O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, março 12, 2024

"O APÓSTOLO DA BONDADE"

É o subtítulo do livro “D. Sebastião Leite de Vasconcelos”, de Diogo Ribeiro de Campos, com Prefácio de D. João Marcos, bispo de Beja, e Preâmbulo de D. Manuel Linda, que passarei a citar com grafia atualizada. “Um nosso amigo viu (…) o rev. diretor da Oficina de S. José a (…) descer a rampa do Passeio das Virtudes, examinar aqueles esconderijos e perguntar a uma das mulheres que ali lavavam a roupa, se tinham visto naquele sítio algum vadio. Jornal da Manhã, 1885”. Era o P. Sebastião Vasconcelos à procura de rapazes abandonados para acolher e educar na ‘Oficina de S. José do Porto” que fundou em 1880, na rua D. Hugo, e transferiu, em 1890, para a rua Alexandre Herculano onde funcionou até aos nossos dias. “Que ensinava? Os mandamentos da lei de Deus, a língua materna e um ofício. O Padre multiplicou-se; dizia missa, exortava, mas, além disto, ensinava a ler e escrever; e a tudo adicionava os mesteres de alfaiate, sapateiro, carpinteiro, tipógrafo, encadernador. Para amenizar tudo isto, e entreter as horas de descanso, criou uma banda marcial.” E de tal modo se desenvolveu que, em 1900, o Procurador Régio, José Cancela, escrevia: “A Oficina de S. José do Porto é hoje graças à excecional caridade, atividade e tenacidade do mesmo sacerdote, P. Sebastião, a instituição de caridade do país mais próspera, mais benéfica, mais modelar e que mais se tem imposto ao respeito e admiração de todos os portugueses e de muitos estrangeiros. O incomparável trabalho daquele verdadeiro mestre, na criação e desenvolvimento d’esta gloriosa obra, é uma lição e estímulo…” Em 1 de Agosto de 1907, foi nomeado Bispo de Beja. Na sua ordenação, prometeu “que no governo da sua diocese, não seria encontrado muitas vezes no Paço, mas sim na cadeia, no hospital junto dos doentes (…), junto dos desvalidos e infortunados e nos corredores do Seminário”. Ao entrar na sua diocese (1908), “ofereceu fatos completos a meia centena de crianças pobres” e, mais tarde, “tendo conhecimento de que os presos da enxovia da cadeia civil dormiam sobre o chão húmido e frio, esmolou-os com 20 enxergas”. Mas em Beja encontrou o seu calvário, com os “irmãos Ançãs, dois padres indignos que, ao entrar na diocese, demitiu das suas funções, sendo por eles combatido, naquele contexto da implantação da República em 1910” (D. João Marcos, Prefácio). Andava em visita pastoral por Moura e Barrancos quando foi informado que fora ‘proclamada a República e em Beja se tinham passado graves acontecimentos’ como “a tomada do paço Episcopal, ato levado a cabo por um grupo de desordeiros tendo à cabeça Manuel Ançã (…) que hasteou a bandeira republicana na residência oficial do bispo.” Pressionado, refugiou-se em Rosal de la Frontera, Espanha. “E, apesar de todos as tentativas e pressões, o Governo nunca mais permitiu o seu regresso a Portugal”. Foi a primeira vítima da virulência republicana contra a Igreja. Forçado ao exílio, instalou-se em Sevilha e depois em Lourdes onde escreveu (11/2/1912) “Palavras de um exilado”, um “protesto breve, mas veemente e franco, inspirado pelos mais sagrados princípios da liberdade” de que, dada a acuidade, transcrevo: “Nenhuma incompatibilidade tem a Igreja com as várias formas de governo, que possam para si escolher as nações; mas o que não pode o católico, menos ainda o Bispo, é (…) sujeitar-se a leis atentatórias dos direitos de Deus. (…) Obedecer a uma lei iníqua é um crime, como dizia o Papa Leão XIII”. Como D. António Barroso, que o ordenou bispo, não era contra a República. Protestava, sim, “contra o desprezo sistemático das tradições mais caras ao nosso Portugal, com que um jacobinismo sem ilustração, obedecendo a ódios inconfessáveis de seita, tem espalhado a desordem e a anarquia no país”. Nesse ano, a pedido de Pio X, fixou-se em Roma onde foi nomeado Arcebispo de Damieta e veio a falecer, em 1923. Foi há 100 anos… Os seus restos mortais estão no cemitério do Prado do Repouso. É luminosa a chave com que D. Manuel Linda fecha o seu Preâmbulo: “Mas há uma História com maiúsculas. E essa é devida àqueles que deixaram no tempo marcas indeléveis de bondade e dedicação, obra despertadora de consciências, avanços de civilização e crescimento ético da humanidade. E D. Sebastião Leite de Vasconcelos é um desses. E dos grandes!” (13/3/2024)