O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 31, 2023

VAMOS CONHECER A NOSSA TERRA - III - UM PALADINO DA LIBERDADE

Meu pai sempre me dizia: para conhecer, é passear ou ler. Passear, a vida não lho permitiu, mas ler, lia muito. Herdei-lhe o gosto e, para conhecer, privilegio o mais próximo… Desta vez, deambulei pelo concelho de Paredes, criado em 1837. Entrei por Aguiar de Sousa, sede dum antigo e extenso concelho, com cerca de 260Km2, que foi extinto em 1836, com a reorganização de Passos Manuel. As suas 39 freguesias foram distribuídas pelos atuais concelhos de Gondomar, Valongo, Paredes, Penafiel, Lousada e Paços de Ferreira. Percorri esta aldeia perdida nas dobras da serra de Valongo, terra natal do P. António Vidinha que foi pároco de Rio Tinto, e não encontrei qualquer indício dos seus pergaminhos concelhios, a não ser uma lápide, na Senhora do Salto, que dizia: “Comemoração – 500 anos - Foral de Aguiar de Sousa - Concedido por ElRei D. Manuel I - Ano 1513 – Homenagem em 13/07/2013”. Em contrapartida, o seu velho castelo testemunha tempos bem mais antigos, anteriores à nacionalidade. Atalaia debruçada sobre um apertado e profundo desfiladeiro do rio Sousa, defendia a entrada no interior do país de quem subia ou atravessava o rio Douro. Por aqui passou, em 995, Almançor, na sua investida vitoriosa que só parou com a conquista de Santiago de Compostela, em 997, ‘onde apenas respeitou a sepultura do Apóstolo’. Subir ao que resta da sua velha torre é respirar a frescura da mata e a memória dos séculos. No miradouro que se abre sobre o ‘Poço do Inferno’, parei junto do monumento que tem na base a inscrição: “Inaugurado em 6-5-1976 por D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto”. É uma homenagem ao pioneiro da resistência da Igreja à política do ‘Estado Novo’ que mereceu do “famoso Bispo do Porto”, também ele exilado por Salazar, as seguintes palavras: “Grande homem da Igreja ele é por isso homem de todo o mundo. Profundamente português e europeu pela cultura, fez-se missionário em África. (…) Homem de inteligência e de cultura cristã, nada de humano e cristão podia considerar-se alheio a si; e, porque o sentiu e o disse, veio a morrer exilado na Norte-América”. O Padre Joaquim Alves Correia nasceu em Aguiar de Sousa em 5 de maio de 1886, estudou nos seminários da Congregação do Espírito Santo e foi ordenado presbítero em 26 de outubro de 1910. De mentalidade aberta e corajoso antifascista, esteve contra todas as formas de totalitarismos e foi um paladino da emancipação política das colónias portuguesas. A sua frontalidade valeu-lhe o exílio nos Estados Unidos onde viria a falecer em 1 de junho de 1951- Faz amanhã 72 anos. O nosso bem conhecido, P. Tony Neves, ‘Espiritano’ como ele, que nasceu, bem perto, na Foz do Sousa, escreveu: “Os que com ele conviveram falam de um padre culto, bem relacionado, mas muito sensível à falta de liberdade e democracia dos tempos em que ele viveu. (…) Foi a escrita, contundente e corajosa, que atiçou os ódios de quem queria manter a pobreza das pessoas e limitar a liberdade de expressão. (…) . Seria, pelo que dizia e pelo que fez na sua luta contra a pobreza que as portas do exílio foram abertas de par em par (Lusofonias, 4/9/2018).” Se Aguiar de Sousa não se pode ufanar dos indícios do seu passado municipal, pode honrar-se deste seu filho que, em1980, a título póstumo, foi agraciado com a ‘Ordem da Liberdade’ pelo então Presidente da República, Dr. Mário Soares, que o reconhecia como “um dos pais da democracia portuguesa e uma das figuras mais lúcidas da primeira metade do século XX’. A Senhora do Salto, com a sonoridade das águas de Sousa e os estratos contorcidos das falésias, é um santuário, também para os amantes da natureza e da geologia. É ingreme a descida, mas dá gosto repousar neste pequeno ‘paraíso’… A viagem prosseguiu… Limito-me a indicar as terras e os monumentos que visitámos: Cete- capela da Senhora do Vale e mosteiro do sec. XI; ‘Honra de Louredo’ – pelourinho e monumento da forca; Vila Cova de Carros – aqueduto de 500 m. e tanques de Cimo de Vila, do séc. XIX; Vilela – mosteiro do séc. XII; Lordelo – ‘Torre dos Alcoforados’. É perto e bom caminho…Merece bem a pena… (31/5/2023)

quarta-feira, maio 24, 2023

AS SONORIDADES DA PÁSCOA

Quando o tempo pascal se aproxima do fim, ainda ecoam em mim as campainhas e os foguetes do anúncio da Ressurreição. O Natal é vivido no seio da família, a Páscoa extravasa para a rua e faz do ‘compasso’ o seu ‘precónio’ comunitário. Nasceu lindo o domingo de Pascoela. A natureza acordou em festa. O sol, lá longe, enchia de luz os refegos do Barroso e da Cabreira e, bem perto, revia-se nas gotículas de orvalho nos primeiros gamões das ramadas. As flores coloriam os montes e debruavam os caminhos. E, por entre as vergônteas que despontavam, os passarinhos cantavam loas ao Criador. E eu, saudoso, rememorei o que cantávamos na escola primária: “A primavera vai e volta sempre; a mocidade vai e não volta mais.” Nesse dia, a paróquia da Faia, em Cabeceiras de Basto, mantendo uma velha tradição, realizou a ’Visita Pascal’. A rua fez-se romaria ao som da ‘banda de música’. O estrelejar dos foguetes pelas quebradas das serras alongavam no espaço e prolongavam no tempo as aleluias pascais. Muitas famílias retomaram o costume, interrompido pela pandemia, e convidaram os amigos para ir as suas casas beijar a cruz. O etnógrafo José Machado, no grupo ‘Vamos bailar à Senhora’, assim descreveu, no facebook, um desses convívios: “A Pascoela na Faia, Arco de Baúlhe, em casa de amigos, agora sem a presença do anfitrião por nos ter deixado há quatro anos e meio, o professor Guilherme Pereira de Magalhães. A esposa, os filhos e noras decidiram retomar este momento de união e de amizade e a gente, como eu e outros, apreciamos a generosidade do convite e a recepção acolhedora. A Páscoa, com banda de música a entrar pelo eido da casa, com foguetes a assinalar a presença da Cruz no interior, com a bênção e a reverência ao Senhor, constitui um rito de cumprimento de uma tradição cultural e religiosa. Obrigado à família”. Por amável convite, participo, há muitos anos, nesse encontro sempre renovado de amigos, alguns vindos de bem longe. Após o almoço e enquanto, na eira, aguardávamos a chegada do compasso, as conversas iam fluindo… Foi então que o Duarte, um filho da casa, partilhou comigo um texto que tinha no seu telemóvel: “S. Martinho de Anta, 8 de Abril de 1950 Aleluia! O repicar dos sinos de dezenas de freguesias e o estralejar de foguetes de todo o distrito chegam ao cimo destas serras onde descanso. É um alvoroço que se vai alastrando, alado e fecundante como o pólen que passa em turbilhões, e que põe em comunicação telepática o mundo vegetal. - Boas festas! Aleluia! Não acontece nada, nenhum cadáver acorda, as videiras e os castanheiros continuam a abrolhar no seu ritmo normal. Contudo, caem bem na paisagem estas saudações de regozijo, entrelaçadas de sons contentes, que a pintam de não sei que esperança. A vida precisa de vez em quando de sobressaltos assim, simbólicos e promissores. Periodicamente atada como um feixe por certos vincilhos tradicionais e optimistas, ficam mais fraternos os seus vimes, mais unidos os seus nervos. Aleluia! E a palavra, em si, tem já um magnetismo de aliciação. Justifica a primavera que vem, promete flores e frutos. Cristo, no céu, talvez se ria. Mas necessitamos e necessitaremos ainda por muito tempo da sua paixão, morte e ressurreição... anuais. E um maravilhoso pretexto para comer amêndoas, beber vinho fino, e consentir que um milagre abstracto desfaça o nó concreto do cepticismo estéril e nauseante que nos aperta o coração. (Miguel Torga, in Diário V”) Demorámo-nos a refletir sobre o “cepticismo estéril e nauseante que aperta o coração” deste grande escritor transmontano cuja vida “é uma corda esticada entre dois mundos”, o do menino religioso que ajudava à Missa em São Martinho de Anta - a sua ‘Agarez’ iletrada - e o intelectual agnóstico de Coimbra - a sua ‘Agarez alfabeta’. Numa entrevista antiga, reproduzida no ‘Espaço Miguel Torga’, doeu-me ouvi-lo dizer: “Sou uma encruzilhada sem saída” Esta inquietude levava-o a buscar lenitivo na “pureza dum amanhecer sem ocaso”, na sua terra natal. A terra é sempre o berço que prolonga o regaço maternal… Como são gostosas as tonalidades da infância!... Que o espírito pascal nos ajude a encontrar saída para as nossas encruzilhadas e nos faça ouvir as palavras que o Papa Francisco disse, na Hungria, no passado dia trinta: “Por favor, abramos as portas! Procuremos ser uma porta aberta, uma porta que nunca se fecha na cara de ninguém”. (24/5/2023)

quarta-feira, maio 17, 2023

NO 'DIA DA EUROPA'

Foi em julho de 1971. Após o ´Colóquio Europeu de Paróquias’ em Estrasburgo, à boleia do pároco de S. Pedro, de Viena, fui, com o Afonso Rocha, conhecer Munique. À chegada, procurámos uma das suas famosas cervejarias: o calor apertava… A primeira que encontrámos era enorme, com mesas de bancos corridos, à sombra de grandes árvores bem frondosas. Ocupámos os primeiros lugares disponíveis. Com a ajuda dum guia de conversação em alemão, pedimos o que queríamos. Mas não fomos entendidos… Entretanto, sentou-se a nosso lado um jovem que fez o pedido e, logo, lhe trouxeram salchichas e cerveja. Precisamente o que pretendíamos… Com um sorriso, apontámos para as ditas e o empregado compreendeu o nosso gesto… Enquanto nos refrescávamos, comentávamos: - “Ninguém nos entende. Aqui podemos falar à vontade!” No Portugal de então, não o podíamos fazer… Qual não foi o nosso espanto quando o tal ‘vizinho-que-falava-alemão’ nos perguntou: - “São brasileiros?” – “Não, somos portugueses”. Gerou-se imediatamente uma mútua simpatia. Apresentámo-nos e ficámos a saber que se chamava Francisco Lavoisier, era brasileiro, descendente de alemães. Engenheiro, estava a fazer um Curso de Especialização na Universidade. Logo combinámos encontro para o dia seguinte à mesma hora e local. No outro dia, chegámos antes da hora marcada e reservámos um lugar para o ‘amigo’. Vinha acompanhado. Após uma afetuosa saudação, apresentou-nos a sua esposa cujo nome esqueci, mas não a beleza, especialmente na despedida, com o traje típico da Baviera. Enquanto a conversa e a cerveja iam fluindo, ofereceu-nos: - “Temos um carro pequeno, mas chega para vos levar aonde quiserem. Estamos disponíveis”. Gratos, aproveitámos a simpatia. - “Queríamos visitar a torre olímpica e o ‘Campo de Concentração de Dachau’. No dia seguinte, depois de subirmos a torre acabada de inaugurar, para os Jogos Olímpicos de 1972 que viriam a ficar tristemente célebres com o ‘Massacre de Munique”, dirigimo-nos para Dachau. Ao chegar ao ‘Campo da Morte’, a esposa balbuciou ao ouvido do marido: - “É a primeira vez que cá venho, mas não entro. Diz aos teus amigos que, lá dentro, não julguem o povo alemão. Não foram os alemães quem cometeu estes crimes horrendos, mas sim um grupo de criminosos fanáticos e seus colaboradores”. E assim fizemos… E foi em religioso silêncio que percorremos a primeira ‘fábrica de morte’ nazi onde terão morrido cerca de trinta mil pessoas. A memória deste episódio, já longínquo, veio-me à mente, na noite de 22 de março quando, ao entrar na ‘Sala Suggia’ da Casa da Música a vi completamente cheia para assistir ao concerto anual do pianista russo Grigory Sokolov. Cumprido o programa, o concerto, por insistência do público, prolongou-se por mais meia hora com seis ‘encores’. E mais não foram porque, entretanto, as luzes da sala se acenderam… E lembrei Munique porquê? Porque, assim como, perante os horrores de Dachau, não confundi a grande Alemanha de Kant e Bach, com Hitler e seus apaniguados, também, agora, não confundo a barbárie sanguinária de Putin e seus comparsas com o povo russo, embora lamente a “vulgaridade do mal” que Ana Arendt (Eichman em Jerusalém) já denunciara na sociedade alemã durante o domínio nazi. Jamais esquecerei ‘Os Irmãos Karamazov’, de Dostoievski (Moscovo, 1821 – S. Petersburgo, 1881), que li na juventude, e a ‘Missa’, de Stravinski (S. Petersburgo,1882- Nova Iorque,1971), que cantei, na Sé do Porto, com a Schola Cantorum do Seminário Maior. E as gentes do Porto, mais uma vez, não regatearam aplausos ao pianista russo, nascido em S. Petersburgo em 1950, Grigory Sokolov, “um dos maiores da atualidade”. Não, não cultivamos a ‘russofobia’, como acusou Putin, no passado dia 9, mas defendemos uma Europa democrática e livre de opressores. Somos, sim, contra esta invasão “absurda e cruel” que, ‘martiriza o povo ucraniano”, como diz o Papa Francisco. Festejamos a queda do nazismo hitleriano em 1945, mas, também, a queda do ‘Muro de Berlim’, em 1989. Somos, sim, contra os ‘ditadores sanguinários’ e seus herdeiros… Queremos uma Europa de paz; uma Europa de nações e não de impérios; uma Europa de bem, com a natureza, as pessoas e os povos, na linha da ‘Declaração Schuman’, proferida em 9 de maio de 1950 (cf. ‘Um Santo na Política’, VP, 24/11/2021) que está na origem da Comunidade Europeia e, em cujo aniversário, celebramos o ‘Dia da Europa’. (17/5/2023)

quarta-feira, maio 10, 2023

NUM ROSTO CANSADO, UM SORRISO DE CRIANÇA...

Foi esta a imagem que me assomou ao espírito ao saber da morte do Papa Bento XVI. Aconteceu em 9 de maio de 2012, fez, ontem, 11 anos. O Protocolo do Vaticano reservou-nos, na Praça de S. Pedro em Roma, um lugar destacado da restante assembleia, junto da escadaria da basílica de S. Pedro e bem perto do local onde o Sumo Pontífice presidiu à Audiência Geral. A cor da veste coral, a lembrar os monges tibetanos, realçava a nossa presença. Quando foi anunciado o “Coro Gregoriano do Porto, representante da diocese do Porto”, o Santo Padre fixou em nós o seu olhar enquanto cantávamos o “Salve Mater Misericordiae”. E no final, saudou-nos com uma discreta inclinação de cabeça. No fim da Audiência, ao passar junto de nós, no ‘papamóvel’, inclinou-se na nossa direção, abençoou-nos e sorriu. Era um sorriso tímido de criança num rosto amargurado e envelhecido. Viria a abdicar oito meses depois (11/2/2013). Fiquei emocionado. Levemente curvado, a sua estatura física e intelectual sumia-se na humildade da postura de quem parecia pedir desculpa por estar naquele lugar como que a dizer: eu não pedi, puseram-me aqui. Posteriormente, com data de 22 de maio de 2012, recebemos a seguinte carta enviada pela Secretaria do Vaticano: “Senhor Diretor do Coro Gregoriano do Porto, no decurso da Audiência Geral de Sua santidade o Papa Bento XVI no passado dia 9 deste mês, o ‘Coro Gregoriano do Porto’ teve a amabilidade de O obsequiar com quatro CDs, nascidos do vosso benemérito serviço eclesial. Ao agradecer, da parte do Sumo Pontífice, a delicadeza do gesto de oferta que Ele muito apreciou, fui incumbido também de lhes transmitir os Seus votos de felicidade para todos os componentes do Coro, tanto na sua carreira artística como na entreajuda fraterna dos seus membros; votos que Ele confirma com uma prece ao Céu pelos respectivos sonhos e realizações para que sejam sempre iluminados pela esperança e a alegria que Jesus Cristo trouxe ao mundo. O Santo Padre, envolvendo-vos a todos na Sua solicitude de Pastor Universal, confirma esses votos e prece com uma propiciadora Bênção Apostólica. (…) Assinado: Mons. Peter B. Wells, Assessor”. Esta Bênção, foi, como sói dizer-se, ‘a cereja no topo do bolo’. E o júbilo foi tal que o Marques da Cruz elaborou um álbum dessa viagem com o título: “Roma: Meu Último Sonho”. A minha admiração de jovem estudante por Ratzinger, um dos teólogos de vanguarda que muito influenciou o Concílio Vaticano II, havia redobrado com a leitura das encíclicas Deus Caritas est (2006), Spe Salvi (2007) e Caritas in Veritas (2009) do Papa Bento XVI. Ao vê-lo passar na minha frente, recordei uma citação que nossos filho e nora incluíram no opúsculo da celebração do seu casamento (1/7/2006): “Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos agora o amor já não é apenas um mandamento, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro. “Deus é amor – Bento XVI) E uma outra que muito me surpreendeu pela sua novidade e abrangência: “O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade. (…) Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. (…) Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio.”. E lembrei também a sua homilia no Santuário Nacional de Aparecida, em 13 de maio de 2007, onde recordou que a “Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por atração”. Esse o legado que o seu sucessor tão bem concretizou… Em sintonia com o Papa Francisco, dou “graças a Deus pelo dom deste fiel servidor do Evangelho e da Igreja”. E faço-me eco das palavras finais da sua homilia na Missa exequial: “Bento, fiel amigo do Esposo, que a tua alegria seja perfeita escutando definitivamente e para sempre a sua voz!”. (10 /5/ 2023)

quarta-feira, maio 03, 2023

DE QUEM É ESTE BUSTO?

Quando entrava no ‘Prado do Repouso’, ao contemplar a efígie do Padre Baltazar Guedes no largo com o seu nome, sempre me interrogava: - Quem foi este portuense que mereceu tal homenagem? A resposta chegou-me no prestigiado ‘Boletim do Venerável D. António Barroso’, dirigido por Amadeu Araújo, o vice-Postulador. Deu-ma o estimado Prof. Doutor Luís Amaral no artigo “Visita de D. António Barroso ao Colégio dos Meninos Órfãos do Porto em 1905” que, com vénia, passarei a citar. E, no dia 14 de fevereiro, no Porto Canal, o historiador Joel Cleto, em ‘Caminhos da História’, falou dele como um dos beneméritos do Porto que se preocuparam com as crianças órfãs e desamparadas. Soube, então que o P. Baltazar Guedes, nascido em S. Nicolau (1620-1693), fundou “o Colégio dos Meninos Órfãos, logo confiado à proteção de Nossa Senhora da Graça”. “Sabia por experiência própria (ficou órfão muito novo) quão desventurada e desamparada socialmente era a vida da larga maioria daqueles que muito cedo, ficavam privados do respaldo e do aconchego de uma vida familiar.” Como ele próprio confessa: “Ardia-me no Coração hum fervoroso dezejo de ver feyta nesta caza de N. S.ª alguma obra que fosse a ella agradável (…) Andados dois annos me veyo a imaginação que fizesse nesta Caza de Nossa Senhora Collegio de Meninos Orfãos”(Guedes, Padre Baltazar – Breve relação da fundação do Colégio dos Meninos Órfãos de N. S.ª da Graça) Em ‘precárias instalações’, o Colégio “abriu solenemente no dia 25 de Março” de 1651, próximo da “modesta ermida de Nossa Senhora da Graça, localizada em terreno onde hoje se ergue o edifício da Reitoria da Universidade do Porto”. Em 1803, o edifício foi ocupado pelas aulas da Academia Real da Marinha e Comércio da Cidade do Porto. E o Colégio acabou por se mudar para a rua dos Mártires da Liberdade, nº 237. Em 1903, passou para o “antigo edifício do primeiro seminário diocesano do Porto (1804), na quinta do Prado do Bispo” que estava abandonado e a Câmara Municipal reconstruiu e adaptou. Em 1905, D. António Barroso, aquando da visita às suas novas instalações, deixou-nos um texto que se conservou inédito até ser publicado no artigo a que venho aludindo e que responde cabalmente à minha pergunta inicial. “A obra do Padre Balthasar Guedes é enorme. O nome deste humilde presbytero por si bastaria para fazer o orgulho da Cidade, onde concebeu e executou a sua grande obra, se ella não tirasse o de outros beneméritos da charidade que a par da d’elle tanto a honram e sallvam. Só a charidade pode inspirar heroísmos como os que exemplificam em favor de irmãos deserdados e infelizes o P. Guedes. Ao que encontrou de mais abandonado deu na terra um azylo, sob a protecção de N. Senhora da Graça; e esta Celeste Protectora dos infelizes abraçam (sic) a Obra, que florece e frutifica atraves dos annos, todos os dias mais pujante e bella. Quem hoje visitar este magnífico Collégio sinta que esta instalação é digna do fundador, da Cidade do Porto e do alto fim a que se destina: educação. (…) Ao Reitor desta Caza (…) desejo saúde e longa vida para continuar a dar realce a esta Santa Obra que imortaliza o nome d’um grande christão e grande portuguez, Balthazar Guedes. 10 d’Outubro de 1905 (assinatura:)  António, Bispo do Porto” – (Real Collégio dos Meninos Órfãos de N Senhora da Graça. 1651) Quem melhor poderia falar desta grande figura humana e cristã e da sua nobre instituição? Unia-os a mesma devoção a Nossa Senhora e a mesma paixão pelos mais necessitados… No 3º centenário do Colégio (1951), a Câmara Municipal do Porto “confiou a direcção e a simples administração do Colégio dos Órfãos à Sociedade Salesiana”. No 372º aniversário, quero, na memória do seu fundador, prestar homenagem a todos servidores que, ao longo de séculos, tanto bem têm prestado à Cidade e à Igreja. A minha pobre e singela homenagem! (3/5/2023)