O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, abril 27, 2016

OS PAPAS DO VATICANO II



Era uma viagem para conhecer a riqueza artística de cidades da Lombardia, em Itália, com um possível salto a Trento. Mas, as surpresas acontecem...

Logo ao chegar a Bérgamo, fiquei agradado ao ver que a avenida mais nobre se chama “Viale Papa Giovanni XXIII”. Na cidade antiga, numa colina rodeada de muralhas, visitei a velha catedral. Enquanto os turistas deambulavam pelas naves, no transepto havia quem se dirigisse para uma capela interior. Entrei e, com surpresa, vi o dístico: S. Papa Giovanni XXIII -1881-1963. A capela era iluminada por vários candelabros onde os devotos acendiam velas. Uma estátua, com uma pomba aos  pés, representava o Papa João XXIII, de pé e mitra na cabeça, a esboçar um sorriso bondoso num gesto de acolhimento. Porquê este relevo e esta devoção? É que o Papa Roncali nasceu em Sotto il Monte, na diocese de Bérgamo, onde, após a ordenação em Roma, foi secretário particular do bispo, assistente da Ação Católica Feminina, colaborador do diário católico da cidade e, ainda, professor e diretor espiritual do seminário.

Outra surpresa me aguardava ao chegar a Bréscia: a praça mais importante chama-se “Piazza Paulo VI”. Na catedral, à entrada, um enorme cartaz afirmava: “PAULO VI – O Papa do diálogo, do Concílio Vaticano II, do ecumenismo, o Papa peregrino, defensor da vida, o Papa dos tempos futuros, perito em humanidade, o Papa da paz, da alegria, mestre e testemunho, enamorado de Cristo e da Igreja”. E a frase: Estaremos a sonhar quando falamos da cidade do amor? - Não, não sonhamos. A cidade do amor virá e dará ao mundo a sonhada transfiguração da humanidade. (Paulus P.P. VI). Outro dístico lembrava: “19 Ottobre 2014  – Paolo VI – BEATO”.

Na catedral, encontrei um altar encimado por uma imagem de Paulo VI ajoelhado no limiar da Porta Santa e apoiado num báculo em forma de cruz com indícios de solidão. Um desdobrável dizia: “Memória dum seu filho, que se tornou Pastor da Igreja universal, uma memória concebida, não como celebração de uma «primazia do poder», mas como humilde e místico serviço feito à Igreja de Cristo e à humanidade inteira”.

O Papa Montini amava a diocese onde nasceu e se ordenou presbítero em 1920, como escreveu em 29 de junho de 1963: “Bréscia, Bréscia! A cidade que não só me deu os natais, mas tanto da tradição civil, espiritual, humana, ensinando-me, além disso, o que é o viver neste mundo e oferecendo-me sempre um quadro que, creio, sustém as experiências sucessivas, dispostas ao longo de vários anos pela Providência divina”.

E eu que ia à procura de Trento, acabei por me encontrar com os dois grandes papas do Vaticano II que nasceram e cresceram em dioceses vizinhas na arquidiocese de Milão.

Inesperada e feliz maneira de celebrar os 50 anos do grande Concílio…

( 27-4-2016)

quarta-feira, abril 20, 2016

ANTES DO "25 DE ABRIL"



 

A propósito, recordo a homilia de 17 “padres do Porto” que lhes valeu a suspensão dos passaportes e um “processo político” que só não teve outras consequências porque, entretanto, se deu a “Revolução de Abril”. O Governador Civil, em carta para o Governo, classificou-a como “declaração de guerra em dia de paz”. Os excertos retirados do livro As Mentiras de Marcello Caetano mostram como a Igreja nunca abdicou da função profética de anunciar, denunciar e interpelar.

·        A homilia começa pelo anúncio:

“1 de Janeiro, Dia Mundial da Paz. Em 1973 era-nos lembrado que «a Paz é possível». Este ano o mesmo nos é repetido, mas acrescenta-se: A Paz depende de ti!”

·        A seguir, denuncia:

“Lançando os olhos e reconhecendo muitos sinais de falta de paz, não desistiremos. Há 13 anos que Portugal mantém uma guerra, com toda uma série de consequências que nos tocam de perto: - Militares mutilados, ou enfraquecidos na saúde e gastos nos nervos; - famílias abaladas pela ausência ou morte de militares; - angústia e medo em que vivem as populações nas zonas de guerra; - mortes, violências e massacres dum e doutro lado; - cada vez mais ódio, intolerância e extremismo; - gastos extraordinários. Há em Portugal situações que nos interpelam: - a aflição em que vive grande parte da população, economicamente mais débil, perante o crescente aumento do custo de vida; - as condições infra-humanas em que tantos vivem, diminuídos por graves carências de alimentação, habitação, higiene e saúde; - condições de trabalho e ritmo de produção que fazem dessas pessoas máquinas; - a insegurança dos trabalhadores em risco de despedimento sem justa causa; - desequilíbrio entre os lucros das empresas e os ordenados; - os conflitos com estudantes e o recurso sistemático à intimidação e repressão como meio de resolver estes problemas e outros…

Não podemos deixar de referir os condicionalismos que estão na raiz desta situação: - as informações que a T.V., os jornais e a rádio nos fornecem são frequentemente incompletas, quando não falsas; - os cidadãos são impedidos de se reunirem, de se associarem e de exprimirem livremente as suas opiniões; - e, o que é pior, chega-se a criar em muitos a ilusão de que participam efectivamente na vida pública, quando na realidade são cortadas as condições para a formação recta e exacta da opinião pública. É a esta luz que encaramos, por exemplo: - as eleições para a Assembleia Nacional; - as limitações no funcionamento dos sindicatos; - a alteração dos nomes de realidades que permanecem (casos da A.N.P. - U.N.; Exame prévio - Censura e D.G.S. - P.I.D.E.”

·        E termina com um apelo:

 “A PAZ -  e portanto a guerra - TAMBÉM DEPENDE DE TI”.

O serviço da Palavra é raiz e primeira missão da Igreja: “Ide e ensinai.” (Mt28,19)

(20-4-2016)

quarta-feira, abril 13, 2016

AS GAIVOTAS...


 

Há dias, passeávamos numa praia do norte quando um bando de gaivotas brancas coreografava, no azul do céu, um bailado de sonho ao ritmo das ondas e ao som do mar. Que delícia!... E apeteceu-me cantar: “Uma gaivota voava, asas de vento coração de mar”. Estávamos maravilhados quando minha esposa deu um grito de susto. Uma gaivota tinha deixado cair sobre ela um grande mexilhão que acabara de apanhar nos rochedos. Ainda bem que não foi outra coisa… Como são bonitas as gaivotas quando não estão sobre a nossa cabeça! Até dão para fazer poesia e cantar… Mas quando pousam sobre as nossas casas, sujam os nossos carros ou esvoaçam sobre nós, as coisas mudam de figura. E ficamos a pensar em muitos outros comportamentos. Veio-me à mente aquela senhora que é tão amiga dos gatos da rua que todos os dias lhes vai levar comida. Mas bem longe da porta dela… Em sua casa não quer nenhum. E daquele senhor que não tinha carro nem garagem, mas, como era muito amigo das pombas e gaivotas, todos os dias lançava restos de comida sobre as garagens dos vizinhos que bem protestavam porque não podiam estacionar os carros na rua, nem estender roupa nos pátios…. É tão bonito ser amigo esporádico e sem compromissos! E aquelas pessoas que são muito simpáticas para a vizinhança mas infernizam a vida de quem com elas vive. Como diz o povo, não faltam “santos, fora; diabos em casa”. Dizia-se antigamente que quando se introduzia a causa de canonização dum sacerdote, a primeira pessoa que o tribunal eclesiástico ouvia era a sua “canónica”(assim se chamava à empregada doméstica dum padre) porque era ela quem melhor o conhecia. Não custa nada ser boa pessoa à distância, o difícil é sê-lo para quem nos atura todos os dias. Não é por acaso que se diz que a caridade bem ordenada começa em casa, por aqueles que nos são mais próximos. Para já não falar dos patrões que até recebem comendas e medalhas de benemerência, mas são parcos nos vencimentos e fartos nas exigências para com seus trabalhadores…. E daqueles que se arvoram em defensores dos operários mas tratam com sobranceria e abusam de quem de si depende. E pensei naqueles que se associam a grandes campanhas na internet, mas, no dia-a-dia, nada fazem pelos outros. E daqueles que clamam contra a corrupção dos poderosos sem-vergonha, e muito bem, mas, quando precisam, não deixam de recorrer à velha “cunha”…Nas Eucaristias, há quem, ao Ofertório, cante a plenos pulmões Fora eu rico, Senhor, e muito Vos daria”, mas quando o cesto passa…. E aquele homem que se dizia apaixonado pela humanidade mas não tinha paciência para ninguém em concreto, que referiu D. Manuel Clemente na conferência “Virtualidades do Associativismo Local” em Matosinhos (11 de março). Abstrações…Palavras…

Como são bonitas as gaivotas à distância!…

( 13-4-2016)

 

 

quarta-feira, abril 06, 2016

NO "LARGO DOS AFECTOS"


 

“Terminar no Porto as cerimónias de posse iniciadas em Lisboa é uma homenagem simbólica à cidade, ao seu passado, ao seu presente e ao seu futuro. Pela sua história, com o Porto aprendemos liberdade, democracia, resistência, convivência. Pelo que hoje vemos e sentimos, percebemos dinamismo, inovação, cultura e ciência. Por tudo – passado e presente- acreditamos num futuro de grandeza, diferença, vitalidade, juventude. Por tudo – o Porto é futuro”.

 Estas palavras do Supremo Magistrado da Nação são incentivo para uma cidade que, ainda há pouco, como canta Rui Veloso, se sentia “ abandonada” na “altivez de milhafre ferido na asa”(Porto Sentido). A autoestima saiu reforçada com as palavras do nosso Bispo, D. António:”O Porto é cidade com alma modelada por trabalho, caráter, liberdade e fé. É esta cidade que o senhor presidente visita. Afirma, assim, a sua homenagem a esta alma do Porto e ao espírito solidário, empreendedor e leal dos portuenses. Daqui abre caminho mais amplo ao futuro de Portugal e ao desíngio da sua missão ao serviço dos portugueses”(JN 11/3/2016).

O Porto, “de algum modo, berço da liberdade e da democracia”- a cidade dos afetos- soube agradecer a homenagem do “Presidente dos Afetos”. E o Cerco do Porto, o bairro da minha afeição, caprichou ao recebê-lo em festa , no “Largo dos Afectos”, ao som do “hip hop” do grupo OUPA,  formado por jovens do bairro, por entre palmas e abraços. E o Chefe de Estado extravasou a sua emoção ao juntar-se ao grupo e improvisar rap:”Aqui, no bairro do Cerco, e onde está a sua gente, estará sempre o presidente”. O seu carinho foi-se expressando também em pequenos gestos como quando pegou num menino ao colo e disse: - Dá cá um abraço. Como te chamas? – Francisco. – É como o meu neto. É o nome de que mais gosto …”

E a sua presença terminou no centro social do bairro, o primeiro edifício construído pela Câmara do Porto para a Obra Diocesana de Promoção Social. Foi a chave de ouro para um presidente que elegeu os afetos como matriz do seu mandato. Estava numa instituição que nasceu, em 1964, do coração afetuoso dum bispo, D. Florentino, e que, neste ano assumira “Os afetos numa solidariedade dinâmica” como seu projeto educativo.

Em jeito de homenagem, gostaria de lembrar o testemunho do Dr. Francisco Sá Carneiro, em 1973, numa reunião da direção da Obra Diocesana a que pertencia: “Isto está a mudar por dentro. Um filho do ministro Rebelo de Sousa está do nosso lado. Chama-se Marcelo. É um jovem muito inteligente e de bom caráter”. (Nos Alvores da Obra Diocesana).

Que o novo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, seja um construtor da paz como lhe pediu o Santo Padre aquando da sua visita ao Vaticano. Assim o desejamos e esperamos.