O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Pastoral da ternura

“Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar, assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco a própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós”.

Foi desta forma carinhosa que, faz hoje um mês, ouvimos S. Paulo dirigir-se aos cristãos de Tessalónica, precisamente, no domingo que mediou entre a morte e as exéquias do P. Salgueirinho. Nada mais a propósito. Acaso? Providência?

Deus agraciou o P. Salgueirinho com os dons da palavra e da ternura que ele pôs ao serviço da Igreja e da Humanidade.
Quem com ele conviveu jamais esquecerá a afabilidade do seu rosto; quem ouviu a sua “Oração da Manhã” sentiu a doçura do seu dizer; quem leu os seus textos deixou-se maravilhar pela poesia das suas palavras. Era terna a sua escrita e meiga a sua voz.
Como lhe sorriam os olhos quando acariciava uma criança! É bem verdade que “quem meu filho beija minha boca adoça”. E os pais guardavam para sempre a memória desse sacerdote que se emocionava com o sorriso de um bebé. Logo que soube da sua morte, um pai, cujo filho ele acarinhara, apressou-se a enviar um sms: “sinto convosco a partida deste amigo”. E três rosas, bem sentidas, velaram aos pés do seu caixão…

O meu primeiro encontro com o P. Salgueirinho deu-se, era eu ainda jovem, no Bom Jesus de Barrosas, numa família que lhe queria como a um filho. Depois, ao longo dos anos, rezei com a sua “oração da manhã” da Rádio Renascença. Como lhe agradeço esses momentos que me iluminavam o dia.
Habituei-me ao “Vitral” com que nos deliciava na Voz Portucalense. Que beleza de forma e que riqueza de conteúdo!...
Encontrei-o muitas vezes na livraria Voz Portucalense porque ele manteve o hábito de a frequentar, diariamente, mesmo depois de, a seu pedido, ter deixado a Direcção. Costume esse que também era seguido pelo seu colaborador, Dr. Idalino Vaz Ferreira, que faleceu uns dias antes do P. Salgueirinho. Bons hábitos que todos apreciavam. Gostávamos de o tratar, carinhosamente, como “director-emérito”! Como eram sábias as palavras saídas da sua boca! Da sua última conversa comigo retive uma lição que partilho convosco: “há três defeitos que crescem com a idade: a avareza, a vaidade e a desconfiança. Temos de estar atentos “.

Como sabia ajudar quem trilhava caminhos de calvário! Ele próprio escreveu a propósito de um jovem “que no fim de alguns anos de sofrimento intenso, partiu para a eterna luz de Deus. (…) A oportunidade de nos conhecermos surgiu. Abracei-o e dei-lhe palavras de esperança. Jamais esqueci aquele rosto cândido e afável”. Como ele apreciava a afabilidade!

Foi um bom amigo e um semeador de esperança. A ternura era a folha de ouro com que debruava toda a sua vida.Muito obrigado, P. Salgueirinho! E que o seu exemplo frutifique.

A Mestra Maruja

Rezei-lhe no “Dia de Todos-os-Santos”. Nunca soube o seu nome, nem a idade, nem o estado. Era apenas a “Mestra Maruja”. Ensinou a doutrina a muitas gerações que lhe queriam como uma segunda mãe. E mãe não tem nome.

Ainda eu não andava na escola e já ia à doutrina. Magra e de rosto seráfico, acolhia-nos num salão de terra batida sem mesas nem bancos. Serviam-nos de assento alguns molhos de “erguiço” (caruma). Também não havia livros nem cadernos. Num ensino meramente oral, a mestra dizia e nós repetíamos em coro ritmado: “Deus é um ser infinitamente perfeito… nosso legislador e remunerador”. Não havia separação de géneros, como hoje se diz, pois até partilhávamos os mesmos feixes para nos sentarmos. Já se praticava a co-educação.

E foi assim que aprendi os dez Mandamentos da Lei de Deus e os da Santa Madre Igreja que são cinco. E as catorze Obras de Misericórdia, sete corporais e sete espirituais, que ainda incluíam “remir os cativos” - que já não há - e “castigar os que erram”- coisa que já não se usa. E os pecados mortais que são sete. Nas virtudes contrárias aos pecados mortais, tinha dificuldade em dizer “liberalidade”, a virtude contra a avareza. Hoje diz-se “entreajuda” que é coisa fácil de dizer mas difícil de praticar. A seguir, aprendi que “Oprimir os órfãos e as viúvas”e “não pagar o salário a quem trabalha” eram dois dos quatro “pecados que bradam aos céus” E os seis pecados contra o Espírito Santo. E também aprendi os sete dons e os doze frutos do Espírito Santo que, às vezes, trocava e sempre me atrapalhei com a “magnimidade”. As três virtudes teologais e as quatro cardeais. E os sete Sacramentos. As oito bem-aventuranças e os conselhos de Cristo que são três. E os quatro novíssimos do homem: morte, juízo, inferno, paraíso.
Ia assimilando à minha maneira o que aprendia: o inferno era um ”lugar de tomentos” que eu conhecia porque via minha mãe a fiá-los, tormentos é que não sabia o que era. Para mim, a 4ª obra de misericórdia era dar pousada aos “pelingrinos” com que se armavam as armadilhas para os pardais, peregrinos era coisa que desconhecia. E ao dizer a primeira virtude cardeal, sempre me lembrava da tia Prudência que era minha vizinha. Maravilhava-me com os Dotes do Corpo Glorioso -impassibilidade, claridade, agilidade, subtilidade . Imaginava-me a trespassar paredes como Jesus e, como os anjos, a voar entre as nuvens.

Naquele tempo, ia-se à Mestra para aprender a doutrina. As orações eram ensinadas em casa e a experiência da Fé bebida com o leite materno. Agora, a catequese tem exigências bem maiores. Não basta uma transmissão de conhecimentos. É preciso suscitar na criança o sentido do mistério e a vivência da Fé que, raramente, trazem da família. E esta é tarefa bem mais difícil.