O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 21, 2022

PERGAMINHOS DO PORTO - PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE - III

*O Porto e a ‘Revolta dos Taberneiros’ - 1757 (tema do romance ‘Um Motim há Cem Anos’ de Arnaldo Gama). Este motim teve início em 23 de fevereiro. O povo, com especial relevo para os donos das tabernas donde lhe adveio o nome, levantou-se contra os privilégios que o Marquês do Pombal concedera à recém-criada Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro que passava a deter o monopólio do comércio do vinho do Porto. Posteriormente, o Marquês mandou ao Porto uma Alçada (tribunal especial) que castigou severamente os implicados, 26 dos quais foram condenados à morte. * O Porto e o Constitucionalismo - 1820 "Em Portugal havia um descontentamento profundo. A miséria geral, a ruína dos comerciantes, a impaciência dos militares que viam os melhores comandos nas mãos dos oficiais ingleses; a ideologia de pequenos grupos de formação universitária, impregnados de teorias liberais, foram os quatro fatores decisivos que levaram à preparação de uma revolta militar que, em 24 de Agosto de 1820, eclodiu no Porto" (J. Hermano Saraiva, Breve História de Portugal) Foi " festejada como a restauração da pública felicidade". A nossa primeira Constituição viria a ser aprovada em 23 de setembro de 1822. Quem chefiou a Revolução de 1820 foram os liberais, - adeptos dos ideais da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade , Fraternidade – com destaque para Fernandes Tomás e Ferreira Borges. * O Cerco do Porto -1832-34 D. Pedro regressou à Europa para defender, contra o seu irmão D. Miguel, os direitos de sua filha. Organizou uma expedição militar que veio a desembarcar na zona de Pampelido, dirigindo-se para a cidade do Porto. O feito é lembrado na placa do ‘Obelisco da Memória’, inaugurado, em 1840, com a presença de D. Maria II: “EM HONRA DE SUA MAGESTADE IMPERIAL DOM PEDRO DUQUE DE BRAGANÇA PRIMEIRO IMPERADOR DO BRAZIL E QUARTO REI D'ESTE NOME EM PORTUGAL COMMANDANTE EM CHEFE DO EXÉRCITO LIBERTADOR AQUI DESEMBARCADO EM OITO DE JULHO DE MIL OITOCENTOS E TRINTA E DOUS PARA RESTITUIR O THRONO A SUA AUGUSTA FILHA A RAINHA REINANTE DONA MARIA SEGUNDA E A LIBERDADE AOS PORTUGUEZES SE ERIGIO ESTE PADRÃO PARA PERPETUA MEMÓRIA” O ‘Exército Libertador’ entrou no Porto no dia 9 de julho. Ia começar uma terrível Guerra Civil. As forças de D. Miguel montaram acampamentos nos arredores e impediram as entradas e saídas da cidade - foi o Cerco do Porto. As gentes do Porto resistiram ao lado dos soldados e apoiaram a sua luta com muitos sacrifícios : aos bombardeamentos miguelistas juntaram-se a fome, o frio e a cólera. A cidade era constantemente bombardeada pelas baterias miguelistas. E isto durante doze meses. Os incêndios eram consecutivos. Mas o povo não desistia do seu apoio às tropas: para as missões mais arriscadas, apareciam sempre voluntários; e as mulheres do povo iam, de manhã, levar às linhas de combate o caldo ao homem como se ele andasse no trabalho. Finalmente, o cerco terminou e o Porto pôde, com D. Pedro, festejar a vitória. Como penhor de gratidão, o Rei Soldado legou à cidade o seu coração que se encontra na Igreja da Lapa. * O Porto e o ideal republicano - 1891 O descontentamento popular em relação à Monarquia fez estalar manifestações de revolta. É no Porto, em 31 de janeiro de 1891, que rebenta a primeira revolta republicana que foi violentamente reprimida. Os mortos foram sepultados no cemitério do Prado do Repouso onde hoje se levanta um monumento com a legenda:" Paz aos vencidos". Vencidos os homens, mas não o seu ideal. A semente fora lançada e germinaria em 5 de outubro de 1910. * O Porto e a Ditadura do Estado Novo - 1959 D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, foi a voz da Igreja que mais alto se levantou contra a ditadura salazarista. A sua atitude de coragem - “de joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens"- valeu-lhe um longo exílio de 10 anos (não podendo vir ao funeral de sua mãe, ‘o seu dia mais triste’). Regressou a Portugal em 1969, no Governo de Marcelo Caetano. Com esta chave de ouro, fecho o baú de recordações duma cidade de que Almeida Garrett, um dos seus filhos, disse: “Se na nossa cidade há muito quem troque o B por V, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão”. Um Santo Natal na liberdade dos filhos de Deus. (21/12/2022)

terça-feira, dezembro 13, 2022

PERGAMINHOS DO PORTO - PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE - II

O Porto e o Mestre de Avis (1383) O Porto, nos finais do século XIV, era já uma terra de possantes recursos, pela firmeza de vontade e dureza dos seus habitantes. Foi o que se viu na Crise de 1383-1385. Pouco depois da aclamação (1383) de D. João, Mestre de Avis, como ‘Regedor e Defensor do Reino, o seu emissário, Rui Pereira, perguntava às gentes do Porto se poderia contar com elas na luta contra Castela. Segundo o testemunho do cronista Fernão Lopes, um tal Domingues Peres das Eiras, em nome da cidade assim se exprimiu: " Eu digo por mim e por todo este povo que aqui está que nós somos prestes com boa vontade de servir o Mestre com os nossos corpos e haveres, ouro e prata- para nunca sermos em poder dos Castelhanos. E digo mais. Digo que não há nesta cidade quem tenha pensamento contrário disto, porque se o tiver não o poderá ter por muito tempo. E para isto, as naus e as barcas e galés com todas as coisas que nelas fizerem mister oferecemos ao Mestre de muito boa vontade." As afirmações do desassombrado burguês foram postas em prática, aparelhando navios e obtendo a submissão de alguns castelos como Gaia, Vila da Feira, Neiva, Faria, Vermoim... Para retribuir tão grande apoio, o Mestre, logo que aclamado Rei nas Cortes de Coimbra (1385), veio ao Porto sendo recebido em apoteose, como diz o mesmo cronista: "As ruas, volvidas as estradas de ramos e flores com defumadores de cheiros, o rio apinhado de naus e batéis apendoados, o rei a pé, por entre tanta gente que parecia que o queriam afogar sob uma chuva de rosas que as donzelas lhes desfolhavam das janelas". E a festa redobrou aquando do casamento do Rei com D. Filipa de Lencastre, na Sé do Porto (2/2/1387): “E na Quinta-feira foram as gentes da cidade juntas em desvairados bandos de jogos. As principais ruas por onde a festa havia de ser, todas eram semeadas de desvairadas verduras e cheiros. A gente era tanta que se não podiam reger nem ordenar”. O Porto e a Frota de Ceuta (1415) D. João I, em 1414, incumbiu o Infante D. Henrique, natural do Porto, de, aqui, preparar uma frota que se juntasse à do Tejo para a expedição a Ceuta. Durante meses, a cidade acusou desusado bulício. Em junho de 1415, os trabalhos estavam concluídos e "era fremosa cousa de ver o corrigimento daquela frota, porque todalas naaos e galees e outros navios eram nobremente apendoados com balssões e pemdoôns pequenos das cores, motos e devisa do Iffante"(id). A frota compunha-se de setenta navios "afora outra muita fustalha". Porque era necessário levar muitos mantimentos para a longa viagem daqueles marinheiros/guerreiros, as gentes do Porto fizeram embarcar toda a carne que podia ser salgada, reservando para si apenas o que restava dos animais: as tripas. Deste facto, terá surgido a alcunha de "Tripeiros" que muito honra as gentes do Porto. O Porto e o Motim das Maçarocas (1629) No tempo dos Filipes, visou “impedir o lançamento de um imposto sobre as maçarocas ou rocas que, para muitas mulheres constituiria o seu magro ganha pão. A investigação do caso permitiu concluir que : - não fora somente o Povo mas "gente da cidade, graves e vestidos de seda" que se concentrara na noite do levantamento: - o Povo combinara atribuir a responsabilidade do motim a anónimos populares e ‘maganos’. Merece relevo a solidariedade manifestada pelos moradores que permitiu manter no anonimato os principais cabecilhas" (F Ribeiro da Silva, O Porto e o seu termo -1580-1640). A Segunda Invasão Francesa e o Desastre da Ponte das Barcas (1809) Na madrugada do dia 29 de Março de 1809, as tropas napoleónicas de Soult entraram de roldão na cidade. A população, em pânico, precipitou-se para a Ribeira e lançou-se para a frágil Ponte das Barcas a fugir para Gaia. A dado momento, a ponte rompeu-se e os fugitivos afundaram-se nas águas profundas do Douro. Nunca se soube ao certo o número dos mortos, mas calcula-se que foram mais de 6.000. Este desastre marcou de tal modo a memória coletiva das gentes do Porto que, ainda hoje, 213 anos passados, continuam a pôr flores e a acender velas, nas ‘Alminhas da Ponte’, por alma dos que aí pereceram. (14/12/2022)

terça-feira, dezembro 06, 2022

PERGAMINHOS DO PORTO - PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE - I

Fez, no domingo passado, 26 anos que o Porto foi declarado Património da Humanidade. Para celebrar a data (4/12/1996) que nos catapultou para a ribalta do turismo mundial, decidi revisitar as memórias da cidade de que “houve nome Portugal”. (Eugénio de Andrade) A DIVISA DO PORTO " Cidade Invicta" ou simplesmente " Invicta". Esta designação foi-lhe atribuída por decreto de D. Maria II, como preito de homenagem ao seu heroísmo durante as Lutas Liberais. A divisa completa é: " Antiga, mui nobre e sempre leal e invicta Cidade do Porto". O título de " leal cidade" fora-lhe reconhecido no séc. XV pela patriótica fidelidade das suas gentes à causa do Mestre de Avis. Já no século XVI, o nosso épico Luís de Camões, a glorificou em " Os Lusíadas" (Canto VI):" Lá, na leal Cidade donde teve / Origem (como é fama) o nome eterno / De Portugal, armar madeiro leve / Manda o que tem o leme do governo." AS ARMAS DA CIDADE Foi em 1517 que o brasão da cidade começou a integrar a imagem de Nossa Senhora de Vandoma, com o Menino Jesus ao colo sobre um fundo azul e entre duas torres, as antigas torres românicas da Sé. Esta imagem coroava o Arco de Vandoma da velha cerca do Porto, dita ‘suévica’ mas de origem romana (século III). Padroeira da Cidade, hoje, é venerada no tansepto da Sé. O PORTO NA HISTÓRIA * O Couto do Porto - A pequena povoação no morro da Penaventosa, cuja origem remonta ao final da Idade do Bronze,(século VIII a.C.), foi doada por D. Teresa ao Bispo D. Hugo em 1120. Estava rodeada por uma estreita cerca de muralhas com quatro portas de acesso: Nossa Senhora de Vandoma, demolida em 1835; S. Sebastião, demolida em 1821; Santana, demolida em 1819 (nos vestígios do seu arco, a imagem de Santa Ana recebe a devoção popular que a enfeita de flores) e Verdades. * O Porto e a conquista de Lisboa - Era o dia 16 de junho de 1147. Cerca de 200 navios, vindos do norte da Europa, com uma expedição de ‘Cruzados’ para a Terra Santa, entraram no rio Douro, o último grande abrigo antes de chegar a terras sarracenas. Para os receber, o Bispo do Porto, D. Pedro de Pitões, logo desceu o morro da Sé. E informou-os que havia recebido uma carta do seu rei, D. Afonso Henriques, que dizia: " Afonso, rei de Portugal a Pedro, Bispo do Porto - Saúde. Se por acaso os navios dos Francos passarem pelo Porto, recebei-os com presteza e amizade e conforme o entendimento que com eles fizerdes para que fiquem comigo, vós e todos aqueles que o quiserem, como penhor do compromisso tomado, vinde juntar-vos comigo, junto dos muros de Lisboa. Adeus" No dia seguinte, reunidos no adro da Sé, (hoje, uma placa assinala o local), o Bispo fez um sermão e tal foi o calor das suas palavras que a proposta acabou por ser aceite. Passados dez dias, a armada partiu em direção a Lisboa, levando consigo o Bispo, como fiador do compromisso de D. Afonso Henriques. Ao chegarem a Lisboa, houve risco de graves desentendimentos entre os guerreiros estrangeiros e portucalenses, mantendo-se o Bispo inquebrantavelmente fiel à sua palavra, como testemunhou o cruzado Osberno: "Só o bispo do Porto permaneceu sempre connosco, como penhor, até à rendição de Lisboa". * A Muralha Fernandina - Com o desenvolvimento do comércio marítimo, a população do velho Burgo começou a estender-se para fora da velha cerca em direção ao rio Douro, junto da foz do rio da Vila. Foi no Reinado de D. Afonso IV, em 1336, que se iniciou a construção da nova muralha que ficou concluída ao fim de 40 anos, já no reinado de D. Fernando. Daí o seu nome: " Muralha Fernandina". O muro apresentava uma altura média de 6,60 metros, com 2,20 metros de espessura e 3.400,00 metros de perímetro, com cinco portas, defendidas por torres, sete postigos e vinte cubelos. Para dar lugar a novos arruamentos, começou a ser demolida na segunda metade do século XVIII. Os troços sobreviventes, na zona oriental junto à antiga Porta do Sol, na Sé; e do lado ocidental no chamado ‘Caminho Novo’, em Miragaia, foram considerados monumentos nacionais em 1926. O ‘Postigo do Carvão’, virado ao Douro, em S. Nicolau, é a única das antigas aberturas da muralha que ainda se conserva. (7/12/2022)