O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 10, 2018


HOMENS E MULHERES EM BUSCA DE PAZ
 



Ao visitar uma cidade, gosto de me deixar “perder” pelas ruas, em busca do inesperado. Foi o que aconteceu na última viagem que fiz a Madrid, quando, no Parque do Retiro, fui surpreendido pela exposição Palimpsesto, de Doris Salcedo, uma artista colombiana que tem desenvolvido o seu trabalho em torno do sofrimento dos excluídos. Do chão do “Palácio de Cristal”, construído para exaltar a história de Espanha, brotam gotas de água que, lentamente, se unem até formar nomes de homens e mulheres que, fugindo à fome e à guerra, se afogaram no Mediterrâneo, vítimas dos traficantes da morte e da complacência dum mundo de indiferença. Só em 2017, foram mais de três mil…

 Os nomes que vão aparecendo e desaparecendo impelem-nos a tomar consciência das vidas concretas que se escondem atrás deles e que a morte ceifou para sempre. Estremecemos com os naufrágios que encheram as nossas televisões e que, pouco a pouco, deixam de ser manchete. A violência das imagens vai-nos insensibilizando… num processo inconsciente de autodefesa…

A autora quer representar a violência sem violência. Pensa que só a linguagem poética pode ajudar-nos a descobrir a (sem) razão da violência e, deste modo, contribuir para que a sua experiência não se banalize. A arte pode evitar o esquecimento, ajudando a criar uma relação afetiva, e não apenas emocional, com aqueles que sofrem.

E não há dúvida que o consegue. Bastava ouvir o silêncio religioso e ver o cuidado com que os visitantes pisavam aquele chão sacralizado. E quantos olhos se humedeciam ao tentar descobrir o nome que ia nascendo à sua frente. Eram retângulos e mais retângulos. E em cada um, surgiam e desapareciam nomes. Tudo começava por uma gotícula a que, lentamente, outras se iam juntando em letras que formavam um nome e outro e outro, sucessivamente: Alsaho, Yacouba, Rose, Islam, Alan, Ermias, Mohamede, Adama, Baboucare, Abdulhan, Halilin, Randa, Bizi, Ali, Talu, Sidoo, Ghulam. Não é um anónimo nem uma abstração. É uma pessoa com nome. São múltiplos os nomes que se sucedem mas cada um é único. Não é um número mas uma vida criada e querida por Deus para ser feliz. Com direito a viver, como eu, como cada um dos visitantes. Um coração que, certamente, amou e foi amado. Um ser humano que vinha em busca de um mundo onde pudesse viver e em paz. Alguém que, simbolicamente, vimos nascer, crescer e morrer... Quantas esperanças e quantos sonhos desfeitos… São nomes que nos invadem, interpelam e provocam. Sentimo-nos olhados por dentro.

Como escreveu o Papa Francisco na mensagem para o 51º “Dia da Paz, citando Bento XVI, ” são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz”. (10/1/2018)