O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 21, 2021

PADRE AMÉRICO NA PRIMEIRA PESSOA

O P. Américo nunca teve medo de se expor. Dos seus muitos escritos, selecionei apenas alguns que nos ajudam a melhor o conhecer. - O Homem - “Eu cá tenho uma só casaca. Casaca que não dou, nem viro, nem troco. Agora, se eu disser que me faço tudo para todos, para que todos sejam meus, isso sim. Isso faço.” “Se não fora o bem espiritual que nesta missão se recolhe, eu havia de dizer mal, muito mal da minha vida, por ser obrigado a pedir de porta em porta aquilo que o mundo deve.” - A raiz da vocação - “A Caridade é uma doença que Deus dá no coração da gente; também as pérolas, dizem, são doenças que Deus dá no seio das ostras; toda a beleza e preço vêm da doença, que não do doente. Esta doença gera febre causada pelo mal dos outros e somente a cura deles nos cura a nós.” - O início da Obra - “Eu pedi licença ao então Prelado da Diocese de Coimbra para me deixar visitar e cuidar dos Pobres, que para outra coisa não prestava; em virtude de uma doença que ao tempo me consumia; e ele disse-me que sim.” - O seu objetivo - “Eu acredito nas possibilidades espirituais da fauna das ruas que imerecidamente sofre a fome lenta e o abandono dos responsáveis. Eu desejo levantá-la à altura que lhe compete, dar-lhe o bem a que aspire e sentá-la à mesa com talher completo.” - O Menino da Rua - “O garoto das ruas é um camaleão. Em casa, desobedece; a pedir é choramingas; com os outros, é refilão; nas ruas, é malcriado; às perguntas, é mentiroso. Muda de cor e estilo, conforme os lugares e as circunstâncias. Porém, se ele percebe e sente que alguém no mundo o ama, quer amar também e é fiel.” - A Casa do Gaiato - “É uma obra eminentemente social e familiar. Não tem pautas nem estatutos nem regulamento – nem orçamento. Os mais crescidos vão roçar mato, de manhã cedo, com o almoço numa cesta de vime; e comem quando bem lhes apetece, à maneira dos trabalhadores. O rapaz assim, à vontade, é espontâneo, encantador.” - O jornal ‘O Gaiato’ - “’O Gaiato’ foge à ortodoxia social: não vai buscar gente de fora para fazer a festa. O artigo de fundo que deveria ser, no dia de hoje, encomendado a um ‘senhor doutor’, é escrito por um deles (gaiatos).” - O Barredo – bem perto da loja de ferragens, na rua de Mouzinho da Silveira, nº 112, para onde o jovem Américo veio trabalhar aos 15 anos quando conheceu o P. Coelho da Silva que, mais tarde, bispo de Coimbra, o viria a ordenar presbítero - “é terra de Heróis, de Mártires e de Santos. Nós somos a vulgaridade.” - Vida Cristã - “Oh! Não queiras ser tu insensato, trocando pelo amor a Deus o amor que deves ao teu semelhante. Pois muito bem pode acontecer que tu sejas um ‘mentiroso’ quando bates no teu peito e dizes que amas muito a Deus, sem quereres saber dos que batem à tua porta por necessidade. Olha para as feridas dos teus irmãos e medita, que talvez elas hajam sido feitas justamente por via desse ‘teu amor’ a Deus – e daí vem a mentira que tu és.” - A sua vida - “E aquela pequena moeda de prata, que alguém na ‘Baixa’ me deixou cair nas mãos, resposta misteriosa a idêntica moeda que naquele mesmo instante eu deixara cair nas mãos de outrem! São transacções feitas ao ar livre, sem aluguer de casa nem imposto ao Salazar, para assim dar por inteiro tudo quanto recebo.” Em síntese… O Venerável P. Américo era, como ele próprio se definiu, “um revolucionário pacífico, um pobre que sangra, um pai que chora, um português que ama”.(21/7/2021)

quarta-feira, julho 14, 2021

FAZ HOJE 65 ANOS...

S. Martinho de Campo, Valongo, 14 de julho de 1956. A tarde corria rotineira naquela terra de lavradores que regavam as agras da beira-rio e de mineiros que, a golpes de picão, arrancavam ‘pedra negra’ no ventre da terra. De repente, a notícia caiu como uma bomba e, rapidamente, invadiu os milheirais que debruavam o rio Ferreira, desceu às profundezas das pedreiras de ardósia e fez estremecer todas as famílias, também a minha: –“O Senhor Padre Américo teve um desastre em frente à casa do Ti’Alberto da Chã”. - “Morreu”. - “Foi muito mal para o hospital”. As notícias gritavam contraditórias e confusas. À noite, fez-se romaria para ver o local do desastre – hoje, assinalado por uma‘alminhas’ com flores sempre frescas - e saber o que se tinha passado. E chegou a confirmação: -“ O Padre Américo não morreu mas está muito mal”. Viria a falecer dois dias mais tarde no hospital de Santo António. E “o povo, o mais humilde e abandonado, saiu à rua, enlouquecido pela dor” (JN). Na homilia da Missa que celebrou por convite das Obras de Apostolado do Porto, D. António Ferreira Gomes começou por dizer: “Morreu o Padre Américo. Morreu como viveu: apressadamente, inesperadamente, a tratar dos outros, e pelo coração. Morreu; e vive ainda. A sua alma vive em Deus, como piamente confiamos, e a sua atividade vital continua-se na sua obra”. Exaltou o sentir do Porto que se expande na gratidão: “A sua morte cercou-se dum ambiente emotivo e o seu enterro somou-lhe um caracter triunfal, que nos habituámos a considerar doutras eras, que quase não achávamos possível nos tempos pequenos que vivemos. Tudo isto, em verdade e em certa medida, nos remiu da pequenez dos tempos.” Com ressonâncias linguísticas, afirmou que a sua vida: “resume-se toda naquela evolução fonética e semântica, evolução que, na boca dos gaiatos e dos seus sacerdotes, de Padre Américo fez Pai Américo. Padre Américo – Pai Américo. O apóstolo dos tugúrios, o criador da Obra da Rua, do Património dos Pobres e do Calvário, foi grande no amor do próximo porque foi grande no amor de Deus. É das Tábuas da Lei, que não podem ser invertidas nem convertidas”. E continuou: “Como a mãe toma nos braços o filho do seu amor e das suas esperanças e o levanta bem alto para o oferecer a Deus e ao futuro, assim também em certos momentos tomamos nas mãos da nossa consciência os sonhos e esperanças, os projetos e ambições, o tudo que somos e o mais que queremos ser, tomamos na mão esse como infinito de imagem e semelhança e oferecemo-lo – que esse seja sempre o caso!- oferecemo-lo à assunção no Infinito substancial. São momentos que encerram vidas, são momentos de eternidade. Está aí o sinal que dá sentido à vida. Aí, a cruz de todos as coordenadas, aí, o centro imóvel da revolução do mundo. União com Deus, contacto com o Essencial, prisão ao Eterno: assim a vida passageira, em toda a sua contingência, se pode tornar vida eterna”. D. António terminou com um apelo: “Fixemos esta imagem de Padre Américo, que, assim, fixamos a sua imagem de eternidade! Que essa imagem seja fecunda em seguidores e imitadores” Que enlevo espiritual despertou em mim a leitura integral desta homilia!... (in É tempo de falar do Padre Américo). Padre Américo e D. António Ferreira Gomes, dois filhos de Penafiel que honram a Igreja e engrandeceram o nosso País. (14/7/2021)

quarta-feira, julho 07, 2021

ERA UMA VEZ...

Tempos atrás, a RTP transmitiu a Eucaristia da paróquia de Fonte Bastardo, Açores, uma terra de que só conhecia o nome pela sua equipa de voleibol. Na homilia, o celebrante fez uma ‘síntese inculturada’ da Palavra e terminou com uma parábola. “Um chinês faleceu e foi para o céu onde foi recebido por São Pedro que lhe disse:- ‘Tu vais para o céu porque durante a vida foste um bom homem. Choraste com os que estavam tristes, alegraste-te com os que sorriam. Aproximaste-te de quem precisava… Mas, antes de entrares na porta do céu, vou abrir a porta do inferno para veres o que lá se passa”. Abriu. E o que viu ele? Um amplo salão e, no meio, uma mesa redonda enorme. No centro da mesa, um prato de arroz chau-chau. À volta da mesa, sentavam-se várias pessoas que, para chegar ao arroz, usavam uns paus muito grandes - como sabeis, os chineses comem com pauzinhos. Mas, como os paus eram muito maiores que os braços, não conseguiam meter o arroz na boca e este caía-lhes pelas costas abaixo. Estavam a morrer de fome e não conseguiam comer por mais que se esforçassem. Ninguém pode morrer duas vezes e elas já tinham morrido uma vez…Era o desespero. Depois, S. Pedro abriu-lhe a porta do céu. E o que viu? O mesmo salão, a mesma mesa, o mesmo prato de arroz, os mesmos paus, o mesmo número de comensais sentados ao redor da mesa. Tudo igual ao inferno, apenas com uma diferença. Cada pessoa, quando levantava o arroz, em vez de o trazer para a sua boca, metia-o na boca do que estava à sua frente. E assim todos comiam. Estavam contentes. Partilhavam a comida e os sorrisos. Era a felicidade.” Deixou-nos a refletir. É bom trazer da Eucaristia dominical um pensamento que nos ilumine a semana… Na Oração Eucarística, quando nomeou o bispo local, D. João Lavrador, recordei os seus artigos na VP e as visitas à ‘nossa’ livraria na rua de Santa Catarina, para consultar as ‘Novidades’ que o Teixeira Coelho mantinha bem atualizadas. Como eram proveitosas as tertúlias que, espontaneamente, se formavam em que até participavam pessoas que passavam na rua e, ao vê-lo, entravam na livraria. Um amigo que, em 13 de fevereiro de 2011 - 2º “Dia da Voz Portucalense” e 90º aniversário de “A Voz do Pastor”- presidiu, por delegação de D. Manuel Clemente e com a presença de D. Serafim, à Eucaristia que superlotou a ‘Casa Mãe da Diocese’. No final, num gesto de homenagem e gratidão, entregou os diplomas elaborados pelo jornalista Marques da Cruz: ‘Assinante de Ouro’ (assinantes com 50 anos de assinatura), ‘Assinante de Prata’ (25 anos), ‘Assinante de Cristal’ (15 anos), ‘Assinante Dedicado’ (início de assinatura entre 1987 e 1995), ‘Primícia da Voz Portucalense’ (assinatura em 2010), ‘Assinante Divulgador’ (com novas assinaturas em 2010) e ‘Semente de Esperança’ (novos assinantes com menos de 18 anos). Foi o único bispo não residencial a presidir a um “Dia da Voz Portucalense”. Nos seis restantes, a presidência foi assumida por D. Manuel Clemente em 2010, 2012 e 2013, sempre na Catedral e por D. António Francisco em 2014 na Catedral; em 2016 na igreja de Santo Ildefonso onde se iniciou o cortejo litúrgico da entrada de D. António Barroso no Porto; em 2017, fez domingo quatro anos, no Monte da Virgem, santuário que o nosso ‘Bispo Venerável’ tanto acarinhou. Gratas recordações. (7/7/2021)