O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 17, 2021

EM ANO DE SÃO JOSÉ

Ao aproximar-se o dia de São José, relembro as palavras da Carta Apostólica “Patris Corde” com que o Santo Padre convocou o ‘Ano dedicado a São José’: “Com coração de pai: assim José amou a Jesus, designado nos quatro Evangelhos como «o filho de José». Sabemos que era um humilde carpinteiro (cf. Mt 13, 55), desposado com Maria (cf. Mt 1, 18; Lc 1, 27); um «homem justo» (Mt 1, 19), sempre pronto a cumprir a vontade de Deus manifestada na sua Lei (cf. Lc 2, 22.27.39). Depois duma viagem longa e cansativa de Nazaré a Belém, viu o Messias nascer num estábulo, «por não haver lugar para eles» (Lc 2, 7) noutro sítio. Foi testemunha da adoração dos pastores (cf. Lc 2, 8-20) e dos Magos (cf. Mt 2, 1-12), que representavam respetivamente o povo de Israel e os povos pagãos.” Esta invocação fez-me recuar aos meus tempos do Seminário Maior onde existia a ‘Pia Associação de S. José’, uma espécie de ‘’associação de estudantes’. Os estatutos da ‘Pia’ consagravam e a tradição impunha que, na festa do seu patrono, na igreja de S. Lourenço (Grilos), o sermão da tarde fosse pregado pelo seu presidente. É um desses sermões - aprovado, previamente, pelo reitor, Monsenhor Miguel Sampaio - que aqui evoco. De manhã, o orador fora o P. Vaz, assistente dos Cursos de Cristandade. “São José – o Homem Justo da Escritura – é o nosso modelo! Ele santificou-se cumprindo a Vontade de Deus em todos os seus atos, vivendo e encarnando a sua fé nos seus deveres humanos. … Santificou-se cumprindo o preceito do trabalho. De tal modo se identificou com a sua profissão que era apenas conhecido por “ O carpinteiro”, como se vê no Evangelho em que o povo admirado com a ciência de Jesus, perguntava entre si: “Não é este o filho do carpinteiro? (Mt 13,55) … Santificou-se pelo cumprimento exemplar do seu dever de estado. Como chefe de família, trabalha para alimentar os seus. Como marido, em Belém, procura uma hospedaria para a esposa. Como “pai virginal” de Jesus, foge (Mt 2,13) com o Menino para o Egipto e regressa com Ele para a Galileia (Mt,2,19). Durante três dias (Lc 2, 42), com Maria, procura Jesus que tinha ficado em Jerusalém. … Santificou-se cumprindo o seu dever de cidadão. E assim, vai a Belém dar o nome para o recenseamento, obedecendo à autoridade civil que, então, mandava na Judeia – o Imperador Romano (Lc 2,1). … Santificou-se cumprindo os seus deveres de membro de uma sociedade religiosa – o Judaísmo. E assim, apresenta o Menino no templo (Lc 2,22) e vai ao templo todos os anos pela Festa da Páscoa (Lc 2,41). Irmãos, que a Fé penetre todos os sectores da nossa vida e não se confine a um compartimento que se abre uma hora ao domingo. Vivifiquemos a heroica vulgaridade do nosso dia-a-dia! Na medida em que nos santificarmos assim estamos a instaurar o Reino de Deus, estamos a contribuir para, como disse Pio XII, “ transformar o mundo de selvagem em humano e de humano em divino”. Uma sugestão. Através da leitura, na Bíblia, dos versículos supracitados, sigamos os passos de S. José e, da ladainha em sua honra, rezemos: - ‘Esposo da Mãe de Deus, rogai por nós’. - ‘Amparo do Filho de Deus, rogai por nós’. (17/3/2021)

quarta-feira, março 10, 2021

CONTEMPLATIVO NA AÇÃO

Vai tarde a minha homenagem mas não com menos gratidão… Nos meus arrumos em tempo de confinamento, encontrei um exemplar de “Nos Alvores da Obra Diocesana”, com a dedicatória: “Para o P. Zé Maria, o amigo a quem agradeço as palavras e o exemplo”. Fiquei pesaroso por não lho ter oferecido. Ele bem merecia porque seguiu de perto o trabalho socio-pastoral da ‘Obra dos Bairros’. São muitas as recordações. Refiro apenas duas. . Em 1973, um grupo de padres do Porto, de que fazia parte o P. José Maria Cabral Ferreira sj, elaborou uma homilia para ser lida no dia das eleições para a Assembleia Nacional (20/10). Na 6ª feira anterior, enviámo-la para D. António que, ao recebê-la, logo nos convocou para uma reunião. Foi uma conversa longa. Manifestou algumas reservas quanto à sua oportunidade e estilo, muito direto e incisivo. Estaria bem enquadrado, dizia, na ‘Teologia da Libertação’ na América Latina… Mas não discordava do seu conteúdo como ficou claro quando um dos presentes perguntou: - “D. António, encontra algum erro teológico?” – “Não.” – “Há alguma mentira nos factos denunciados?” – “Não.” – “Se eu for preso, o senhor Bispo irá a tribunal repetir o que agora disse?” – “Vou”, respondeu sem qualquer hesitação. Mas não foi preciso, embora todos tenham acabado por fazer a homilia. Dessa conversa, recordo a estima com que o senhor Bispo se dirigia ao P. Zé Maria a quem sempre tratava por “Senhor Professor”. E também a finura intelectual e a delicadeza deste quando apresentava opiniões divergentes. . No início da década de setenta, na cidade do Porto, organizaram-se diversas equipas de presbíteros que se voluntariavam para, durante a quaresma, ir às paróquias orientar uma reflexão semanal. O P. Zé Maria e o P. António Mota escolheram uma paróquia pobre e periférica. Era à sexta-feira à noite. Após as palestras, seguia-se o diálogo com a assistência que lotava a igreja. O P. Zé Maria aliava grande paciência no ouvir à amabilidade no responder mesmo quando era contraditado o que acontecia com muita frequência. Tornou-se da família, como se via nos convívios que a paróquia, na Pascoela, oferecia a quem colaborava nas cerimónias pascais. Parece que ainda estou a ver o seu sorriso no encontro que se realizou no seminário do Bom Pastor. Era assim o P. José Maria Cabral Ferreira. Intelectual prestigiado, sociólogo e professor universitário, mas também um pastor que gostava do “cheiro das ovelhas”, especialmente das “periferias existenciais”. Aquando da sua morte (14/9/2017), o P. Vasco Pinto de Magalhães, sj, escreveu: “O Padre Zé Maria não era um sociólogo de cátedra. As suas aulas, quer na Faculdade de Arquitetura quer no Instituto de Serviço Social do Porto (e na faculdade de Filosofia de Braga), marcaram fortemente várias gerações. Mas onde se sentia mesmo bem era no trabalho de campo. A alegria com que participava nas celebrações da Comunidade da Serra do Pilar e a admiração pelos seus amigos “padres operários”, a presença no Banco Alimentar do Porto mostram bem a sua inquietação pela justiça e pelos “esquecidos”, juntamente com seu sentido crítico e ao mesmo tempo apaixonado, fazem o seu retrato. Era um intelectual afectivo e um afectivo intelectual”(10/3/2021)

quarta-feira, março 03, 2021

ERAM TEMPOS NOVOS E CONTRIVERSOS...

Em 26 de dezembro, fez sete anos que faleceu o Dr. Albino Aroso, “pai do planeamento familiar e um dos fundadores da Associação Portuguesa para o Planeamento Familiar” (Público), a quem foi atribuído, em 2006, o «Primeiro Prémio Nacional de Saúde» pelos “contributos inequívocos, prestados no decurso do seu longo desempenho profissional“. Esta evocação fez-me rebobinar a fita do tempo até à década de sessenta, entre 1964 e 1967, e recordar as «semanas pastorais», no seminário da Sé, orientadas pelo nosso bem querido P. Manuel Vieira Pinto, depois, bispo de Nampula. Numa dessas semanas, foi convidado o P. Felicidade Alves, pároco de Belém, em Lisboa, que valorizou a organização centro-capilar da paróquia e a delegação de competência nos leigos. Era o gérmen do “Conselho Paroquial” que foi tema do Colóquio Europeu de Paróquias de 1971, em Estrasburgo, onde participaram párocos de várias dioceses portuguesas. Lembro os padres Joaquim e Orlando, párocos das Antas e de Cedofeita, no Porto; Armindo e João, párocos de Santa Isabel e dos Anjos, em Lisboa e, de Lamego, o P. Justino, pároco de Nespereira / Cinfães, e o cónego Rafael que, depois, foi bispo de Bragança-Miranda (1979/2001). Numa outra semana, o convidado foi o Dr. Albino Aroso que falou sobre um assunto, então, de grande premência. A divulgação da pílula como método contracetivo levantara muitas dúvidas e enorme confusão sobre as suas incidências na saúde e na ética. Os sacerdotes debatiam-se com muitas incertezas e inseguranças. Reinava uma enorme confusão. E os fiéis ficavam perturbados face a comportamentos contraditórios que encontravam no confessionário. Havia confessores que não tinham pejo em negar, pura e simplesmente, a absolvição a quem o usasse. Quanta angústia…E quantos abandonos… Foi nesse contexto que se enquadrou a palestra do prestigiado especialista. Depois de apresentar números assustadores da mortalidade infantil e de mulheres mortas em consequência de abortos, falou sobre a necessidade do ‘planeamento familiar’. Entre os diversos métodos anticoncetivos, afirmou que o da pílula era o mais eficaz e, na sua opinião, não contrariava os princípios da moral cristã. Após muitos e pertinentes esclarecimentos, confessou que não tinha qualquer problema de consciência em o prescrever. No entanto, avisou que, como qualquer medicamento, não deveria ser tomado sem conselho médico. As suas palavras eram absorvidas por uma assembleia de padres a quem esta problemática trazia preocupados. No final a encerrar, D. Florentino, que assistiu a toda a sessão, disse que a pílula era um problema de ordem médica em que os sacerdotes não tinham que se meter mas “deviam orientar as pessoas para um médico com boa consciência cristã”. O saber do médico especialista e a autoridade do Administrador Apostólico, com múnus e ónus de bispo residencial, foram bálsamo para uma assembleia de consciência inquieta. A “Humanae Vitae” só seria publicada em 25 de julho de 1968. Viviam-se tempos de intensa procura e de enorme preocupação pastoral. (3/3/2021)