O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, abril 27, 2009

O 25 de Abril e o debate político

Uns meses após o “25 de Abril”, um grupo de amigos espanhóis, ainda sob a ditadura franquista, pediu a minha opinião sobre a experiência democrática que estávamos a viver. Respondi: Portugal voltou a sorrir; o luto acabou. Soltaram-se as mordaças das palavras e do pensamento. A guerra colonial acabou, os soldados voltam para as suas famílias. As prisões políticas abriram-se, ter opinião não é crime. No entanto, algumas nuvens começam a turvar o horizonte: todos os partidos condenam a ignorância legada pelos “48 anos da noite fascista”, mas todos a exploram para captar os votos do povo; sente-se alguma intolerância política na luta partidária; os oportunistas procuram cavalgar a crista da onda…
Os anos foram passando, as nuvens da insatisfação adensaram-se, o capital de esperança foi-se delapidando. Começou a rarear quem fazia da política uma missão; uma certa “casta política” passou a borboletear em torno do poder. Acumularam-se suspeitas de corrupção e de enriquecimento ilícito. Multiplicaram-se promessas irrealistas. Os cargos políticos, para muitos, funcionam como trampolim para outros voos. Sucederam-se as tentativas de “assassinatos políticos”. O alheamento e o descrédito da política foi-se acentuando…A própria Assembleia da República não têm favorecido a sua credibilização. Em alguns debates parlamentares, abundam diatribes inúteis nem sempre pautadas pela boa educação. Custa ver, por vezes, a casa-mãe da democracia portuguesa transformada em palco de “jogos florais” onde florescem sofismas e falácias e os senhores deputados se mimam, mutuamente, com ramalhetes verbais, reforçados pelas palmas dos seus apoiantes. Cada partido procura impor a sua verdade/vontade. Parece que se está sempre em campanha eleitoral. Veja-se o que se passa com a escolha do Senhor Provedor de Justiça…


Debate democrático

Trinta e cinco anos são passados. Vêm-me à mente dois pensamentos de D. António Ferreira Gomes: “os frutos do trabalho comum devem ser divididos com equidade e justiça social entre os membros da comunidade”; “as democracias desregradas são o terreno mais fértil para o germinar das ditaduras”;.
Pergunto: não será tempo de os políticos se questionarem?
* Num Estado de Direito, a Política não está acima da Lei. Muito menos pode sobrepor-se à Ética. Num Estado Social de Direito, que visa minorar as desigualdades sociais, a prioridade é dada aos mais desfavorecidos.
* Os partidos congregam vontades em torno dos projectos diferenciados que apresentam para a sociedade. O confronto de ideias está, pois, inerente à actividade política. Porém, enquanto em Ditadura esse confronto se dá entre inimigos que se procuram aniquilar; em Democracia, põe frente a frente adversários que se respeitam na diversidade de opiniões e se enriquecem na busca do melhor para a Comunidade.
* Todos os que exercem o poder democrático são sujeitos de um poder cuja legitimidade assenta no mandato que lhes foi conferido pelos eleitores. Exercem o poder mas não são os senhores do poder. Representam os seus eleitores e não o partido em cujas listas concorreram. Respeitar os eleitores implica respeitar-se e respeitar aqueles que os representam. A política mais que poder é servir e não servir-se…
* O mandato é pessoal. Cada um fala em nome próprio e não é uma correia de transmissão da sua estrutura partidária. Vivemos numa democracia e não numa partidocracia. As boas ideias não têm paternidade. Se são boas, merecem aprovação, independentemente de quem as apresenta.
* Os eleitos são considerados pessoas de bem. O seu comportamento deve ser digno dessa consideração. Em política, também se exige educação e bom senso.
Em síntese – Os políticos, respeitando-se na diversidade pessoal e partidária, procurem “bem-servir”, especialmente os mais fragilizados, atendendo ao que dizia o Profeta Isaías: “ Ai dos que zombam dos direitos dos fracos do meu povo.”

sábado, abril 04, 2009

Entre irmãos…Separados (?)

“Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste.” (Jo.17,21)

Dois acontecimentos me fizeram lembrar esta oração de Jesus.

1º Momento - “De porto em Porto – uma caminhada de reflexão com Paulo”…



Era jovem aquele “pequeno resto” de cristãos que “…de cais em cais”, na noite de 25 de Março, calcorreou as ruas íngremes do Porto Antigo. O primeiro cais aconteceu na Alfândega do Porto, com a leitura dos Actos dos Apóstolos (9.1-21). No cais 2, na igreja de S. Nicolau, foi lida a carta aos Gálatas 3,23-4.7. Subimos até ao cais 3, já na Reitoria da UP, onde decorria uma exposição de pinturas de Giotto, ouvimos o “Coro Anima Mea” e foram proclamados os Actos 17.15-34 e Filipenses1.9b-26. No cais 4, na igreja metodista do Mirante, a pergunta que nos acolheu foi: “O que é o amor?” O cântico “Se eu compreendesse todos os mistérios e segredos da ciência…”, pelo Coro da Juventude Metodista, introduziu a leitura e comentário da Carta aos Coríntios 13,1-13. Rezámos ao “Pai Nosso…”. Terminou com um convívio oferecido pela igreja do Mirante.

E fiquei a pensar… o que é que nos separa? Esta caminhada, organizada pelo Grupo InterConfessional Universitário do Porto, reuniu seis Igrejas Cristãs. Teoricamente, sabia que aquele grupo, de mais de 100 pessoas, era formado por cristãos de diferentes confissões, mas, na prática, quais eram, o que é que nos identificava como diferentes? Nada. Quem eram aqueles jovens com quem partilhei reflexão: católicos, evangélicos, ortodoxos? O importante é que vivíamos a mesma fé em Cristo. E então perguntei-me: Como é que os responsáveis das igrejas podem dormir descansados enquanto perdurar este escândalo que ofende a vontade de Cristo? Não podemos desculpar-nos, culpabilizando os outros. A culpa nunca vem só, diz o nosso povo…

2º Momento - Na Catedral de S. Pedro em Genebra

No dia 27 de Março, assisti à “Paixão Segundo São João” de Bach, no concerto comemorativo do 500º aniversário de Calvino. Sem esquecer a magnífica interpretação do “Ensemble Vocal de Lausanne”, foi o cenário o que mais me surpreendeu. Aos primeiros acordes, as lâmpadas eléctricas apagaram-se e a magia de duas mil lamparinas venceu a aridez calvinista da catedral, dourou o granito das colunas góticas e criou uma atmosfera de recolhimento e de intimidade. Quão longe vão os tempos em que Calvino baniu os órgãos e a polifonia do novo culto porque os crentes prestavam mais atenção ao encanto da melodia que ao sentido espiritual das palavras, a música era psicotrópica.

Foram duas horas de “céu”… Senti-me em casa, entre irmãos. Ao contemplar a grandeza daquela igreja, construída no século XII para catedral da Diocese de Genebra, que no século XVI se transformou em igreja-mãe da “Roma Calvinista” (onde ainda se conserva a cadeira de Calvino) e, nesse momento, era cenário dum drama musical nascido num ambiente luterano, mais uma vez ressoaram em mim as palavras de Jesus e me interroguei: para além de escândalo para o Mundo, a divisão dos cristãos não será, objectivamente, um pecado que ofende a vontade de Deus? Quem responderá por este pecado colectivo?

Quaresma – tempo de conversão

O que corrompe não é o serviço é o poder, este é a causa da divisão. Disse Bento XVI, «o ecumenismo verdadeiro não existe sem a conversão interior, porque o desejo da unidade nasce e amadurece na renovação da mente, na abnegação de si mesmo e no exercício pleno da caridade»? A oração não chega se não levar à conversão. Não responsabilizemos a Deus por aquilo que é culpa dos homens. A Quaresma é, por excelência, o tempo da metanóia. “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse caridade, seria como metal que soa, ou como sino que tine…” (1ªCor.13,1). Palavras… Só palavras? “Palavras leva-as o vento”, diz o povo…

quarta-feira, abril 01, 2009

D. António Taipa e a Obra Diocesana de Promoção Social

A "Ceia de Reis"

A “Ceia de Reis” da Obra Diocesana, no dia 10 de Janeiro, foi pontilhada por momentos de intensa vivência fraterna, desde a ternura dos momentos musicais até ao carinho das palavras de D. Manuel Clemente, passando pelos espaços de gratidão e reconhecimento. Porém, esta fraternidade atingiu o seu auge quando, por convite do Presidente do Conselho de Administração,Américo Ribeiro, todos os convivas, de pé, fizeram um minuto de oração silenciosa, irmanando-se no sofrimento do nosso Bispo Auxiliar, D. António Taipa, que, a essa hora, rezava na igreja de Freamunde, junto ao féretro da mãe, falecida nesse dia. O que talvez poucos soubessem é que esse gesto era também um acto de gratidão a quem, desde o início, se identificou com a Obra Diocesana. Eu conto.

No Bairro do Cerco do Porto

O primeiro trabalho de campo da “Obra dos Bairros”, com início na Páscoa de 1964, teve lugar no Bairro do Cerco do Porto.
De entre as muitas equipas de trabalho que nasceram nas reuniões efectuadas com os chefes de família do bairro, apenas uma era de cariz iminentemente religioso: a Comissão da “Missa e Catequese”. Enquanto as comissões de carácter social (“Centro de Convívio”, “Salas de Estudo”, “Posto de Enfermagem”, “Fundo de Auxílio Mútuo”, “Marco de Correio e Telefone”, “Mercado”, “Higiene e Limpeza”, “Transportes”) eram apoiadas pela assistente social Maria Augusta Negreiros, a “Missa e Catequese” dependia directamente do sacerdote responsável pela Obra. Esta Comissão, liderada pelos senhores Alexandre e Guilherme e apoiada por José Moura, dos Cursos de Cristandade, preparou a celebração da Missa Campal, no largo fronteiro ao bloco 19, no dia 15 de Agosto de 1964, que foi presidida por D. Florentino de Andrade e Silva, o fundador da Obra, com a presença do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Nuno Pinheiro Torres, que, com o seu apoio pessoal e institucional, desempenhou um papel decisivo na criação da Obra Diocesana de Promoção Social.
A partir dessa data, nunca mais deixou de haver missa dominical no bairro. Como não havia local de culto, passou a ser celebrada no átrio da escola primária, cedida ao domingo para esse efeito, pelo Director Escolar do Porto.
Era reconfortante para um jovem sacerdote ver como, todos os domingos, os cristãos se afadigavam em montar e desmontar altar, em dispor e guardar as alfaias litúrgicas, em preparar acólitos, leitores e cantores, em arrumar e limpar todo o espaço de modo que, na segunda-feira, tudo estivesse limpo e asseado para as crianças. E isto aconteceu ao longo de mais de dois anos.

O seminarista António Taipa

A partir de Novembro desse ano, um aluno do Seminário Maior do Porto, ofereceu-se para colaborar com o sacerdote da Obra nas manhãs de domingo. Para além de participar na preparação e dinamização da Missa, no final, dava um curso de formação religiosa a jovens e adultos. Esse aluno brilhante, do melhor que o Seminário possuía, que todos os domingos se deslocava ao bairro, pondo o saber e entusiasmo apostólico ao serviço da Obra, chamava-se António Maria Bessa Taipa. De tal modo foi acolhido que, quando foi ordenado diácono, aquele núcleo de cristãos, a semente da futura paróquia de Nossa Senhora do Calvário, encheu a Sé Catedral, festejando a sua ordenação como se de um vizinho se tratasse. Na Missa do domingo seguinte, todos os comungantes quiseram ter o privilégio de receber Cristo das suas mãos jovens que tremiam de emoção. Foi uma festa!...
Esta comunhão de sentimentos foi ainda mais longe. Quando, no dia 15 de Agosto de 1966, foi ordenado Presbítero, a Comunidade do Cerco apresentou-se em peso na Sé para participar na ordenação sacerdotal de alguém a quem queria como pessoa da família. Num gesto de amizade e gratidão, o novo sacerdote convidou vários jovens para partilharem do almoço da sua “Missa Nova”, pedindo desculpa por não poder convidar toda a gente…Mais ainda, como sinal da sua estima pela Obra Diocesana, escolheu para pregar nessa “Primeira Missa”, em Freamunde, não um pregador afamado, mas sim o jovem sacerdote responsável pela Obra Diocesana com quem trabalhara no bairro do Cerco do Porto.

Em síntese
Atrevo-me a dizer que a escola/capela do bairro do Cerco, o primeiro local de cultura e de culto da “Obra dos Bairros”, terá sido a primeira “cátedra” onde o futuro Professor Catedrático deu as suas primeiras lições de Teologia, assim como a primeira “catedral” onde o futuro Bispo, pela primeira vez, proclamou a Palavra e distribuiu a Sagrada Comunhão.