O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, junho 23, 2020

FEZ 51 ANOS...


foi em 20 de junho de 1969 que o homem chegou à Lua. Seja-me permitido lembrar essa data com uma evocação muito pessoal.

É contigo, meu pai, que quero falar.
                No sábado passado, abrimos uma garrafa de champanhe em direção à Lua e bebemos uma taça em tua memória.  E sabes porquê? Porque fazia 51 anos que tu e eu bebemos, juntos, a última taça de champanhe. Escolhemos esta data para te recordarmos em festa. Não, não foi o dia do teu nascimento. Esse aconteceu-te. Não foste tu que o fizeste. Mas o dia de hoje, sim, é sinal de ti, do teu amor pela humanidade, da tua vontade de viver, da tua abertura a tudo o que era novo, a tudo que honrava o Homem, da felicidade que sentias com os progressos científicos e tecnológicos. Lembras-te?
                Já estavas muito doente, com a «púrpura». Virias a falecer poucos meses depois (23/5/970). Tinhas vindo viver comigo para ficares próximo do hospital onde, com frequência, recebias transfusões de sangue. E preenchias o teu dia a ler e a ver as notícias que, à noite, comentávamos.
                Nesse dia, após o jantar, não foste para o quarto, ficaste na sala a ver, pela televisão, a chegada do homem à Lua. Com que alegria silenciosa viveste esse momento! Como teus olhos brilhavam!
                Depois de assistir aos primeiros passos, quiseste vir para o pátio da casa e olhar a Lua que, lá no alto, inundava de luar a cidade. E como ficaste satisfeito quando abri uma garrafa de champanhe e deixei a rolha saltar em direcção à Lua. Celebrámos em honra da Humanidade. Brindámos à inteligência humana e louvamos Aquele que dera ao homem tal poder, rezando umas das primeiras orações que tu e a mãe me ensinaram: «Glória ao Pai». E bebemos uma taça. Tu já bebeste pouco, mas não deixaste de brindar.
Acompanharam-nos a D. Amélia e a menina Maria Laurinda. E, tu, com aquele teu jeito brincalhão, fitavas a Lua e dizias: - Ó Laurinda, parece-me que estou a ver um homem a andar na Lua com uma bandeira às costas. Será o americano? Não vês? Ela, muito reverencial, respondia à tua brincadeira: - Senhor José, estou a ver uma parte mais escura. Será o astronauta? Sim, respondias tu, é ele porque o vejo a mexer. A brincadeira prolongou-se por longos momentos de felicidade e esqueceste o teu sofrimento.
                É assim que te revejo nos meus sonhos… Sempre vivo. Sempre atento a tudo o que dignificava o homem. Sempre desejoso de saber mais.
Lembras-te das minhas férias? Quando me vias a ler um livro, tu, que, então, só tinhas a 3.ª classe, sempre mo pedias. Uma vez, ficaste zangado quando te respondi: -“ Não, pai, este não. Não é um livro para si”. – O quê? Já não posso ler os teus livros? Ao ver-te aborrecido, dei-to para a mão, enigmático... E, tu… logo te abriste num sorriso: - Tens razão, filho, não é para mim. Está em francês e eu não sei francês… E rimo-nos os dois.
Quando falo de ti, os olhos sorriem, mas o coração chora…(24/6/2020)

quinta-feira, junho 18, 2020

POR ASSIS ATÉ PADUA

Continuamos na viagem de Santo António…

Restabelecida a saúde e refeito do fracassado projeto de Marrocos, o noviço franciscano seguiu para norte ao encontro do seu novo guia espiritual, Francisco de Assis.

Terá seguido pela Via Ápia – a primeira estrada calcetada do Mundo - construída pelos romanos para ligar Nápoles à capital do Império. Não sabemos se teve tempo para admirar os túmulos imponentes, as catacumbas e as igrejas que a ladeavam. Nem se entrou em Roma. Aí, poderia contemplar a basílica de S. João de Latrão mas não a de S. Pedro, construída mais tarde (1506-1626), onde se levanta um altar dedicado a «Santo António de Pádua». Sabemos que esteve em Roma, em 1230, como representante da Ordem, em colóquios com o Papa.

Tinha pressa em chegar a Assis para participar no Capítulo Geral de 1221 em que passou despercebido. No final, a convite dum frade, foi para Montepaolo, um ermo nos Apeninos. Refugiava- se numa gruta donde saía, apenas, para celebrar Missa e prestar os serviços mais humildes à comunidade. Até que, numa emergência, o superior o convidou a pregar de improviso numa cerimónia de ordenação sacerdotal. As suas qualidades oratórias impressionaram todos os assistentes: aquele grande pregador fazia falta noutros lugares e funções. 

Em Bolonha - a cidade onde, em 1088, tinha sido fundada a primeira universidade do mundo - criou o centro de estudos bíblicos. São Francisco autorizou-o, mas com condições: “Aprovo que tu ensines teologia aos frades, desde que tu não afrouxes o espírito da santa oração e devoção”.

Em 1225 – 1226, Santo António é enviado para França. Foi uma viagem longa e difícil que o obrigou a atravessar os Alpes, possivelmente no local que, muitos séculos antes, Aníbal, com os seus elefantes, utilizou para ir atacar Roma. No sul de França, estava em pleno vigor a heresia dos albigenses. Santo António pregou em muitas cidades, como Montpellier, Limoges e Toulouse, contrapondo, pela palavra e pelo exemplo, à «Igreja dos Cátaros» (Puros) a Igreja fiel ao lema de Jesus: “combate o pecado mas ama o pecador”.

Em 1227, foi nomeado diretor-geral da Ordem para o Norte de Itália. “Percorria terras e províncias em pobreza absoluta, como um que se sente estrangeiro e peregrino no mundo. Estava habituado à fome, como o apóstolo Paulo; e sentia-se feliz na indigência”. A sua débil saúde foi-se deteriorando de tal modo que, em 1230, pediu dispensa dessa função para poder redigir os famosos “Sermões de Santo António”. Mesmo assim, na quaresma de 1231, pregou, diariamente, em Pádua. A debilidade acentuou-se. E em 13 de junho faleceu em Arcella. no caminho para Pádua onde acabou por ser sepultado na igreja de Santa Maria Mater Domini, hoje, a magnífica basílica de Santo António.

No ano seguinte, foi canonizado, na catedral de Spolleto. Em 16.1.1946, Pio XII declarou-o Doutor da Igreja.

terça-feira, junho 09, 2020

DE COIMBRA À SICÍLIA

 
Os «Santos Populares» aproximam-se. O Porto festeja S. João mas reza a Santo António. Para celebrar este santo taumaturgo, convido-vos para uma “Viagem Medieval”, guiados por Gonçalo Cadilhe, nas asas do seu livro “Nos Passos de Santo António”.

Iniciamos em Coimbra, então capital de Portugal que, havia pouco tempo (1179), fora reconhecido como Reino pelo papa Alexandre III na bula «Manifestis Probatum». Mais precisamente, encontramo-nos no mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho – Mosteiro de Santa Cruz- o centro intelectual do Reino em cuja capela jaz o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, falecido em 1185.

 Em 1212, deu entrada neste mosteiro o jovem Fernando, de Lisboa. Aqui, viveu e adquiriu uma bagagem humanista e teológica que levou, mais tarde (1230), o papa Gregório IX a declará-lo «Arca do Testamento». Em 1220, já presbítero, impressionado com os restos mortais de cinco franciscanos assassinados em Marraquexe, decidiu fazer-se franciscano para continuar a missão dos «Mártires de Marrocos». Passou a viver no eremitério de Santo Antão dos Olivais, com o nome de Frei António.

Daqui partimos em direção a Lisboa para visitar a casa – hoje Museu de Santo António - onde terá nascido Fernando, talvez em 1192, filho de Martim Afonso. Daí, seguimos para Algeciras. Tomamos o barco que, pelo Estreito de Gibraltar, nos levará a Ceuta. Passando por Tânger, vamos até Marraquexe. Este era o destino do jovem franciscano, mas, chegado a Marrocos, uma doença fê-lo regressar a Portugal. Porém, ao atravessar o estreito, um forte vendaval arrastou o barco até à Sicília.

Uma viagem de 1700 quilómetros, em navegação de cabotagem, terá obrigado o pequeno veleiro a aportar várias vezes na costa africana. Certamente o fez num dos maiores portos, a cidade Annaba. E o antigo «Cónego Regrante», agora humilde «frade menor» terá procurado vestígios da velha Hipona de que foi bispo o seu primeiro mestre e guia espiritual, Santo Agostinho, que aqui terá escrito duas das suas obras mais famosas - «Confissões» e «A Cidade de Deus» - e redigido a conhecida “Regra de Santo Agostinho” que regia o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Em Túnis, embarcamos no ferry que atravessará o Mediterrâneo e nos levará a Palermo, já na Sicília. A situação geográfica e a fertilidade dos solos, despertou o interesse de todos os povos da antiguidade desde os fenícios, passando pelos gregos, cartagineses, romanos, bizantinos e islâmicos. Reconquistada pelos cristãos, em 1220, Frederico II - «a maravilha do mundo» - elevou Palermo a capital do Império Sacro Romano – Germânico. Santo António, que aqui chegou em 1221, recuperou da doença contraída em África e encontrou os seus irmãos franciscanos. Mais tarde (1122) voltaria a esta cidade já como notável pregador. Não admira que, ainda hoje, perdure na Sicília uma grande devoção a Santo António. (10/6/2020)

quinta-feira, junho 04, 2020

MEMÓRIAS DE UM AMIGO

Um mês é passado…

. As gentes de Campanhã, onde foi coadjutor, recordam o “seu” P. Manuel. “O nosso P. Manuel. tanto lhe devemos na nossa formação!” (G.F.)
 
. Conheci-o, em 1955, como diretor espiritual do seminário de Vilar. A afabilidade e o sorriso cedo nos cativaram.

. No domingo anterior ao «25 de Abril», li nas missas a sua homilia, proibida pelo Governo português, em que denunciava a injustiça da guerra colonial.Em1974, visitei-o no Cartaxo onde vivia após ter sido expulso de Moçambique em 14 de abril.

. Em 2010, transcrevi a resposta que deu a Samora Machel que lhe perguntara porque é que ele não lhe falava de Deus mas do povo - ”Deus não precisa que O defendam. O Homem sim”. (VP, 20/10). Em 2019, escrevi:” Ao ver a sua debilidade, recordei as “semanas pastorais” que tão bem orientou, a energia da sua palavra que enchia o “Palácio” e o carisma do seu testemunho que fazia tremer os alicerces do “Estado Novo”(VP, 26/6)

. Em 2017, nas comemorações do 25 de Abril, em Campanhã, li um texto da Associação 25 de Abril: “Em Março de 1974, D. Manuel Vieira Pinto aprovou o documento «Imperativo de Consciência» que defendia uma «resposta corajosa aos problemas graves do povo moçambicano». Recebeu ordens para se deslocar para Lourenço Marques. Fica retido pela polícia com o pretexto de ser uma medida necessária para a sua protecção. Ficou impedido de contactar com alguém e de receber visitas. Por ordem do Governo, abandona Moçambique. Na chegada a Lisboa, foi impedido de dialogar com os jornalistas e até com os seus familiares.”

. Em 2 de maio passado, escrevi no facebook: “Foi ontem a sepultar D. Manuel Vieira Pinto, Bispo de Nampula donde foi expulso duas vezes: uma em 1974 e outra já após a independência de Moçambique. E sempre o mesmo motivo: a defesa da dignidade humana e a liberdade dos Filhos de Deus…”
. Alguns dos comentários recebidos:

 “Como me lembro das suas conferências no Palácio de Cristal e de como os jovens acorriam em massa” (C.L.). “Homem que arrastou multidões em prol de um mundo melhor” (F.R.S.). “Faleceu pouco tempo depois do seu afilhado, o meu irmão Manuel” (J.A.). “Grande Senhor!” (L.F.A.). ”Foi um homem, como padre e mais tarde bispo, sempre preocupado com os mais desfavorecidos” (J.B.). “ Minha avó Aida tinha grande amizade por Ele” (P.G.). “Homem vertical. Como não conheço a família, apresento as minhas condolências a si com quem falei várias vezes acerca do Amigo comum” (C.S.). “Conheci-o em Moçambique. Grande ser humano!” (D.J.T.L.). “Tanto quis dizer-lhe como tinha sido importante para mim…” (M.M.C.S.). “Irradiava dele um entusiasmo contagiante de encontro e missionação, de fé e de abraço fraterno” (J.F.). “Minha vida está indelevelmente ligada ao director espiritual no Seminário de Vilar” (J.M.C.)

. Em 15 de maio, a Ecclesia noticiou: Parlamento homenageou D. Manuel Vieira Pinto e considerou-o “figura maior na luta pela afirmação da dignidade da pessoa humana no Portugal contemporâneo”.

. Que a memória não silencie quem nunca se deixou silenciar… (3/6/2020)