O Tanoeiro da Ribeira

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Vestindo corações de afectos

E quem é o meu próximo?
Jesus então disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó e caiu despojado nas mãos de ladrões, que o despojaram. (…) Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos ladrões? Respondeu o doutor: Aquele que usou de misericórdia
.” Lc 10, 29-37

A Obra Diocesana, desde o seu início, fez-se “próxima” daqueles que tinham sido despojados das suas casas, dos seus amigos, dos seus nichos afectivos de convivência. E fez-se junto deles para com eles humanizar os novos espaços habitacionais.
A Obra escolheu o Bairro do Cerco do Porto para iniciar o seu trabalho junto das populações: porque era um dos maiores bairros e porque estava, à data, a ser ocupado por famílias vindas das mais diversas partes da cidade. Famílias que se sentiam totalmente desenraizadas e onde o vizinho não conhecia o do lado. Era essa a política da época: desfazer as comunidades humanas que viviam nas ilhas, dispersando-as pelos múltiplos bairros da Cidade.
É sintomático que, nas primeiras reuniões que, bloco a bloco, a Obra realizou para detectar as principais necessidades do bairro, tenha surgido, à cabeça, o desejo de um espaço de convívio. Assim nasceu a “Comissão do Centro de Convívio” que abriu um Centro de Convívio numa cave do bloco 19. Foi a primeira realização no bairro que se tornou pólo gerador de Comunidade. Era lá que os moradores se encontravam para tomar um café ou assistir aos programas da televisão. Os corações foram-se vestindo de afectos… e as amizades foram-se cruzando e enraizando.




O sacerdote responsável pela Obra, foi viver para uma casa do bloco 15. Passou a ser um vizinho entre vizinhos. Normalmente, usava uma capa sobre a batina eclesiástica. As crianças acotovelavam-se debaixo da sua capa. Algumas delas eram bem traquinas… O sacerdote a todas afagava. Quantos, ainda agora, já com mais de cinquenta anos, recordam com saudade esses passeios debaixo da capa.


A “Casa dos Rapazes”, lugar de convívio dos jovens, tornou-se mais um pólo fazedor de “proximidade”. Ainda hoje são muitas as amizades que permanecem. Quantos casamentos nasceram dos encontros dos jovens nas muitas actividades que a Obra desenvolvia. Os afectos fizeram-se “Amor” e uniram corações para toda a vida.



A “Sala de Estudo”, e o “Jardim Infantil” e as “Colónias de Férias”… Quanta afeição se foi gerando. Como diz o ditado popular: “Quem meus filhos beija, minha boca adoça…” A Obra nasceu do espírito maternal da Igreja e fez-se coração junto dos mais desprotegidos.
Este coração foi crescendo, à medida que a obra, qual árvore benfazeja, foi estendendo os seus ramos pelos muitos bairros da Cidade. Diversificaram-se os serviços, multiplicaram-se os trabalhadores, os utentes, os amigos mas o mesmo coração continua a animar e a ritmar todo o seu trabalho.
Como me congratulo com o carinho que a Obra dedica à Terceira Idade! Quem passou a vida a aconchegar os outros bem merece o nosso afecto.
Quanto me alegro, volvidos mais de 45 anos, ver como a Obra Diocesana cresceu e como continua a vestir de afectos o coração de quantos nela trabalham ou dela beneficiam.

Receber é bom. Dar é melhor. Dar-se é ainda melhor. Dar-se com ternura e alegria é SUBLIME.

Um coração bom num olhar sereno

Pe. Augusto Nogueira de Sousa
A freguesia de Gandra, Paredes, sempre foi um alfobre de vocações sacerdotais. O mais conhecido será, certamente, Monsenhor Moreira das Neves que soube iluminar a sua vida com o ouro da poesia. Não é ele, porém, que agora quero evocar, mas sim um sacerdote de quem, aquando da sua morte em 1987, um jornal noticiava: “ A sua memória ficará para sempre na história da Igreja de Cabo Verde que sempre serviu.” Apesar de não ser sacerdote diocesano, mereceu ter no seu funeral a presença de D. Joaquim Gonçalves, Bispo Auxiliar de Braga, no seminário de Fraião onde falecera e de D. José Pedreira, Bispo Auxiliar do Porto, à chegada à sua terra natal onde está sepultado.

Conheci-o num Natal, já lá vão muitos anos, e a sua evocação ainda hoje me traz à alma um sentimento serenidade e de paz. À finura de trato e à doçura de carácter, aliava o entusiasmo da paixão: pelas missões e pelas gentes de Cabo Verde. Ao lembrar-me dele, saltam-me à mente as palavras: “ Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra” (Mt 5, 5)

Nascera no seio de uma família numerosa e profundamente cristã. Eram seis irmãos, entre os quais o Pe. Joaquim Nogueira de Sousa que foi Pároco de Tresouras e Loivos da Ribeira, Baião, de Parada de Todeia, Paredes, e de S. Martinho de Campo, Valongo.
Tinha apenas dez dias de vida quando seus pais morreram. Valeu-lhes o coração grande de uma tia que renunciou ao casamento para ser “mãe” daqueles seus “sobrinhos-filhos”.
Frequentou os seminários do Espírito Santo. Foi ordenado em 1942.




Logo em 1943, partiu para Cabo Verde, onde trabalhou até 1978, ano em regressou a Portugal para se tratar das enfermidades que o consumiam. Foi o grande reorganizador da Diocese de Santiago de Cabo Verde (Praia) que entrara em colapso após o encerramento do seu seminário em tempos da 1ª República.
Missionário ambulante, percorria todas as ilhas, arriscando a vida em frágeis embarcações e dormindo, por vezes, em simples esteiras em chão de terra batida.
Exerceu quase todos os cargos eclesiásticos, desde Pároco até Reitor do Seminário, Vigário Geral e, mesmo, Administrador Apostólico da Diocese.
A sua cordialidade e a sua cultura granjearam-lhe o respeito de todas as autoridades do Arquipélago. No período de transição da soberania portuguesa para o PAIGC, foi um interlocutor privilegiado no diálogo da Igreja com as novas autoridades. Como dizia o citado jornal: “ Foram tempos difíceis mas, se a Igreja hoje em Cabo Verde goza de um certo respeito e liberdade de acção, a ele muito o deve.”
Quando ouço louvar o regime cabo-verdiano como um exemplo de democracia nos PALOPs, penso que será, ainda, um fruto das sementes de fraternidade lançadas pelo Pe. Augusto. A sua presença na Igreja Cabo-Verdiana prolongou-se através dos seus discípulos de que realço D. Paulino Évora que, de 1975 a 2009, foi Bispo da Diocese da Praia. Conheci-o, se a memória não me atraiçoa, era ainda seminarista espiritano, na casa paroquial de Campo onde, como outros colegas cabo-verdianos, passava parte das suas férias. Com que ternura, o Pe. Augusto tratava os “seus seminaristas”. Deixo, também, uma palavra de apreço para o Pe. Nogueira que sempre acolheu em sua casa estes “filhos” do seu irmão Augusto.
Obrigado, Pe. Augusto, pela BONDADE do seu Coração e pela ALEGRIA da sua Fé.

terça-feira, dezembro 15, 2009

“Quando alguém nasce…”

Foi no dia dez de Dezembro. Fazia 61 anos que a ONU publicara a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Ia de carro, quando ouvi os “Delfins” cantar: “Quando alguém nasce, nasce selvagem”, e fiquei a pensar: afinal, o que é o homem?

- “ um ser bio-psico-social”; “síntese de finito e infinito” - responde-me a Razão.
- Imagem de Deus a quem chama Pai - acrescenta-me a .
Nascemos animais, sujeitos ao instinto da sobrevivência. O mundo será o reino da competição onde os indivíduos lutam ferozmente para assegurar os bens necessários à sua sobrevivência. Imperará a “lei da selva”, a lei do mais forte onde “o homem é o lobo do homem”.
Mas, ao nascer, o homem traz em si a matriz da humanidade, como ser espiritual, dotado de razão e vontade. O mundo, mais que uma simples fonte de subsistência, transforma-se num espaço onde cada um irá conceber e realizar o seu projecto de vida. Embora finito no agir, o homem busca o infinito no sonho e no amor.



A herança genética, porém, não passa de um “feixe de potencialidades” que só através da socialização se desenvolverá. Todos ouvimos falar das “crianças – lobos” que, quando descobertas, manifestavam um comportamento igual ao dos animais que as criaram. A família e a sociedade no seu conjunto são o alfobre onde germinam as sementes de humanidade com que nascemos. É a presença do outro que vai moldando o nosso carácter. O “tu” precede o “eu”. Recordo sempre aquele meu sobrinhito que, para me pedir um chocolate, dizia”tu gosta de chocolate”. Ajudar a crescer humanamente é educar para a liberdade na responsabilidade.
A humanidade no seu conjunto não pode esquecer esta função educadora. As gerações futuras serão o que nós por elas fizermos, hoje. A Declaração Universal dos Direitos Humanos surge, pois, como um grito de esperança de uma humanidade sofrida e indica caminhos de paz que passam pelo respeito dos direitos de todos os homens.
É interessante verificar como um documento que se apresenta como um “ideal comum… com reconhecimento e aplicação universais”, logo no seu primeiro artigo manifesta ressonâncias radicalmente cristãs: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados de razão e consciência, têm de comportar-se uns com os outros com espírito fraternal”. Só há fraternidade entre irmãos. E só o cristianismo fala de um Deus que é Pai de todos os homens.
É que o homem, para além de tudo, é criatura, por isso, finito. Porém, mais que criatura, o homem foi criado à imagem de um Deus que “é um só em três Pessoas iguais e distintas”; é filho de um Deus que é Amor. Daí a sua grandeza.

Por isso, à pergunta “o que é o Homem”, gosto de responder: “É alguém que ama”. Porque é no Amor que o homem se encontra como ser espiritual e social. É no Amor que o homem se manifesta como imagem de Deus. No Amor, o homem aproxima-se da infinitude. No diálogo amoroso o tempo pára e o momento faz-se eternidade. A mãe que tem vários filhos ama cada um como se fora o único. O infinito nunca se reparte.
O Amor realizará o sonho de uma humanidade fraterna porque sabe perdoar. E sem perdão não haverá Paz.
Se a Razão procura transformar o mundo de selvagem em humano, só a Fé converterá o humano em divino. “Hoje vos nasceu na cidade de David um Salvador que é o Cristo Senhor”(Mt 2,11). Esta é a grande mensagem do Nascimento do Deus-Menino.