O Tanoeiro da Ribeira

sábado, fevereiro 28, 2009

SEM PAZ NÃO HÁ PERDÃO

Na Cooperativa Árvore...

No passado dia 13 de Fevereiro, a Cooperativa Árvore encheu-se para a apresentação do livro “Janela do (In)finito” do Pe. Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra
Depois de convidar para a mesa os amigos António Reis, professor universitário e grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, Maria de Belém, deputada do PS e Paulo Rangel, deputado e líder da bancada do PSD, o Pe. Anselmo centrou a sua intervenção no parêntesis do (In)finito. Falou do homem como síntese de finito e infinito, alguém que, sentindo-se contingente, tem fome do absoluto. Ao ouvi-lo, lembrei-me de Santo Agostinho para quem o coração do Homem anda inquieto enquanto não repousar em Deus.
António Reis acentuou quão diversos são os caminhos que o homem percorre na busca da Infinitude. Realçou a laicidade do Estado como garante do respeito integral pelas diferentes expressões religiosas e afirmou a necessidade de um “ethos universal” como condição imprescindível para a construção da paz entre os povos.
Maria de Belém começou por afirmar que deve ao Porto a matriz identitária da sua personalidade e prestou homenagem ao Pe. Luís Rodrigues, da igreja da Lapa, que muito influenciou a sua adolescência. Contou que ele, ao comentar o episódio evangélico da ressuscitação de Lázaro, afirmou: Cristo disse “levanta-te e anda”; e Lázaro sentou-se e falou. Mesmo depois de ressuscitado, Lázaro não cumpriu cegamente a ordem que lhe foi dada. Foi este apelo à liberdade que lhe formatou a vida. E eu recordei o que escreveu um portuense ilustre nascido a menos de 100 metros da casa onde nos encontrávamos, Almeida Garrett: “Se na nossa cidade há muito quem troque o b por v, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão” .
Maria de Belém iniciou o seu comentário com “O enigma de uma janela” cujo fascínio “ está em que se vê de fora para dentro e de dentro para fora, mas de tal maneira que as duas visões não são coincidentes” E lamentou que a Igreja (“nós também somos Igreja”), por vezes, especialmente no ”Estatuto da Mulher”, seja mais uma janela de olhar para dentro que uma janela aberta à amplidão dos horizontes, como luz e vanguarda duma humanidade que se quer mais humana para ser mais divina.
Paulo Rangel, após comentar S. Paulo “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”(Gal. 3,28), rematou: “ Não há paz sem perdão; não há perdão sem religião”. Estas duas afirmações originaram um debate de grande elevação que mostrou que a paz é possível se houver tolerância ao nível do pensamento especulativo e convergência na acção. Todos concordaram que ”Sem perdão não há paz”. Porém, enquanto Paulo Rangel afirmava que a Ética dos Direitos Humanos, só por si, não garante a paz porque não inclui o perdão, os outros dois intervenientes defendiam que a Declaração Universal dos Direitos do Homem é condição necessária para a paz porque a Ética também inclui o perdão.

“Perdoa-nos… assim como nós perdoamos…”



Ao reflectir sobre o tema, senti vontade de rezar ”Pai Nosso…” e recordei-me dum colóquio sobre o conflito Israelo-Árabe, onde o conferencista afirmou que nunca se conseguirá uma paz duradoura porque a matriz cultural, comum a Judeus e Árabes, assenta na “Lei de Talião”. Ambos desconhecem o perdão. O perdão é uma proposta absolutamente revolucionário de Cristo, ao arrepio do “olho por olho, dente por dente”. E Ele não só pregou a necessidade do perdão como o testemunhou no alto do calvário:”Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc.23,34).
No amor, no perdão e na compaixão, Cristo é o “Príncipe da Paz”. Perdoando, também nós somos construtores de paz. Este poderia ser o lema para a nossa Quaresma.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

FREI BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES - "O ARCEBISPO SANTO"

ENTREVISTA HISTÓRICA

No âmbito das comemorações dos 750 anos do Foral concedido por D. Afonso III a Viana do Castelo, o Centro Dramático de Viana, a convite da Câmara Municipal e com o apoio do Coro Gregoriano do Porto, realizou, no dia 12 de Fevereiro, uma “entrevista histórica” a Frei Bartolomeu dos Mártires, na igreja de S. Domingos, onde se encontra o seu túmulo. “ Os meus últimos anos de vida terrena foram vividos no convento de São Domingos na Vila de Viana da Foz do Lima.” Os participantes, e eram muitos apesar da noite fria, mergulharam na intimidade de um grande português, figura cimeira da Igreja portuguesa que soube conciliar a sua alta dignidade eclesiástica com a humildade de um santo que se fez próximo de todos os que sofriam.

A sua vida


Esta pequena hagiografia baseia-se, fundamentalmente, no texto da “entrevista histórica”, da autoria de Castro Guedes, com transcrição de alguns excertos.
Nasceu, em Lisboa, em 1514, na Paróquia de Nossa Senhora dos Mártires, onde foi baptizado com o nome de Bartolomeu Fernandes do Vale. Por devoção e honra à padroeira da sua igreja, trocou o Vale do avô paterno pelos Mártires de Nossa Senhora.
Entrou na Ordem Dominicana em 1528. Terminados os estudos em 1538, dedicou-se ao ensino no Convento de São Domingos, em Lisboa, onde teve por alunos Dom António Prior do Crato e o cronista Diogo Couto
Arcebispo de Braga
Em 1558 foi eleito Arcebispo de Braga, o cargo eclesiástico mais honroso no Portugal de então. A sua humildade não foi afectada. “Eu fui sobretudo frade da Ordem Dominicana dos Pregadores.” Do seu múnus episcopal recorda “ com ternura e saudade o encontro com as gentes simples das terras do Barroso, de Trás-os-Montes e de todo este Alto Minho. Maior riqueza que as criaturas de Deus não há… Os meus esforços sempre foram em direcção às pessoas mais humildes.
Na peste que grassou em 1569, abriu, à sua custa, um hospital nos arrabaldes de Braga para acolher os doentes, que ele próprio ia visitar e curar. Protegeu os pobres, os estudantes necessitados, os órfãos e as viúvas desamparadas. Também, foi grande a sua preocupação com a formação do clero, o ensino e a moralização dos costumes. “ Foi por isso que fiz traduzir, para uso do clero, a “Suma dos Casos” da autoria do Cardeal Caetano e eu mesmo me apressei a escrever o “Catecismo da Doutrina Cristã” e um livro de “Práticas Espirituais”. Reorganizou o Colégio de São Paulo, entregando-o aos Jesuítas, para a instrução da juventude. Na sequência do Concílio, criou o Seminário Conciliar de Braga, em 1571.

No Concílio de Trento (1562-1563)

Se alguma coisa fiz no Concílio de Trento foi procurar para ele contribuir o mais humildemente possível… Com a minha visão, já então, da absoluta necessidade de um regresso à humildade, justamente… Ainda me recordo: foram 268 petições naquele turbilhão de pedidos de reformas para isto e para aquilo! Ele eram reformas para os fiéis, reformas para o clero regular, reformas para o clero secular, reformas para os bispos!... a certa altura, recordo-me bem, impacientei-me e disse-lhes: “ Também os eminentíssimos cardeais necessitam de uma eminentíssima reforma!…” Em1564, para pôr em prática as resoluções conciliares, convocou o Sínodo Diocesano e o Concílio Provincial com todas as dioceses sufragâneas de Braga, a nossa incluída. Foi o primeiro bispo da Cristandade a executar os decretos tridentinos.

Pai dos pobres e dos enfermos

Morreu em 1590, com fama de santidade. Já durante a vida, o povo lhe chamava “Arcebispo Santo, Pai dos pobres e dos enfermos”. Os Vianenses tiveram de guardar o seu corpo, com armas na mão, para não ser furtado pelos Bracarenses. O seu processo de beatificação só foi introduzido em 1702. Em 1842, foi declarado venerável. No dia 4 de Novembro de 2001, o Papa João Paulo II concedeu-lhe a beatificação.
Uma visita



Se não for ousadia da minha parte, amigo leitor, gostaria de lhe sugerir uma visita a Viana para fazer uma oração junto do túmulo do “santo”. Aproveite para admirar a fachada da igreja, construída entre 1566 e 1576, por iniciativa de Frei Bartolomeu dos Mártires. No seu interior, vale a pena apreciar o Altar-mor e as capelas de: Nª.Sª dos Mares, Sagrado Coração de Jesus, Nª Sª de Monserrate e de Nª Sª do Rosário. No largo fronteiro à igreja, contemple o conjunto escultórico que retrata a chegada de Frei Bartolomeu a Viana do Castelo, inaugurado no 7º aniversário da sua beatificação.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

AVÓS E NETOS

No colóquio sobre “Família” que se realizou, no dia 11 de Fevereiro, na Associação Católica do Porto, o Prof. Pinto Machado rematou a sua exposição, dizendo que família é como uma árvore, os pais são o tronco, os ramos são os filhos; os avós as raízes e a seiva é o amor. Assim nasceu esta reflexão em jeito de “revisão de vida”
Ver
Lembro aqueles avós que todos os meses me visitavam para falar do seu netinho. O encarregado de educação era o filho. A senhora começava sempre por enumerar as muitas doenças de que padecia. O marido ouvia, ouvia e sempre rematava a conversa dizendo: - A minha mulher tem muita saúde. Perante o meu espanto, acrescentava: - Tem muita saúde porque, se não tivesse, já tinha morrido com tantas doenças que tem…Eram muito bem-humorados. Com que alegria, enalteciam a inteligência do neto que era, segundo eles, um ás em computadores. Falavam, falavam e sempre elucidavam: - “Nós não somos dos avós que estragam os netos com mimos. Os responsáveis pela sua educação são os pais e nós nunca os contradizemos. Eles é que são os responsáveis. Nós só procuramos ajudar.”

Julgar
O amor constitui a força interior que dá forma à comunidade familiar. Mediante o amor, o respeito e a obediência aos pais, os filhos dão o seu contributo para edificação da família autenticamente humana. Isso tornar-se-á mais fácil se os pais exercerem sem fraqueza a sua autoridade como um ministério pessoal ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente responsável” (João Paulo II)
O homem é um produto da natureza e da cultura. Nenhum de nós é sem o outro. A construção da pessoa resulta duma tensão dialéctica em que o outro ora surge como auxiliar ora como obstáculo à realização do desejo. Os pais, como educadores, têm de assumir o papel, nem sempre muito simpático, de impor normas e, por vezes, repreender e, mesmo punir, os seus comportamentos. Não podem abdicar dessa responsabilidade. Como dizia João Paulo II, devem “exercer sem fraqueza a sua autoridade”. O crescimento pessoal não se faz sem sofrimento. Os avós, com mais tempo e paciência para as suas brincadeiras, serão capazes de estabelecer cumplicidades com algumas das traquinices dos netos. São a face mais benigna do “outro”. Mas o “amor benevolente” dos avós não pode contradizer o “amor exigente” dos pais, pode, sim, suavizá-lo nos momentos mais difíceis. Quando comentava com um grupo de jovens a imagem da família-árvore, os olhos enchiam-se-lhes de ternura ao falarem das cumplicidades dos avós. Um dizia: “os avós são as raízes porque são a parte mais consistente da árvore, têm mais sabedoria: estão sempre lá para apoiarem os filhos e os netos e dar-nos força”. Outro acrescentava:” a seiva é o amor porque é o que alimenta a relação entre avós, pais e filhos; os filhos são os ramos porque são a parte mais frágil da árvore e é neles que nascem os frutos.

Agir
Em situações normais, a educação de uma criança é da inteira responsabilidade dos pais que não podem descarregar essa obrigação sobre os ombros dos avós. Os avós devem estar disponíveis para colaborar com os pais, mas isto não lhes permite contradizê-los. As normas morais são gerais e abstractas. Cada um terá de descobrir como agir no seio da comunidade familiar.
Afortunado é o neto que pode gozar do carinho dos avós. Felizes são os avós que podem partilhar das brincadeiras dos netos. Quão gratos devem estar os pais quando podem contar com a colaboração dos avós na criação dos seus filhos.
Porque o amor é um sonho partilhado, apetece-me terminar com um pensamento de D. Hélder da Câmara: “um sonho sonhado sozinho é apenas um sonho. Um sonho sonhado juntos é o princípio de uma nova realidade

sábado, fevereiro 07, 2009

O PAPA E O HOLOCAUSTO

Sob este título publicou o Jornal de Notícias,no passado dia seis, um texto de Nuno Rogeiro.
Começo por felicitar o JN, que ao longo dos anos tem prestigiado a nossa cidade, pela oportunidade deste artigo, e o seu autor pela riqueza de informação e pela sensatez dos seus comentários.Aproveito esta oportunidade para juntar a minha a muitas outras vozes do Porto que se levantam contra a descaracterização de um jornal que, apesar da sua grande circulação a nível nacional, sempre manteve a sua matriz como jornal do Porto, popular sem ser "popularucho".
Numa hora em que certas forças, mais ou menos ocultas, se afadigam em denegrir o papel da Igreja na História, confundindo mesmo aqueles que professam a fé cristã, foi com muito agrado que vi um diário, de grande difusão, publicar este artigo que visa fazer luz sobre um tema que, tantas vezes e agora novamente, tem sido usado como pedra de arremesso contra a Igreja. Por isso, achei que poderia ter interesse respigar alguns excertos desse texto que, com a devida vénia, passo a transcrever. Os subtítulos são da minha responsabilidade

Bento XVI e o Holocausto

Falar neste lugar de horror, neste sítio onde se cometeram crimes indizíveis contra Deus e contra o Homem, é quase impossível. E é especialmente difícil e perturbador para um cristão, ainda mais Papa vindo da Alemanha.
Pouco mais de um ano depois do fumo branco que, em Roma, o anunciara nas sandálias de Pedro, sucessor de João Paulo II falava assim, de mãos e rosto cerrados, no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.
Bento XVI foi sempre claro sobre o assunto do genocídio. (…)
Parece, pelo menos, injusto, alegar agora, a propósito de declarações soltas de prelados imprudentes, que o Vaticano mudou. (…)

A Igreja e o Regime Nazi


A polémica, que recorda a peça de teatro de Rolf Hochtruch, “O representante”, de 1963, coloca outra vez em primeiro plano a atitude do Vaticano face ao Holocausto da Segunda Guerra Mundial.
Foi nessa altura que se criou a imagem de um Pio XII silencioso, senão cúmplice, com o extermínio de milhões. Mas personalidades esclarecidas, como o jesuíta Robert Graham, entre muitos outros, há vários anos que restauraram o equilíbrio na revisitação histórica.
Não se pode esquecer, na verdade, o enorme esforço de resgate, salvamento, intercessão ou protecção de judeus, um pouco por toda a Europa, por obra da igreja católica. Não se pode esquecer a rede do Padre Weber e do Cardeal Pacelli (futuro Pio XII), a actividade da Organização S. Rafael, a intervenção junto da Eslováquia, em 1941, contra a aprovação do “Código Judeu”. Nem a actividade do bispo Preysing, em Berlim, de monsenhor Rotta, na Hungria, de Monsenhor Cassulo, na Roménia.
Não se pode esquecer a pastoral corajosa do arcebispo Saliege, de Toulouse, em 1942, denunciando “os factos terríveis” nos campos de Noe e Recebedom, afirmando que “os judeus são nossos irmãos”.
Não se pode esquecer o arriscado apoio do Vaticano à organização judaica DELASEM, de Génova. Não se pode esquecer a Encíclica Summi Pontificatus (onde Pio XII exprime a sua angústia pelo sofrimento que caía sobre a humanidade), de 1939, poderosa denúncia das doutrinas de “pureza rácica”.
Não se pode esquecer que, onde pôde mudar as coisas, ou influenciá-las, o Vaticano sempre falou. E que, onde se calou (como fez o Comité da Cruz Vermelha, ou o Conselho Mundial das Igrejas), executou muitas vezes custosas e arriscadas operações, clandestinas, de auxílio e transporte. (…)
Não se pode esquecer, ainda, que pelo menos 3 000 padres foram executados pelo Reich, só na área agora do Benelux.”


À guisa de conclusão: a Igreja e os Direitos Humanos

Apesar de alguns erros que a Igreja, como instituição também humana, cometeu, a sua História não nos envergonha, pelo contrário, muito nos dignifica. Como escreveu o Marechal Duque de Saldanha, citado por D. Manuel Clemente, “duas máximas levaram a revolução francesa em volta do mundo:”os direitos do homem” e as palavras”liberdade, igualdade e fraternidade”(…) Tudo quanto há de bom e verdadeiro nestas máximas é cristão e foi proclamado pelo cristianismo.

domingo, fevereiro 01, 2009

PE. ADRIANO MARTINS E S. FRANCISCO DE SALES



Imagem de São Francisco de Sales que se venera na igreja de Santo Ildefonso no Porto

Quando, no dia 24 de Janeiro último, na Associação Católica do Porto, assistia ao colóquio em honra de S. Francisco de Sales, lembrei-me que aquela casa era a “menina bonita” do Pe. Adriano Martins, Pároco de Santo Ildefonso. Mesmo já alquebrado pelos anos e pela doença, raro era o dia em que não vinha até ali para conversar com um escol de homens que soube formar e que marcou a igreja e a sociedade portuense daquela época. Entre muitos outros, recordo os engenheiros Vilela Bouça, Guedes Cardoso e os comerciantes senhores Martins, Castro Neves e Januário, pai do Bispo D. Januário.

Monsenhor Adriano Moreira Martins

Pe. Adriano cultivou, durante toda a vida, a austeridade e a honradez que bebeu no seio de uma família, muito estimada, em Terronhas, Recarei, onde nasceu em 1881. Na imponência da sua figura, na força da sua palavra, na firmeza do seu carácter, no aprumo do seu porte estava um sacerdote carismático que honrou o clero do Porto e deixou “órfãos” todos os que, de lágrimas nos olhos, o acompanharam na sua última viagem até ao cemitério da sua terra natal.
A seu respeito, recordo o que me dizia Frei Geraldo “ sempre questionei a obediência, mas sempre obedeci”. Nem sempre estava de acordo com as orientações do Prelado da Diocese, mas sempre obedeceu.
À firmeza das suas convicções aliava a finura de um humor sempre oportuno e, por vezes, irónico. Num certo dia, veio ao escritório paroquial uma senhora que, com uma roupa muito jovem e o rosto muito polvilhado de pó de arroz, procurava disfarçar os anos que já ia contando. Enquanto falava com o coadjutor, o senhor Abade observava-a de alto a baixo. Quando a senhora saiu, perguntou ao seu colaborador: - “Que lhe pareceu esta senhora?” - “Boa pessoa mas, coitada, um pouco ridícula a querer passar por nova”. – “Pois é, responde o senhor Abade, era a figura que eu fazia se fosse adoptar os seus métodos pastorais”. A brincar costumava dizer que não dereria dar a comunhão a senhoras com os lábios muito pintados porque "Nosso Senhor não gosta de entrar em casas pintadas de fresco".
A melhor forma que tenho para o caracterizar é atribuir-lhe o que Jesus disse a respeito de Natanael “ Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade” (Jo. 1,47)

São Francisco de Sales

Velho lutador do diário católico portuense “A Palavra”, o Pe. Adriano via em S. Francisco de Sales, cuja imagem se venera na igreja de Santo Ildefonso, o seu modelo na eloquência, na tenacidade, na coragem, na verticalidade. Como ele o admirava! Com que sabedoria dele falava!... Gostava de referir que aquele Santo dizia:”apanham-se mais moscas com uma colher de mel do que com uma barril de vinagre” .Contava, ainda, que um dia S. Francisco de Sales entrou na sua Catedral de Genebra para pregar um sermão da Quaresma. Quando subiu ao púlpito, viu que a igreja estava totalmente vazia. Então, olhou para o sacrário e disse: Senhor, era em Tua honra que eu vinha falar. Mesmo sendo o único, vais ter de me ouvir. Pregou e gesticulou como se a igreja estivesse repleta de fiéis. No final, quando o Santo desceu do púlpito e se dirigia para a sacristia, saiu de trás de uma das colunas da Catedral um homem que lhe disse: - “Senhor Bispo, eu quero baptizar-me. Ouvi o seu sermão e agora vejo que o senhor acredita naquilo que diz.”
Não foi por acaso que, durante muitos anos, a festa de S. Francisco de Sales era comemorada com uma Missa na Igreja de Santo Ildefonso.
A Voz Portucalense, ao comemorar o Padroeiro dos Jornalistas, está também a prestar homenagem a Monsenhor Adriano Martins e a todos aqueles cristãos que, no dealbar do século XX, souberam dignificar a Igreja e honrar Cidade do Porto. Muitos deles têm o seu retrato na Associação Católica do Porto e, como dizia D. Manuel Clemente, certamente no Céu terão ficado satisfeitos com este retomar da história.

OS JOVENS E A FAMÍLIA

Hoje quero partilhar convosco uma alegria e deixar algumas interrogações.
Na semana passada, numa aula de Filosofia do 10º ano, com jovens entre os 15 e os 17 anos, forneci-lhes um elenco de 24 valores, desde o “evitar a dor” até ao “frequentar a igreja”, passando por “ouvir música”, “namorar”, entre muitos outros.
Num primeiro momento, pedi-lhes que, no silêncio de um trabalho individual, mergulhassem na sua própria intimidade e hierarquizassem, por ordem decrescente, os cinco valores que mais contribuem para o seu bem-estar. Foi bonito ver todos aqueles jovens, habituados ao barulho das discotecas e dos ipod’s, a interrogar-se, num recolhimento total, a explorar os caminhos da sua interioridade. E lembrei-me do que li n’ “A Mensagem" que, depois de citar Anselmo Borges “Homem é aquele que é perguntado pela Pergunta”, conclui: “ E a grande pergunta é o Deus que habita a intimidade”.
Numa segunda fase, solicitei-lhes que, em grupo, elaborassem uma tábua de valores. Lembrei-lhes que mais do que discutirem o diferente, deveriam começar por buscar o semelhante uma vez que o diferente só tem sentido porque somos basicamente iguais. Vi-os animados numa discussão acalorada. No final, cada grupo apresentou o produto do seu trabalho. E aqui surgiu a surpresa. O valor que todos os grupos seleccionaram como sendo aquele que mais contribui para o seu bem-estar foi “Viver em harmonia familiar”. Fiquei feliz. Agradeci-lhes a lição. Repeti este trabalho em mais duas turmas e, com espanto meu, o resultado foi idêntico. E eu aprendi que, como dizia S. Francisco de Assis, “é dando que se recebe…”. Os professores são distribuidores de um capital, o conhecimento, que enriquece tanto quem o recebe como quem o dá.

A opinião pública não coincide com a opinião publicada

A sociedade não é como aparece na comunicação social. Contrariamente ao que ela diz, a família tradicional não é uma instituição que deva ser removida para a sarjeta do passado; a família não é um estorvo à liberdade dos jovens. Ainda hoje vi um jornal diário depreciar o senhor Presidente da República só porque ele, em Fátima, na abertura do congresso da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, teve a coragem de afirmar que “não é sinal de modernidade a dissolução progressiva dos laços familiares”.
A juventude sente-se vítima de uma comunicação social que só realça os casos negativos que a inferiorizam. Os jovens desejam que a família seja o reduto onde se possam sentir protegidos desta sociedade que os explora e desumaniza. Uma família em harmonia será o santuário onde encontram o apoio para o seu crescimento pessoal.
Repito. Aqueles jovens poderiam ter escolhido outros valores, como “ ouvir música”, “possuir dinheiro”, “vestir-se bem”, “ter uma casa confortável”, “ser bonito”, mas não. O que escolheram foi “viver em harmonia familiar”. E interroguei-me: esta escolha manifesta uma realidade que vivenciam nas suas famílias ou apenas revela um desejo que gostariam de ver realizado? Pela conversa que com eles mantive, julgo poder concluir que, para além de ser um resultado da sua própria experiência, é, também, um apelo para que a harmonia familiar seja sempre um valor que todos os pais saibam cultivar.
Termino com as perguntas que o Cardeal Martini faz no seu livro “Colóquios nocturnos em Jerusalém”: O que é que espera a juventude? E o que é que o mundo espera da juventude?