O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 24, 2018


 

HÁ GESTOS BONITOS…
 

Hoje, quero partilhar convosco dois desses gestos. O primeiro descobri-o na Monografia - 2017 “Baguim do Monte – a Terra e as Gentes”, editada pela Junta de Freguesia. Nela, as autoras, Fátima Silva e Olga Castro, realçam o papel da Igreja como pioneira e catalisadora da identidade local. Fazem-no, logo no capítulo “Passo a passo… A autonomia”, quando afirmam: “Apesar de ligada administrativamente e religiosamente a Rio Tinto, já há muito que a capela de Baguim cumpria missões que, em geral, pertencem às igrejas.” E apresentam, com fotografias, os três párocos da jovem paróquia criada em 6 de junho de 1964, lembrando que os dois primeiros deram nome a dois arruamentos da freguesia: P. Camilo Bessa e P. António Borges. Este, “que orientou por cerca de 40 anos os destinos da paróquia”, foi a primeira “figura de Baguim” a ser condecorada com a Medalha de Honra pela Junta de Freguesia. A paróquia mereceu igual distinção, em 2014. É de salientar que, até hoje, apenas foram atribuídas três medalhas de honra, sendo duas dedicadas à Igreja. As autoras deram também grande relevo ao Centro Social e Paroquial de Baguim do Monte que “nasceu do sonho de um homem, de um pároco, António Borges…” E não esqueceram o pároco atual, P. Lucindo, de quem transcrevem “extratos de uma entrevista dada em 2011”.

O segundo gesto respiguei-o duma carta enviada por uma paróquia ao antigo pároco que dizia: “A Comissão… deliberou por unanimidade levar ao seu conhecimento o teor integral da sua acta n.º 93.

«Atendendo a que - a todo o trabalhador por conta de outrem é obrigatório o pagamento do 13.º mês e um subsídio de férias; - a nova organização económica da paróquia funciona há vários anos; - mercê dessa organização, a Paróquia tem amealhado, neste momento, uma assinalável quantia; - sem essa organização, essa verba poderia não existir; - o pároco viveu sempre com um ordenado ridículo; - só de há três anos para esta parte lhe foi concedido o chamado 13º mês; - nunca lhe foi concedida qualquer verba, a título de subsídio de férias, a fim de poder custear as despesas com as suas idas, todos os anos, para umas termas; - chegou a deslocar-se dessas termas, a esta paróquia, apenas a expensas suas, por não se conseguir sacerdote para celebrar determinadas Missas:

- Propomos que lhe seja concedida uma gratificação que de certo modo compense a perda do 13º mês e a perda dum subsídio de férias.”

 E a carta, assinada também pelo novo pároco, terminava com um «Muito obrigado».

Quando alguns meios de comunicação social procuram expandir até á exaustão possíveis conflitos paroquiais, importa que gestos como estes sejam valorizados e conhecidos. Significam memória, reconhecimento, gratidão.

Só assim, a Igreja será “fermento de esperança”. (24/1/2018)

quarta-feira, janeiro 17, 2018


TENHO O TEU NOME
 
“Eu também me chamo Francisco… António Francisco.” Quatro meses são passados e a ternura destas palavras continua a emocionar-me.

A Associação Nun’Álvares de Campanhã nasceu, em 6 de novembro de 1934, à sombra da Igreja. Esta matriz fundacional é recordada no dia do seu aniversário com uma romagem ao cemitério onde se presta homenagem ao fundador, P. Domingos Moreira de Azevedo. É também este o espírito que preside à festa de Natal que realça a sua vivência cristã, como aconteceu este ano, com uma sofrida palavra de gratidão a D. António Francisco. Mas este vínculo ganha maior significado na tarde da festa da padroeira quando leva à igreja as crianças do jardim infantil e ATL bem como os idosos do Centro de Dia.
 
 Este ato de louvor a “Santa Maria”, culmina com um momento de amorosa ternura quando cada criança se dirige ao altar e oferece à Senhora de Campanhã a flor que segura em suas mãos pequeninas. É o futuro a sorrir nos seus olhos. –“Eu levei uma cor-de-rosa, avô”, diz a minha neta Clara. E de sentida oração quando, com mãos enrugadas pelo tempo e pelo trabalho, os “mais idosos” colocam flores aos pés da Virgem. O futuro e o passado entrelaçam-se num presente feito de esperança e gratidão.
 

Este ano, D. António Francisco quis participar nesta cerimónia. Quanta felicidade em seus olhos! E que carinho na sua voz! Lembrou que, no primeiro Natal que passou na diocese, veio consoar ao “Natal dos Sós”, na Associação Nun’Álvares a quem louvou e agradeceu por tudo o que tem feito pelos mais pequeninos e pelos mais frágeis.

Na simplicidade da sua palavra, havia ternura e emoção. Como foi surpreendente, ouvi-lo recitar, de cor e com brilho nos olhos, o poema de Fernando Pessoa: “Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças”.

E se as palavras comoviam, mais ainda seus gestos. Com que delicadeza dava a mão aos idosos que tinham dificuldades em abeirar-se do altar! E com que delicia recebia os abraços das crianças. Quando os mais pequeninos se lhe agarravam ao pescoço, era um avô que os acolhia. Muitos dos que ali estávamos éramos avós para quem os netos são rebuçados que nos adoçam vida…. Como nos sentíamos irmanados…Como lhe ficámos gratos!
 

À saída, como gostava de fazer, foi distribuindo sorrisos e cumprimentando toda a gente. Ao passar por mim, deu um abraço ao meu neto e disse: - “Tu és o Francisco. Sabes, eu também tenho o teu nome. Chamo-me António Francisco”. E sorriu com o encanto que só ele tinha. Três dias após, partiria para a Casa do Pai. Foram estas as últimas palavras que lhe ouvi. Este foi o último sorriso que lhe vi. Jamais esquecerei. “Quem meus filhos beija…” (17/1/2018)

quarta-feira, janeiro 10, 2018


HOMENS E MULHERES EM BUSCA DE PAZ
 



Ao visitar uma cidade, gosto de me deixar “perder” pelas ruas, em busca do inesperado. Foi o que aconteceu na última viagem que fiz a Madrid, quando, no Parque do Retiro, fui surpreendido pela exposição Palimpsesto, de Doris Salcedo, uma artista colombiana que tem desenvolvido o seu trabalho em torno do sofrimento dos excluídos. Do chão do “Palácio de Cristal”, construído para exaltar a história de Espanha, brotam gotas de água que, lentamente, se unem até formar nomes de homens e mulheres que, fugindo à fome e à guerra, se afogaram no Mediterrâneo, vítimas dos traficantes da morte e da complacência dum mundo de indiferença. Só em 2017, foram mais de três mil…

 Os nomes que vão aparecendo e desaparecendo impelem-nos a tomar consciência das vidas concretas que se escondem atrás deles e que a morte ceifou para sempre. Estremecemos com os naufrágios que encheram as nossas televisões e que, pouco a pouco, deixam de ser manchete. A violência das imagens vai-nos insensibilizando… num processo inconsciente de autodefesa…

A autora quer representar a violência sem violência. Pensa que só a linguagem poética pode ajudar-nos a descobrir a (sem) razão da violência e, deste modo, contribuir para que a sua experiência não se banalize. A arte pode evitar o esquecimento, ajudando a criar uma relação afetiva, e não apenas emocional, com aqueles que sofrem.

E não há dúvida que o consegue. Bastava ouvir o silêncio religioso e ver o cuidado com que os visitantes pisavam aquele chão sacralizado. E quantos olhos se humedeciam ao tentar descobrir o nome que ia nascendo à sua frente. Eram retângulos e mais retângulos. E em cada um, surgiam e desapareciam nomes. Tudo começava por uma gotícula a que, lentamente, outras se iam juntando em letras que formavam um nome e outro e outro, sucessivamente: Alsaho, Yacouba, Rose, Islam, Alan, Ermias, Mohamede, Adama, Baboucare, Abdulhan, Halilin, Randa, Bizi, Ali, Talu, Sidoo, Ghulam. Não é um anónimo nem uma abstração. É uma pessoa com nome. São múltiplos os nomes que se sucedem mas cada um é único. Não é um número mas uma vida criada e querida por Deus para ser feliz. Com direito a viver, como eu, como cada um dos visitantes. Um coração que, certamente, amou e foi amado. Um ser humano que vinha em busca de um mundo onde pudesse viver e em paz. Alguém que, simbolicamente, vimos nascer, crescer e morrer... Quantas esperanças e quantos sonhos desfeitos… São nomes que nos invadem, interpelam e provocam. Sentimo-nos olhados por dentro.

Como escreveu o Papa Francisco na mensagem para o 51º “Dia da Paz, citando Bento XVI, ” são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz”. (10/1/2018)

 

quinta-feira, janeiro 04, 2018


ESTRELAS QUE NOS ALUMIAM…

 


Em homenagem a D. António Barroso, no início do centenário da sua morte (1918), viajei pelo livro “Os Retratos dos Bispos do Porto na coleção do Paço Episcopal”, em busca de santidade e cuidado com os pobres. E foram muitas as informações que recebi. Partilho algumas:

- D. Frei Gonçalo de Morais (1607-1617) – “piedoso e esmoler…”

- D. Nicolau Monteiro (1671-1672) – “Escolheu dois esmoleres, um para atender aqueles que batiam à porta do seu paço e outro para visitar e socorrer os pobres envergonhados. Deixou um legado de 12 mil cruzados, destinado ao tratamento dos doentes pobres.”

- D. Frei José Saldanha (1697-1708) - “ De tanta virtude e santidade, que, depois de morto esteve três dias exposto ao povo”. Faleceu a 28 de setembro de 1708, no Porto, «com opinião de santo». “Acudiu aos mais necessitados através de esmolas, vestuário e alimentos.”

- D. Jerónimo Rebelo (1843-1854) - “Revelou o seu zelo com os mais desfavorecidos, como os expostos ou com aqueles cujos trabalhos dependia das condições climatéricas.”

- D. Américo (1871-1899) - “Não foi alheio aos problemas sociais dos seus diocesanos, intervindo diretamente na assistência às vítimas de miséria e de calamidades, no apoio à criação e ao funcionamento de instituições de beneficência e na defesa do descanso semanal.”

- D. António Barroso (1899-1918) - “Incita os seus diocesanos a apoiarem diversas instituições, como a Assistência Nacional aos Tuberculosos … e pede-lhes o contributo para situações de calamidade e de subsistência, especialmente no período da 1ª Guerra Mundial”. Entre as muitas instituições que criou, destaca-se a “Associação de Proteção à Infância Bispo D. António Barroso” que se mantém viva e com trabalho de reconhecido mérito.

- D. António Meireles (1929-1942) - “Salienta-se o interesse pelos problemas dos operários e dos presos, o apoio a obras de assistência, creches e infantários, patronatos, cruzadas de caridade, cozinhas económicas.”

- D. Agostinho (1942-1952) - “Atentou às condições de vida dos operários, dos pobres e dos doentes. Nesse sentido, apelou à caridade dos diocesanos e ao papel dos proprietários na criação de novos e melhores postos de trabalho num contexto de vida agravada pela guerra”.

- D. António (1952-1982) – Intrépido defensor dos direitos humanos, foi notória a sua intervenção social já em Castelo Branco com a Acção Social Agrária e a Fraternidade Operária. Em 1956,fundou o Instituto de Serviço Social do Porto. Em 1957, denunciou a “miséria imerecida” das gentes do campo. Após o seu regresso, sempre acarinhou a “Obra Diocesana”, criada por D. Florentino, Administrador Apostólico da Diocese durante o seu exílio (1959-69).

Galeria insigne que nos honra pelo passado e responsabiliza pelo futuro.

Um Ano Bom!

 

(3/1/2018)