O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 24, 2021

SANTO NA POLÍTICA

Nasceu em 29 de junho de 1886 e faleceu em 4 de setembro de 1963. No dia 16 de junho, com a autorização do Papa Francisco, a Congregação para a Causa dos Santos iniciou o processo de beatificação de Robert Schuman cujas “virtudes heroicas” são inerentes à sua atividade e compromissos no campo da política. Esta valorização da política como caminho de santidade, fez-me recordar alguns números do Capítulo V- “A Política Melhor” - da Fratelli Tutti: 176 - “Poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política? 180 - “Convido uma vez mais a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosos de caridade, porque busca o bem comum.” 197 - “A política é mais nobre do que a aparência, o markting, as diferentes formas de maquilhagem mediática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador, incapaz de apelar para um projeto comum.” E quem foi Robert Schuman? Nasceu no Luxemburgo. Católico convicto, fez da sua atividade política “um apostolado”. No dizer dum seu conhecido, era “o tipo de verdadeiro democrata, imaginativo e criador, combativo na sua doçura, sempre respeitoso da pessoa, fiel a uma vocação interior que dava sentido à vida”. Sonhou, juntamente com Jean Monet, com uma Europa sem fronteiras. A Alemanha, que saíra arrasada da Primeira Guerra Mundial (1914 -1918), passados apenas 21 anos (1939) já detinha um poderio militar tal que lhe permitiu invadir a Polónia dando origem à 2ª Guerra Mundial (1939-1945). E isso só foi possível graças às grandes jazidas de carvão e ferro do vale do Ruhr e ao aço das famosas Fábricas Krupp. Urgia retirar essas produções ao controlo alemão. E assim, em 9 de maio de 1950, Schuman, já ministro dos Negócios Estrangeiros da França, fez uma declaração propondo a criação da Comunidade Europeia do Carvão e Aço (CECA) que visava instituir um mercado comum destes produtos entre os seus fundadores: França, República Federal da Alemanha, Itália e países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Apenas algumas ideias da proclamação que a história consagrou com o seu nome – “Declaração Schuman” - A comunitarização das produções de carvão e de aço mudará o destino das regiões durante muito tempo condenadas ao fabrico de armas de guerra, das quais constituíram as mais constantes vítimas. - A solidariedade de produção assim alcançada revelará que qualquer guerra entre a França e a Alemanha se tornará não apenas impensável como também materialmente impossível. - Esta produção será oferecida a todos os países do mundo sem distinção nem exclusão, a fim de participar na melhoria do nível de vida e no desenvolvimento das obras de paz. Assim se realizará a fusão de interesses indispensável à criação de uma comunidade económica e introduzirá o fermento de uma comunidade mais vasta e mais profunda entre países durante muito tempo opostos por divisões sangrentas”. Logo em 23 de julho de 1952, nascia a CECA, a primeira instituição supranacional que está na origem da União Europeia. A ela se deve, em grande parte, o mais longo período de paz entre países que a Europa viveu na sua já longa história. (24/11/2021)

quarta-feira, novembro 17, 2021

A FAMÍLIA E A SAÚDE MENTAL DAS CRIANÇAS

A propósito do ‘Dia Mundial da Saúde Mental’ em 10 de outubro passado, o “Diário de Notícias” publicou o elucidativo artigo “A saúde mental constrói-se desde cedo”, assinado pela pedopsiquiatra, Dra. Sara Melo. Dada a sua oportunidade e interesse, é com vénia que dele me faço eco. A autora revela-se preocupada face aos resultados de um estudo da ‘OMS’ envolvendo 6000 adolescentes portugueses que ”revelam um preocupante decréscimo global da sua saúde mental e física”. Faço-me silencioso e deixo-vos com a médica jovem que, à competência profissional, alia a experiência de mãe de três filhos ainda menores. - Começa por alertar os pais para a necessidade de “estar atentos a mudanças no humor, no comportamento ou nas rotinas dos filhos e procurar a ajuda de um profissional de saúde” porque ”a ciência tem vindo a demonstrar que a saúde de um adulto é influenciada por acontecimentos e vivências nos primeiros anos de vida e, até mesmo, antes do nascimento. Isto diz respeito não só à saúde física - hábitos alimentares, acidentes, atividade física - como também à saúde emocional e desenvolvimento psicoafectivo”. - Demora-se especialmente nos tempos da primeira infância, uma vez que “os dois primeiros anos de vida são a fase em que o desenvolvimento humano é mais rápido: neste período, a criança cresce, adquire a marcha autónoma, a fala e inicia a socialização. Por outro lado, sendo um período de vida em que a dependência do meio é maior, é também uma das fases de maior vulnerabilidade e que pode condicionar o percurso do bebé que irá crescer e será um adolescente e um adulto com mais ou menos saúde mental”. - Descendo ao campo do concreto, esclarece: “Um dos aspetos mais importantes para promover a saúde mental na infância e adolescência, é saber conhecer e compreender a criança em crescimento. Conhecer a criança é saber o que esperar em cada fase de desenvolvimento e conseguir interpretar o seu comportamento. É perceber quando alguma queixa corresponde a algo normativo, típico de uma fase de desenvolvimento e, por isso mesmo, sem significado clínico e, por outro lado, estar atento a comportamentos que se mantêm por várias semanas ou meses, que são demasiado intensos ou que interferem de forma muito importante no funcionamento da família”. Esta destrinça entre normalidade e anormalidade de comportamentos é fundamental para um sadio crescimento da criança sem ansiedades nem frustrações. - Termina com um conselho. “Os pais devem procurar ajuda sempre que se sentirem preocupados, com dúvidas ou angustiados em relação a algum comportamento do seu filho, independentemente de este corresponder a um mal-estar ou a um sinal mais patológico. Pais angustiados são pais ansiosos e isso, por si só, vai interferir na relação com a criança de forma importante. Estar atento a mudanças no humor, no comportamento, nas rotinas dos filhos e procurar ajuda atempada junto de um profissional de saúde, sem se invadir por sentimentos de incompetência, vergonha ou medo, são a rampa de lançamento para uma vida adulta com saúde mental. E lembrem-se: não há saúde física sem saúde mental”. E veio-me à mente as palavras que o Papa Francisco escreveu no twitter no Dia Mundial da Criança e do Adolescente convocado pela Unicef: “Toda a criança precisa ser acolhida e defendida, ajudada e protegida desde o ventre materno”. (17/11/2021)

quarta-feira, novembro 10, 2021

'UM CRISTÃO LAICO'

Faleceu faz hoje dois meses. “Outros tempos… ”- disse-me o amigo Ribeiro da Silva após ter lido a caixa de primeira página da VP (19/9) “CEP lembra vida plena de humanidade de Jorge Sampaio” e o comunicado da página 14: “Uma vida dedicada à solidificação da democracia, à defesa dos direitos humanos e ao serviço da causa pública.” E eu confessei o meu agrado por ter visto D. Manuel Clemente no seu velório. Entre os muitos testemunhos, um houve, publicado em 7Margens (24/9), que mereceu especial atenção. Foi escrito por Fernando Gomes da Silva, seu amigo desde o ensino primário, que o acompanhou nas lutas académicas da década de sessenta e na vida política como membro do XIII Governo Constitucional. Provocado pelo título – “Jorge Sampaio, um cristão laico” – fui em busca da justificação e encontrei-a nestas palavras: “Era um “laico cristão” em tudo o que esta expressão possa ter de estranho, mas inteiramente verdadeiro. Era laico, referindo-o de si próprio, sem nunca o ter ouvido dizer ser agnóstico. Era cristão pelo seu exemplo de vida, pessoal e pública, como muitos testemunhámos, aqueles que viveram atentos à coisa pública nos últimos 30 anos. Como escreveu Leonete Botelho no Público (dia 10 do corrente) ‘Jorge Sampaio conseguiu fazer todo o seu longo percurso de vida pública e brilhante desempenho político sem ceder ao cinismo nem abdicar do humanismo e do sentido de missão que deve nortear a política’. Não existirão muito mais fortes expressões para qualificar as virtudes cristãs de um político”. Para confirmar estas suas afirmações, realça, entre outros factos bem conhecidos, “o seu labor, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, deixando a marca indelével para o fim dessa chaga social que era, à data, o Casal Ventoso e as suas barracas. Terminar com as condições degradantes de habitabilidade que aí se viviam, transferindo as suas populações para uma habitação condigna, é uma tarefa profundamente cristã”. E reforça a sua convicção com a consonância entre a vida do amigo e as palavras do Papa Francisco: “Jorge Sampaio demonstrou, permanentemente, ao longo da sua vida pública, esta constante preocupação com “o outro”, escolhendo sempre os mais desprotegidos, os mais pobres, os mais débeis socialmente, ao fim e ao cabo, aqueles que não têm vez, nem voz. Os pobres tão incessantemente lembrados pelo Papa Francisco. Síntese maravilhosa de vida em benefício do outro”. A terminar, enfatiza: “E tudo isto vem de um Homem que se afirma laico. Que grande lição de cristianismo, na linha da mais pura doutrina. É na carta de S. Tiago (Tg, 2, 17,18) que podemos ler “Assim também a Fé: se ela não tiver obras está completamente morta. Mais ainda poderá alguém alegar sensatamente: Tu tens a Fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua Fé sem obras, que eu pelas minhas obras te mostrarei a minha Fé”. E conclui: “Jorge Sampaio, talvez sem nunca se ter apercebido, era afinal um Homem de Fé. Um laico cristão!!!” E eu fiquei a pensar no alerta que o Papa Francisco nos deixa, no número 74 da ‘Fratelli Tutti’: “ O paradoxo é que, às vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do que os crentes”. (10/11/2021)

quarta-feira, novembro 03, 2021

CASA DA CONSCIÊNCIA

“Este homem foi um santo.” Assim disse D. António Monteiro, bispo de Viseu (1988-2004), junto do seu túmulo em Cabanas de Viriato. Em 17 de junho de1940, dia em que, por razões de consciência, abriu o consulado de Bordéus para conceder vistos a milhares e milhares de judeus, e não só, Aristides Sousa Mendes disse: “Mesmo que me destituam, só posso agir como cristão, como me dita a minha consciência; se estou a desobedecer a ordens, prefiro estar com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus.” Em 17 de junho de 2020, o Papa Francisco, perante bispos de todo o mundo, declarou: “Hoje é o Dia da Consciência, inspirado no testemunho do diplomata português Aristides de Sousa Mendes, que há 80 anos decidiu seguir a voz da consciência. É um dia que marcará a história da humanidade”. E acrescentou: “O seu exemplo deve servir para que a liberdade de consciência seja respeitada sempre e em todo o lado e que cada cristão possa dar mostras de coerência com uma consciência reta e iluminada pela palavra de Deus!” E quem foi este cristão que, por dever de consciência, sacrificou a sua vida e a dos seus? Por ter desobedecido às suas ordens, Salazar exonerou-o sem qualquer reforma, impedindo-o de exercer a advocacia e proibindo os filhos de frequentar a Universidade. Sem dinheiro, recolheu-se à sua “Casa do Passal” em Cabanas de Viriato, onde, no inverno para se aquecer, disse-me um seu vizinho, chegou a queimar alguma da mobília. A casa acabaria por ser vendida para saldar dívidas. Morreu em Lisboa, em 1954, "pobre e desonrado". Já em 2005, no livro de história “A Grande Viagem” cuja autoria partilho com Fátima Silva, escrevemos, sob o título Um Homem com H grande: “Nasce em 19 de julho de 1886, em Cabanas de Viriato. Em 1938, é nomeado cônsul em Bordéus (França). É nessa cidade que se encontra quando rebenta a Segunda Guerra Mundial (1939); é aí que se vai jogar a sorte de muitos fugitivos aos horrores da guerra, às perseguições e campos de concentração nazis; é também aí que Sousa Mendes pôs a nu as suas qualidades humanas”. No dia 19 de junho, escrevi no facebook: “Fomos de alongada até Cabanas de Viriato para prestar homenagem ao "Herói da Humanidade", cônsul em Bordéus, que, contrariando as ordens de Salazar, concedeu vistos de entrada em Portugal que salvaram a vida de cerca de 30 mil refugiados. A sua casa que, quando a visitei em 2011, estava em grande ruína, agora já foi restaurada no exterior, mas o interior continua em triste abandono”. Já, em 2011, lá tínhamos estado nas vésperas do 57.º aniversário da sua morte, como dei conta na VP (23/3/2011): “Fui até Cabanas de Viriato à procura de memórias deste herói a quem o “Memorial do Holocausto”, construído em Jerusalém, honra com o título de“ Justo entre as nações”. (…) Estou a evocar este Português Maior, no dia (19/10/2021) em que, em cerimónia presidida pelo Presidente da República, a sua memória foi solenemente acolhida no Panteão Nacional com o descerramento da lápide: “ARISTIDES SOUSA MENDES -1885 – 1954 - JUSTO ENTRE AS NAÇÕES – DIPLOMATA”. Apenas uma pergunta… - Se o Papa Francisco criou o “Dia da Consciência” em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, porque não fazer do solar onde nasceu e viveu a “Casa da Consciência”? (3/11/2021)