O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, novembro 27, 2019

A PERSONIFICAÇÃO DOS ANIMAIS

 
Aprendemos que a «personificação» é uma figura de estilo que atribui qualidades e comportamentos humanos a seres que o não são. E ao longo da vida, já falámos do “cão que sorri”. Hoje, porém, parece que é bem mais que uma figura literária.

Vejo mensagens que me surpreendem como a de alguém que escreveu, quando da morte do cão: “A tua ternura enchia-me a vida. Mas eu acredito que um dia nos voltaremos a encontrar”. Sei, por experiência própria,  que custa ver morrer um animal a que nos afeiçoámos. Mesmo quando não é de companhia, como era o caso de minha mãe que, quando ia dar de comer aos porcos, tratava-os por «meus bichinhos» e sempre saía de casa na hora da «matança». Mas nada de confusões: animal é animal; pessoa é pessoa.

Entretanto, chegou-me um texto que explica assim a popularidade deste fenómeno:
“A pequenez das nossas famílias cria um vazio que é preenchido por cães e gatos. Numa sociedade de filhos únicos como a nossa, não há irmãos, não há primos. Mas há cães e gatos. Se não há crianças também não há netos. Mas há cães e gatos. A humanização dos animais, uma marca ocidental, é fortíssima em Portugal, porque nós somos uma das sociedades mais velhas, uma das sociedades com mais divórcios e uma das sociedades com menos filhos. (Henrique Raposo).

Não há dúvida que, como me dizia um veterinário, se as pessoas soubessem o bem que os animais fazem, não haveria cães nem gatos abandonados. – “É um folgo vivo com quem falo”, confidenciou-me uma senhora que vivia só. Mas bem diferente é ver animais tratados como pessoas ou ainda melhor e crianças por adotar, idosos sem companhia, doentes à espera duma visita; é saber que a defesa dos animais atrai mais apoios que a dignificação da vida humana. Os “media” reclamam, mais vezes, a construção de canis do que de lares para pessoas de idade. Quando, com os netos, vou ao Parque Oriental do Porto – um lugar muito aprazível – sempre encontro cães a brincar com os donos; raramente, pais a fazê-lo com os filhos e nunca vi um jovem a passear com um idoso.

Razão tem o Santo Padre quando disse: «não criem gatos e cães, façam filhos».
“Mas é melhor talvez - mais cómodo - ter um cãozinho, dois gatos, e o amor vai para o cão e os dois gatos. É verdade isto, ou não? Já viram isto, não é? E no final este matrimónio chega à velhice com a amargura da triste solidão”.(TVI 24 – 18/10 /2019)

Adotar animais é um ato de generosidade que implica sacrifícios. Mau é quando se desvia para eles a ternura devida às pessoas. Mau é saber:  que “Portugal é o terceiro país menos solidário na Europa em voluntariado”; que “estamos três vezes abaixo da média da EU”;  que,“de 2012 a 2018, baixou de 11,5 para 7,8 o número de voluntários em cada 100 portugueses”. Como são de louvar instituições como o «V.O.U. Acompanhar» que “dá mimos aos idosos isolados”…(cf. JN, 5/11/2019)

(27/11/2019)

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, novembro 20, 2019

"O DIA MAIS TRISTE..." - ECOS DE UMA HOMENAGEM



Parafraseando a conhecida máxima popular, gosto de dizer “quem meus pais beija minha boca adoça”.
Com este espírito, quero associar-me à homenagem que, no dia 18 de outubro, foi prestada a D. António Ferreira Gomes, em memória dos 60 anos da «Carta a Salazar» e dos 50 do seu regresso do exílio.
E faço-o, no 54º aniversário da morte de sua mãe - “o dia mais triste do meu exílio”. Foi um dia especialmente doloroso para o filho que não pôde participar no funeral de sua mãe, porque o Governo de Salazar o não autorizou a entrar em Portugal e nem sequer a notícia pôde ser publicada nos jornais porque o seu nome tinha sido proscrito pela Censura. Consolou-o a presença massiva de clero e fiéis da sua Igreja do Porto. Esta participação só foi possível porque muitos padres e leigos percorreram a diocese a dar, em surdina, a triste notícia e informar a hora do funeral. Reconfortou-o, ainda, a companhia, em Roma onde estava, de vários sacerdotes que aí estudavam e com quem desabafou: “Quando morre o pai ou a mãe, deixamos de ser meninos”. Foi tão grande a sua dor que, quando regressou à terra, o primeiro local que visitou foi o túmulo da mãe onde se demorou a rezar. A Voz do Pastor (19/7/1969) publicou a sua fotografia junto do jazigo, com a legenda “Poema de amor e saudade“.
Já, em 21 de Novembro de 2010, a Voz Portucalense lhe prestou homenagem, no 45.º aniversário desse “dia mais triste”, com uma romagem a São Martinho de Milhundos em que participaram os familiares e muitos assinantes e colaboradores da Voz Portucalense, entre os quais sobressaía o Professor Levi Guerra, então diretor do Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes. A Eucaristia, seguida de Te Deum cantado pelo Coro Gregoriano do Porto, foi presidida por D. João Miranda, em representação de D. Manuel Clemente que não pôde estar presente. O mesmo aconteceu a vários bispos que escreveram a lamentar a ausência. Recordo: D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima: D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas; D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa; D. Manuel Linda, bispo auxiliar de Braga. Todos convergiam na mensagem enviada por D. Manuel Martins: “Julgo digno de muito louvor a iniciativa para o pf. dia 21 de Novembro”.
Em homenagem ao filho, os versos que ele gostava de dedicar «Às Mães»: “E o nome vosso, ó mães, não lembra um só instante! /- Quem sabe o nome vosso, ó mães de Tasso e Dante?” (Guilherme Braga) ”
Em honra da mãe -para que seu nome seja lembrado - as palavras da pagela comemorativa da sua morte - “À saudosa memória de Albina de Jesus Ferreira Gomes – Nasceu a 28 de Abril de 1877- Faleceu a 21 de Novembro de 1965 - * Stabat Juxta Crucem Jesu Mater eius” (Joan. XIX, 25)”. Quão pertinente e significativa é esta invocação da «Senhora do Calvário»: ”Junto da cruz de Jesus estava de pé Sua Mãe”… (20/11/2019)

 

quarta-feira, novembro 13, 2019

PARCEIROS OU COMPETIDOES

 
Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota”, disse Madre Teresa de Calcutá.

A Igreja apoia as camadas mais pobres e nas zonas mais remotas da Terra. Administra 115.352 instituições de saúde e de assistência em todo o mundo, incluindo 5.167 hospitais, sendo a maior parte na América e em África; 17.322 dispensários, a maioria em África, na América e na Ásia; 648 leprosarias distribuídas principalmente na Ásia e em África; 10.124 orfanatos, principalmente na Ásia e na América; 3.663 centros de educação e reeducação social, além de 36.386 instituições de outros tipos. Só a Sociedade de S. Vicente de Paulo ajuda cerca de trinta milhões de pessoas, em 138 países.

E em Portugal? E na nossa Diocese?

A Igreja tem em funcionamento cerca de 1700 IPSS canonicamente eretas e com múltiplas valências.
O P. Lino Maia, presidente da CNIS, diz-nos que, só na nossa diocese, há 3.363 Vicentinos num total de 302 Conferências (VP, 18/9/2019). E “há presentemente 388 Misericórdias ativas em Portugal que, no seu conjunto, apoiam diariamente cerca de 165 mil pessoas e, para o efeito, contam com mais de 45 mil colaboradores diretos”. Com exceção da de Lisboa todas as outras são “simultaneamente de ereção canónica e instituições de solidariedade social”. Na diocese do Porto há um total de 28 Misericórdias” (VP, 29/5/2019). E ainda, “De acordo com a Carta Social (2017), as IPSS têm equipamentos para crianças e pessoas idosas em 70,76% do número total de freguesias do continente, sendo as únicas entidades com estas respostas em 27,16% das freguesias, com predomínio dos centros sociais paroquiais” (VP,19/6/2019).

A sociedade terá consciência da importância deste trabalho? E nós? Penso que as instituições deveriam aparecer mais nas redes sociais. Não por vanglória mas ao serviço da verdade.

Sei que Jesus disse “Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a direita (Mt, 6,3).Mas também já tinha dito: “Não se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire…” (Mt, 5,14-16)

Um voto - Que o novo Governo saiba respeitar este «suplemento de alma» que chega às «periferias existenciais» e se questione: ”É dogmaticamente infalível o modelo de assistência imposto pelo Estado por intermédio da Segurança Social?”; “A Segurança Social posiciona-se perante os organismos assistenciais da sociedade civil como seus legítimos parceiros a favorecer ou como competidores a isolar?”.

E um apelo - Que a nova equipa ministerial traga um outro espírito para os seus funcionários de modo que a Segurança Social deixe de ser, “um serviço predominantemente inspetivo, habitualmente tido mais como problema acrescido do que uma reserva de solução” (D. Manuel Linda, JN, 15/9/2019).

(13/11/2019)

 

quarta-feira, novembro 06, 2019

SIMPLICIDADE, A MATRIZ DOS SÁBIOS

 
Faz hoje precisamente um mês que Tolentino de Mendonça recebeu o “barrete cardinalício”. O que me motiva nesta evocação não é a «honra» de ter um «Príncipe da Igreja» português, mas o exemplo de um bispo cujo “primeiro pensamento quando soube da nomeação não foi de júbilo. Foi a admoestação que Jesus faz no Evangelho: procura o último lugar ”. (NM, 6/10/2019)

Nasceu em 1965 numa família de humildes pescadores do Machico, na ilha da Madeira. E jamais esqueceu a simplicidade do lar materno.
Dele, diz o Presidente da República: “Foi sempre um exemplo de rigor ético, de luminosa inteligência, de prodigiosa palavra. Tudo debaixo de uma postura muito simples, muito humilde, muito discreta quase que como quem pede desculpa de incomodar os demais com uma palavra, um pensamento, um gesto” (JN,6/10/2019). Alice Vieira, que o conheceu na Feira do Livro em Frankfurt, confessa: “Ficámos a dar-nos muito bem. Só quando cheguei a Lisboa é que percebi que ele era padre”. No ano passado, um amigo meu, anticlerical e agnóstico inquieto, dizia-me, com admiração: - “Há muito tempo que gosto dum poeta e, só há dias, descobri que ele é padre. Chama-se Tolentino…Os seus poemas são muito simples, mas muito profundos e duma beleza surpreendente. E nada clericais…”
Dos vários testemunhos recolhidos por Notícias Magazine (JN, 6/10/2019), apenas alguns:
- “A Missa (na capela do Rato) era um momento especial. Os miúdos podiam brincar e sentar-se ao pé dele. Na comunhão, os divorciados também se punham na fila e recebiam o sinal da cruz na testa. Sentiam-se incluídos. A igreja era uma casa grande onde estávamos todos.” (Alice Vieira, escritora)
- “Quando cheguei, senti conforto. O Tolentino é uma espécie de terapeuta na sua essência. Sentíamos que ele tinha o dom de nos ouvir. E que encontrava sempre na Bíblia forma de nos ajudar a estar em comunidade. O que me faz sentir uma das cartas do baralho.” (Luís Mah, investigador)
- “As palavras dele evocam profundezas, mas com uma simplicidade fascinante. Um homem que sabe fazer pontes e dar murros na mesa da sua casa. Porque está atento aos outros e vê o que neles há de melhor.” (Alexandre Lucas Pires, escritor)
- “É talentoso. Anda pela cidade e não exclui ninguém. Enquanto académico, teólogo, poeta. Áreas que conjuga com o asfalto, com a cidade, com as gentes. E é afetuoso, tem um sentido de amizade e uma grande ternura pelas pessoas.” (Leonor Xavier, jornalista).
Razão tem o P. Fernando Calado: “O Papa espera que os novos cardeais, mais que príncipes da Igreja, sejam homens compassivos que com ele se comprometam na reforma da Igreja e na atenção aos problemas que afligem o Mundo. Para isso, conta com o apoio e a lealdade de D. Tolentino Mendonça.” (7/10/2019). Disso não tenho dúvidas.

 “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração.” (Mt, 11,28)

(VP, 6/11/2019)