O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, novembro 29, 2016


ARTE NA RUA


Há dias, subi à “Fábrica Social” para visitar a exposição coletiva com o título: 80 anos / 80 interpretações de José Rodrigues, que poderá ser vista até 18 de fevereiro. Vale a pena, dado o valor dos artistas presentes e a variedade das expressões plásticas. Justa homenagem que o “Mestre” bem merece.

Tomei conhecimento, então, do livro José Rodrigues – Esculturas na cidade do Porto, apresentado em 28 de outubro - 80º aniversário do seu nascimento - que nos convida a segui-lo pela cidade.

Logo a abrir, Laura Castro afirma que “Entre as muitas características que lhe reconhecem, a disponibilidade é talvez uma das mais importantes.” Depois de enumerar as muitas vertentes dessa disponibilidade, acrescenta: “Acima de todas, a disponibilidade para a criação numa obra imensa e dispersa que o levou a classificar-se como um especialista, mas apenas na vontade de transformar.

Essa sua obra imensa também se dispersa pela cidade do Porto. O livro enumera as seguintes: “Esculturas em bronze e ferro de várias fases do Mestre, na Fábrica Social;

 O Guardador do Sol, na Faculdade de Belas Artes, 1963; A Menina, na Faculdade de Belas Artes, 1972; Monumento a D. António Barroso, no Largo 1º de Dezembro, 1999; Homenagem ao Duque da Ribeira, no Cais da Ribeira, 1995; O Cubo, na Praça da Ribeira, 1983; Homenagem a Joaquim D’Oliveira Martins, na Rua de Águas Férreas, 1995; Homenagem a Mário Cal Brandão, na Rua Rodrigues Sampaio, 1996; Monumento ao General Humberto Delgado, na Praça de Carlos Alberto, 2008; Ícaro, na Sociedade Portuguesa de Autores, 1999; Ícaro, na Escola das Virtudes, 2006; Monumento a Ferreira de Castro, na Foz do Douro, 1988; Monumento ao Empresário, Av. da Boavista, 1992; Panteras, no Estádio do Bessa, 2003; Feixe, na Portugal Telecom, 1989-90; ADN, no Hospital Magalhães Lemos, 1970; O Obelisco, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, 1974; Anjo Protector da Cidade, no Mercado Abastecedor do Porto, 2005; Memorial a Eugénio de Andrade, no Passeio Alegre, 2005.

Que belo passeio para quem tem gosto pela arte!... E quem o não tem?

Não podendo transcrever todas as descrições das esculturas, apresento-vos, com vénia, uma pequena perícope a respeito do Monumento a D. António Barroso: “José Rodrigues optou por uma indicação sintética das vertentes fundamentais da acção de D. António, a acção missionária (em Angola e Moçambique), e o bispado (Himéria, Meliapor e no Porto). Utilizando a forma paralelepipédica como matriz e evocação de marco ou padrão (…) Numa das faces, a figura do clérigo surge do fundo, em baixo-relevo (pensativo e determinado como sugere o gesto indicador da mão direita) ”.

É mais um apelo à contemplação de tão significativa criação do Mestre José Rodrigues.

(0/11/2016)

quarta-feira, novembro 23, 2016

VEJO E INTERROGO-ME...



Vi um casal de namorados sentar-se num bar, começar a clicar nos telemóveis e sair sem uma conversa. E, num restaurante, um casal com dois filhos que nunca largaram o telemóvel e os pais fizeram o mesmo. Vejo pessoas muito respeitáveis encher o facebook com selfies e cenas privadas. Li no JN (11-9-2016) que um homem foi encontrado em casa dias após a morte e ninguém o reclamou para lhe dar sepultura. E ele, só no facebook, tinha 3455 “amigos”. - Amigos?  

 Como ler tudo isto?

Em “Afinal quantos likes vale uma amizade” (Share TV Record magazine -Edição 26) a cronista sintetiza: “Outros preferem confiar nas tecnologias para criar e estreitar relações. E são inúmeros os que camuflam o ego com amizades virtuais e número de likes e visualizações, convictos de que estão mais ligados ao mundo. Pelos vistos, é ao contrário”.

Um estudo recente da Universidade João Paulo II, na Polónia, concluiu que “a sensação de solidão dos utilizadores das redes sociais está intimamente associada à quantidade de detalhes pessoais que partilham no mural, ou seja, quanto mais as pessoas se expõem mais se sentem sós”.

O diretor do Centro para Neurociência da Universidade de Chicago, afirma: “A impressão de que as redes online oferecem um mundo mais amigável e interconectado é artificial”.

Uma psicóloga explica: “Com esta necessidade crescente de estar ligado à rede social, parece crescer uma barreira entre o jovem e os outros que estão ao pé de si. Conversa-se menos e clica-se mais.”

 O Professor Joaquim Azevedo diz que as crianças “estão sempre capturadas, cada vez que pegam num telemóvel ou num tablet têm imensas coisas novas para ver” (JN,18/9/2016)

O Papa Francisco em “A Alegria do Amor”, adverte para os riscos da utilização indevida das novas tecnologias. Aos casais, depois de aconselhar a “partilhar momentos de silêncio”, diz: “Com efeito, quando não se sabe o que fazer com o tempo partilhado, um ou outro dos cônjuges acabará por se refugiar na tecnologia”(N.225). Aos pais aconselha: “Na época atual, em que reina a ansiedade e a pressa tecnológica, uma tarefa importantíssima das famílias é educar para a capacidade de esperar. Quando as crianças ou adolescentes não são educados para aceitar que algumas coisas devem esperar, tornam-se prepotentes (…) e crescem com o vício do «tudo e imediato». Este é um grande engano que não favorece a liberdade; antes, intoxica-a.” (n. 275). E exemplifica: “ Sabemos que estes meios afastam em vez de aproximar, como quando, à hora da refeição, cada um está concentrado no seu telemóvel ” (n. 278).

Devemos dar graças a Deus pelas maravilhas da técnica mas temos de ter atenção ao seu uso. Cuidado com dependências castradoras da liberdade.

.( 23-11-2016)

 

quarta-feira, novembro 16, 2016

MEMÓRIA VIVA...


 
No início deste mês, tivemos uma nova inscrição na Voz Portucalense que nos surpreendeu e deu uma alegria muito especial. Revelou que se mantém viva uma Associação, mais que centenária, que conserva na sua designação o nome  do “santo” bispo que a criou. Falo da - Associação Protecção à Infância " Bispo D. António Barroso", sediada no Porto, no Largo 1º de Dezembro. (onde se encontra a estátua de D. António Barroso, da autoria de José Rodrigues)

 

  É um testemunho que mostra como o apostolado de D. António Barroso, bispo do Porto, não é apenas grata memória do passado, mas, ainda hoje, se sentem os efeitos da sua bondade.

A surpresa foi ainda maior quando soube que o seu presidente é filho do Dr. Maurício Pereira Pinto, um médico que deixou marcas de gratidão. Arouca, a terra onde nasceu, perpetuou-o com o nome duma rua. O mesmo fez o Porto, a terra onde viveu e serviu. Também Campanhã o honra com um busto frente à sede da Junta de Freguesia. Quarenta e um anos após a sua morte trágica (25/9/1975), ainda é recordado como o “médico dos pobres”.  Especialista em pneumotisiologia, quanto bem fez quando a tuberculose grassava entre as populações mal nutridas das “ilhas” e bairros pobres do Porto. Levava a sério o que um dia dissera: “A medicina não é uma profissão para dar lucro, é um trabalho em prol dos outros”. A minha homenagem.

Enquanto não realizo a prometida visita às instalações para, “in loco”, me aperceber do meritório trabalho da Associação, dou-a a conhecer com recurso ao site  www.apibab.pt  (cuja leitura aconselho a quem tiver acesso) que abre com uma palavra do presidente:

Esta é uma breve apresentação da nossa Associação, que de forma genérica define a nossa missão e os nossos objetivos, no trabalho desenvolvido por uma causa social que a todos nos toca, norteados pelos valores do Humanismo e da Justiça Social que tem como corolário a afirmação da Dignidade Humana, promovendo uma sociedade mais justa, coesa e inclusiva, para todas as crianças e jovens.”

Depois numa breve resenha histórica, informa que “A Associação de Proteção à Infância Bispo D. António Barroso foi fundada em, 7 de maio de 1903, pelo então Bispo do Porto, D. António Barroso, com o objetivo de acolher crianças e jovens das famílias desfavorecidas da cidade do Porto. Com a publicação no DR nº 138 III série, de 17 de junho de 1988, foi reconhecida como Instituição Particular de Solidariedade Social – IPSS-, com o registo nº 36/88, com efeitos retroativos a 11 de agosto de 1986.”

Ao esclarecer a sua missão na atualidade, acrescenta:” Hoje o paradigma é completamente diferente, o Lar, também designado por Casa de Acolhimento, é uma resposta social que surge da necessidade de acolher crianças/jovens que, por razões de disfunção graves ou outras, carecem de apoio de uma estrutura residencial que lhes proporcione, não só as necessidades de socialização inerentes às fases de desenvolvimento, mas também um papel complementar que lhe cabe na ação educativa, através de intervenção das técnicas para desenvolverem o projeto de vida das crianças e jovens acolhidas.” (VP, 16-11-2016)

Dos seus órgãos sociais, destaca-se a Assembleia Geral, presidida por Palmira Santos Macedo; Direção que tem por presidente Maurício António Martins Pereira Pinto e Vice-Presidente Maria José Gamboa Campos; Conselho Fiscal sob a presidência de Ricardo Francisco Almeida Amora.

Parabéns e obrigado.
(16-11-2016)

quinta-feira, novembro 10, 2016

"O NOSSO DEUS É O MESMO DEUS"



(Continuamos com o discurso do chefe índio Seattle)

- Interroga: “O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.”

- Confessa: “Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. (…) Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.”

- Anuncia: “De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono dEle da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador.”

- Prevê: “O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.”

- Interroga-se: “Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho.”

- Pede. “Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."


Esta carta escrita por um índio americano, há 161 anos, não está longe da nossa tradição cultural.
E nós agora é que somos os civilizados...

 

 O que terá levado os nossos lavradores a nunca aceitarem o “emparcelamento” das suas terras? Também para eles, em cada parcela, corria o sangue dos seus avós…

“Entre os pobres mais abandonados conta-se a nossa terra oprimida e devastada”, diz o papa Francisco.( 9/11/2016)

quinta-feira, novembro 03, 2016

NÓS MESMOS SOMOS TERRA


“Nós mesmos somos terra.”


Esta afirmação do Papa Francisco na “Laudato Si” que esteve em todas as intervenções do “encontro ecuménico” do passado dia 22, trouxe-me à mente a carta que, em 1855, o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos que pretendia comprar o território ocupado pela sua tribo. Dada sua beleza e atualidade, decidi partilhá-la convosco.

Começa por afirmar: "O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. Assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.”

De seguida, clarifica o pensamento do seu povo: “Como se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.”
Denuncia os males que afetam os brancos: “ Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.”
E impõe uma condição: “Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida.”  (Continua)
(VP, 3-11-2016)