O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, outubro 31, 2018

"FRANCISCO CULPADO!"


“Personalidades da cultura e da política, unidas a apoiar Papa Francisco – Na Capela do Rato, Alice Vieira, Leonor Beleza, Vitorino, e outros, leram, ao longo de uma hora e meia, textos do Pontífice”. (JN, 9/10/2018)

Este apoio fez-me evocar uma publicação da CN dos Bispos Brasileiros, com o título que transcrevi.

“Querido Papa Francisco, é verdade, és culpado!

- Por seres um homem e não um anjo; porque tens a humildade de aceitar que erras e de pedir perdão, por ti e por nós. Porque abandonaste a tradição de morares em palácios e escolheste viver no meio das pessoas.

- Porque deixaste de beijar os pés «perfumados» das Eminências e beijas os pés «sujos» de condenados, mulheres, doentes, de outras confissões religiosas, de «diferentes». Porque abriste as portas aos «recasados» e porque, diante de temas dolorosos, respondes simplesmente «quem sou eu para julgar!»

- Porque assumes a tua fragilidade, pedindo que rezem por ti, quando muitos exigem que sejas dogmático, intolerante, rubricista. Por tantos e tantos corações ditos «infiéis», «excomungados» e «impuros» terem redescoberto o rosto belo de Cristo ternura e misericórdia; porque «chamas as coisas pelos nomes» e não te retrais de lembrar aos bispos que não sejam pastores de aeroporto, mas sim gente com «cheiro às ovelhas».

- Porque rasgaste as páginas da intolerância, dos moralismos estéreis e impiedosos e nos ofereceste a beleza da compaixão, da ternura e da frontalidade; porque nos abriste não tanto os olhos, a inteligência e a razão, mas, sobretudo, o coração.

- Por quereres carregar a cruz da Igreja em vez de desviares o olhar, seres indiferente às dores e às lágrimas das pessoas do nosso tempo; porque não suportas os crimes hediondos feitos por aqueles que falam de Deus, mas vivem contra Ele. Porque buscas a verdade e a justiça, abraçadas pela misericórdia, em vez de silenciar, esconder, minimizar ou ignorar.

- Porque deixaste de querer uma Igreja de privilégios e mordomias, de glórias e poder mundanos e nos ensinas a força do serviço, a riqueza do lava-pés e a grandiosidade da simplicidade.

Papa Francisco, deixa que te culpem destes «crimes». Sabes que ao teu lado estão incontáveis mulheres e homens que, como tu, não são anjos, mas frágeis, pecadores, esperando que Cristo olhe por nós e para nós. Sabes que contigo está uma enorme «procissão» de corações que por ti rezam a cada instante.

Foi Cristo quem te colocou ao leme desta “barca” que é a Igreja. É Cristo quem te dará forças para prosseguires esse caminho de «culpabilidade» que tanto bem tem feito ao mundo e à Igreja.

Querido Papa Francisco, obrigado por seres «culpado» pela beleza da Igreja sonhada por Jesus.”

Quando, como disse o cardeal D. António Marto em Fátima, o Papa é vítima dum ataque “ignóbil”, urge dar voz a quem não se refugia no silêncio.

(31/10/2018)

 

quarta-feira, outubro 24, 2018

"BESTAS DE CARGA..."



Em 23 de março, foi inaugurada, na Fundação Manuel António da Mota, a exposição “Homenagem às Carquejeiras do Porto”.

Um expositor elucidava que “durante anos estas mulheres transportavam cerca de 50kg de carqueja às costas, subindo uma rampa com declive de 21º desde a sua chegada ao rio, até aos fornos das padarias e aquecia as casas burguesas". Para fazer memória deste “trabalho «quase escravo» que nunca foi dignificado," e lembrar estas heroínas silenciosas, pensa-se erguer um monumento ao cimo da antiga Calçada da Corticeira.

Ao iniciar a exposição o visitante sentia-se esmagado por fotografias de mulheres - «bestas de carga» -vergadas sob volumosos feixes de carqueja que as escondem quase por completo. Autênticas formigas onde o tamanho do carreto é bem maior que a sua transportadora. E o que mais surpreende é que, sob esse imenso feixe, nalgumas fotografias ainda se vislumbram olhos bonitos que sorriem.
Demorei-me frente ao quadro “Carqueja negra”.  Negra era a vida destas mulheres que mourejavam por uma côdea para os filhos. Negra era esta sociedade que bebia até ao tutano o sangue dos mais pobres…
Mas o quadro que mais me impressionou tinha o título “Sombras que se fundem”. Nele, uma mulher, dobrada sob um enorme feixe de carqueja por onde afloram vários rostos, com expressões de sofrimento, caminha com os pés em sangue que mancham de vermelho as pedras da calçada. Não é exagero artístico… É verdade nua e crua.

Confirma-o o relato escrito em 26 de maio de 1947 pelo jornalista Sousa Costa:

“O cais macabro fica lá em baixo, ao fundo da calçada da Corticeira. É lá, à borda do rio, que assentam no dorso das criaturas, cobrindo-as da cabeça aos pés as suas ásperas montanhas de carqueja. E é lá ao fundo que elas trepam à cidade alta, suando, gemendo, vergadas ao peso do fardo descomunal – de rastos quase, os joelhos quase a descarnarem-se nas lajes do calvário, a cabeça quase submersa nas dobras do ventre, o ventre repuxado no esforço do equilíbrio. E quantas vezes os mártires da vida madrasta sinalizam a sangue a trilha afrontosa, a violência da compressão muscular, cuspindo na Calçada os filhos das suas entranhas!” (“O Problema das Carquejeiras do Porto – PORTO - 1951”)

Já em 1935, o JN publicava dois números sob o título “Ouriços Humanos” de que transcrevo. “ A faina é dura – porque se repete, quatro cinco, seis vezes por dia. A necessidade obriga – e toda aquela gente precisa de comer, precisa de dar de comer aos seus.”

Não é romantismo, mas realidade pura e dura. E não aconteceu na Idade Média… Minha comadre Olga Celeste conviveu com muitas destas heroínas silenciosas. Ainda em 1951, a Liga Portuguesa de Profilaxia Social clamava contra “esse costume bárbaro de transformar seres humanos em bestas de carga”.
( 24/10/2018)

 

quarta-feira, outubro 17, 2018

COERÊNCIA EXEMPLAR


Mão amiga fez-me chegar o livro “Critérios para uma vida coerente” que diz:
“É a nossa vocação de humanos, a nível pessoal e colectivo, buscar as razões de ser e de bem viver. E, desde que há gente, a fundamental preocupação foi, após o espanto pela observação da harmonia cósmica, tentar perceber o porquê da sua regularidade, a respectiva causalidade e finalidade. E do cosmocentrismo passou-se para o antropocentrismo em busca de decifrar o enigma que somos, a complexidade da relação cognitiva entre o sujeito e o objecto, assim como a diversidade opinativa sobre quem somos, donde vimos e como planear e construir a história com ética e estética, buscando a unidade no essencial, no respeito pela diversidade cultural, religiosa e política, sempre a caminho da possível convergência.”

Quando me deliciava com este “novo presente da ternura de Deus “, como diz Luísa Maria na dedicatória, li na crónica de Francisco Seixas da Costa (JN, 3/8/2018):
“A ocasião era triste. As palavras do sacerdote, ditas na circunstância, não tinham gongorismos. Encerravam a simplicidade das coisas bem ditas, porque bem pensadas, sem a menor teatralidade”
Para enfatizar, informava: “Como vivo essas cerimónias «de fora», sem a menor sensibilidade à dimensão religiosa do ato, procuro isolar a parte da mensagem que resulta universal a crentes e não crentes”. E acrescenta: “Às vezes, confesso, passo por imensas «estopadas», que aturo com paciência protocolar. Porém, em outras circunstâncias, dou o tempo por bem empregue. Foi o que agora aconteceu. O sacerdote falava do caráter «democrático» da vida. O discurso era feito de expressões comuns, não trazia preso a ele nenhum determinismo, eram palavras abertas para pessoas livres, a quem apenas – o que não é pouco - se pedia sentido de responsabilidade na relação com os outros”.
Depois de explicar como havia conhecido esse presbítero, confessa: ”Admirei-lhe a cultura sem alardes, o humor e o espírito fino de ironia consigo mesmo, a postura de quem se olhava sem magnificar o seu papel - e tenho visto como a sua figura é, afinal, tão importante para muitos” E comenta: “Percebemo-nos desde o primeiro instante, desenhando com facilidade o terreno que nos era comum, que afinal era imenso. Criámos amizade.”
Que elos ligam estes dois textos? Coincidência (ou não), o sacerdote de que fala a crónica é o autor do livro. Mostram a coerência entre o que ensina e o que pratica. Mestre na palavra e exemplo na vida, pode, contrariando a máxima de “frei Tomás”, afirmar: “Olha para o que eu faço e certificarás o que eu digo”. Isto é coerência…
E quem é esse presbítero? O cronista identifica-o: “Gostei muito das palavras do meu amigo frei Bernardo Domingues.”
Como é bom ver elogiado alguém que nos habituámos a admirar…
(17/10/2018)

 

quarta-feira, outubro 10, 2018

TESTEMUNHO E LOUVOR



Em 2008, a recém-nomeada direção da Fundação Voz Portucalense elegeu como tarefa prioritária a expansão do jornal diocesano.

Para começar, havia que reforçar o sentimento de pertença à “Família Voz Portucalense”. Assim, em 2009, retomámos a celebração do Dia de S. Francisco de Sales. Criámos, em 2010, o “Dia da Voz Portucalense”. Ao longo de sete anos, todos os assinantes foram convidados, por carta pessoal, a participar na Eucaristia presidida pelo Senhor Bispo que, no final, lhes entregava o diploma comemorativo. Em 2010, organizámos romagens a Annecy, terra de S. Francisco de Sales e, sob a presidência de D. João Miranda, aos túmulos dos fundadores de “A Voz do Pastor” (D. António Barbosa Leão) e da Voz Portucalense (D. António Ferreira Gomes). Organizámos duas romagens à terra de D. António Barroso, sendo a de 2011 presidida por D. Manuel Clemente com a presença de D. Jorge Ortiga, e a de 2012 por D. Pio Alves. Através do jornal, procurávamos que todos se sentissem convidados e partilhassem da sua realização.

Para angariar assinantes, percorremos a diocese. Nas celebrações dominicais, apelávamos à assinatura da VP. No final, havia sempre quem nos procurasse para levar o cupão de inscrição que, depois, entregava na paróquia. Muitos dos já assinantes enalteciam a utilidade da página da liturgia para as reuniões de leitores. E ajudavam-nos a convencer os amigos. Por isso, nas palestras, passámos a acentuar a importância dessa página para a vivência dominical. Eu mesmo a utilizava nas reuniões de leitores que dinamizava na minha paróquia. Sabíamos que, noutras dioceses, havia leigos que dela se serviam na preparação das celebrações a que presidiam quando o sacerdote não podia estar presente.

Visitámos cerca de noventa paróquias e falámos em mais de centena e meia de eucaristias e outras celebrações. Na secção “Falando de nós”, dávamos conta dessas visitas. Havia párocos que aproveitavam essa notícia para reforçar o nosso apelo. Foi preciosa a sua colaboração.

No relatório de atividades entregue a D. António Francisco, em 2014, com a identificação das paróquias, até então, visitadas, constava que, entre 2009 e 2013, se inscreveram 1425 novos assinantes. Entre as paróquias nomeadas, estavam as de Nevogilde, Casais e Figueira, em Lousada, de que é pároco o P. José Ribeiro da Mota que escreveu na VP, de 26 de setembro: “Esta apresentação/oferta (dos textos litúrgicos) tem sido, inclusivamente, argumento para incentivar os leitores a tornarem-se assinantes do jornal diocesano”.

Confirmo esta afirmação e faço-o porque eu próprio utilizei esse argumento nas suas comunidades, em 1 de junho de 2013. E louvo a decisão da direção de, “perante as sugestões apresentadas”, retomar “a publicação dos textos litúrgicos”. Bem-haja!

(10/10/2018)

 

quarta-feira, outubro 03, 2018

CANDEIAS DE NOSSA SENHORA



Três meses são passados sobre a morte duma cristã cuja luz não pode ficar debaixo do alqueire (cf. Mt 5,15)

No dia 4 de julho, a crónica do P. Lino Maia, na VP, tinha por título “Obra de Nossa Senhora das Candeias”. E terminava: ”Maria Carolina Furtado Martins foi uma das fundadoras da Obra. Faleceu no dia 1 de julho, nesta cidade em que é verdadeiro ícone da caridade cristã e da solidariedade crente”.

No funeral a que presidiu, D. João Miranda confidenciou: “Não privei muito com D. Carolina. Mas conheci o suficiente da Obra que ela com outras fundou. Quis servir a Igreja nas pessoas dos mais pobres e inventou uma fórmula de o conseguir, consagrando a vida e a de muitas das suas companheiras ao trabalho do Evangelho. À semelhança de Maria, D. Carolina disse SIM à vontade de Deus, não se negou nem poupou em esforços.“ 

Era estudante quando comecei a admirar três Professoras de Moral, conhecidas apenas pelo nome próprio: Carolina, Rogélia e Érica. E isto aconteceu quando, nos primeiros anos da década de sessenta, um grupo de seminaristas - com o incentivo do seu reitor, P. Miguel Sampaio e o apoio de D. Florentino - abriu a igreja de S. Lourenço (dos Grilos) aos moradores do bairro da Sé, um viveiro de gente pobre que lhe ficava à ilharga e criaram um parque infantil onde as crianças das redondezas brincavam sob o olhar atento duma “madrinha”. Quanto lhes agradou esta iniciativa juvenil e como a acompanharam!

A minha admiração foi crescendo à medida que fui conhecendo como se entregavam de alma-e-coração a ajudar e promover as alunas mais pobres e mais vulneráveis. E faziam-no à custa dos seus parcos recursos económicos. Doação total… Era o início da Obra de Nossa Senhora das Candeias.

Tudo o que a Igreja fazia para valorizar os mais necessitados merecia a sua atenção e apreço. Com que entusiasmo acompanharam os alvores da “Obra Diocesana de Promoção Social”!

Primícias do Vaticano II, estas duas Obras de Igreja nasceram, bem próximas no tempo e no espírito.

Apraz-me registar o que, no ano passado, escreveu o presbítero que acompanhou a Obra Diocesana nas suas origens: “A partir de 3 de novembro de 1964, passei a viver no bairro do Cerco do Porto. Quem me mobilou a casa foram as senhoras da Obra de Nossa Senhora das Candeias a quem muito agradeço pelo seu testemunho de serviço aos pobres, pela sua simplicidade de vida e até porque, nos meus primeiros tempos em que vivia sozinho, era a uma das suas casas que ia almoçar, gratuitamente. A pobreza evangélica foi a marca que deixaram na minha casa. Ainda em finais de 1972, D. António se admirou com as estantes de tijolos em que guardava meus livros”

Termino com o apelo que D. João Miranda deixou no final da sua homilia: “Dona Carolina acendeu uma CANDEIA. Não seja ela apagada”.

(2/10/2018)