhe a mão
Ajudá-la a caminhar
Ajudá-la a estar e ir
Ajudá-la a vencer
A brincar
E rir
E sonhar
E outra vez crescer
Outra teia tecer
E nunca envelhecer
E vale a pena viver!”