O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, abril 24, 2018

PORTO - CIDADE CONSTITUCIONAL



O título, que me foi sugerido pelo historiador Ribeiro da Silva em “Os Bispos do Porto na Construção da Cidade”, faz-nos evocar a revolução liberal do Porto em 1820. E com razão, pois aí esteve a origem da primeira Constituição Portuguesa, aprovada em 1822, que implantou a Monarquia Constitucional. Mas aquele investigador vai mais longe. Ao referir-se ao “perfil constitucional e liberal do Porto”, esclarece que “para falarmos sobre a génese desse perfil teremos que regressar ao séc. XII e aos tempos do Bispo D. Hugo”.

Quem foi e o que fez esse bispo que merece esta distinção e deu nome à rua que coroa boa parte do morro da Sé?

Francês por nascimento, foi arcediago em Santiago de Compostela no tempo do Arcebispo D. Diogo Gelmires de quem era amigo. Colaborou na elaboração da prestigiada “História Compostelana”. Foi o primeiro bispo (1114-1136) da recém-restaurada diocese do Porto. Em 1120, D. Teresa doou-lhe o burgo do Porto. Apoiado pelo poderoso amigo compostelano, alargou os limites diocesanos para além do rio Tâmega e até ao rio Antuã, incluindo neles a “Comarca Eclesiástica da Feira”. Viajado e sabedor,  concedeu, em 1123, um foral ao seu burgo, “um diploma importante pelas perspetivas de futuro nele contidas mas também pelo que revela do presente (o presente de 1123). E o que é que revela desse presente histórico?”

Mostra que “a cidade pequena que fora doada ao Bispo, dispunha de gente graúda, dotada de capacidade crítica, capaz de pensar e de aconselhar” de cujo conselho D. Hugo “não pôde ou não quis prescindir”. Revela ainda que “o bispo ofereceu à cidade garantias “constitucionais” que impediam a tirania arbitrária e definem uma certa fronteira entre os poderes do senhor e as «franquias» dos súbditos.”

Em concreto, concediam “o direito de recurso a terceiros na avaliação de imóveis ou de satisfação de dívidas”. Determinavam que “os homens da cidade, não clérigos, seriam chamados a dar o seu alvitre sobre o valor de bens imóveis sempre que, em caso de venda, o Bispo quisesse usar o direito de opção” e que “o Bispo (ou seu representante) não exerceria o direito de penhora sem a presença de dois ou três homens bons que acompanhariam a sua execução”.

E acrescentavam que “o Meirinho (funcionário da justiça) do bispo não podia entrar na casa de qualquer devedor para penhorar, sempre que este tivesse bens no exterior, suficientes para o valor da penhora. E no caso de não haver fora bens compensatórios, ficava interdita a entrada violenta no domicílio, a qual entrada, nesse caso podia ser feita, mas só seria levada a cabo na presença de dois ou três homens bons.”

Concluindo… As garantias da igualdade perante a lei, da segurança, e da propriedade, consignadas na Constituição de 1822, já germinavam no Porto do séc. XII… E a Igreja está na sua matriz…

(25/4/2018)

quarta-feira, abril 18, 2018

TEMOS MÃE, TEMOS MARIA


 

Este foi o tema levado à cena na Associação Católica do Porto, rua Passos Manuel, 54, no dia da “Anunciação do Senhor”.

O texto que enriquecia o cartaz-convite dizia: “A Anunciação do Senhor  é, na Bíblia, um dos momentos raros de diálogo entre o Céu e a Terra. O Anjo Gabriel vem da parte de Deus propor a Maria que aceite ser Mãe do Messias prometido. Uma Mulher é chamada a responder a Deus e diz “Sim”, colocando-se como serva do Senhor, enquanto José apresenta as razões para outra resposta. Este conflito foi posto em teatro por Castro Guedes. Trata-se do maior acontecimento da humanidade, a grande "revolução": Deus veio habitar na terra dos homens, fez-Se nosso irmão  e foi uma mulher quem acolheu esta proposta! A representação de Daniela Jesus e Miguel Branca exprimem ”a luta” entre Maria e José, e o canto com harpa de João Carlos Soares exprime o que Deus na Bíblia foi dizendo à humanidade.”

Foi uma assembleia, em comunhão, que assistiu ao desenrolar dos diversos quadros. O primeiro – FÉ- começa por apresentar José, um crente tranquilo, seguro da tradição do seu povo, que, ao ver a inquietação de Maria, lhe pergunta: - “Que te traz agitada? Que procuras?” Maria, uma crente, aberta a novas vivências a quem o futuro preocupa, confessa: - “Sinto inquietação.” É um diálogo carregado de ternura que nos envolve numa atmosfera quase mística, acentuada pela presença de Gabriel que, num primeiro momento, dedilha a harpa “apenas com música, sonoridades e vocalizos sem formar palavras.” Para num segundo momento, sobrepor palavras à música: “O impossível se faz possível/Ao Senhor nada é impossível.” Maria perturba-se. José preocupa-se e pergunta-lhe:-“Medo! Medo de quê? Somos fiéis à tradição. E cumprimos com os dinheiros para o Templo…” Maria responde: - “Olhei a madrugada e era bela, mas vi o pôr-do-sol e me assustei!”

No segundo – ESPERANÇA- sobressai o diálogo de Maria com Gabriel que, em vez de palavras, dedilha a harpa. O que leva Maria a perguntar: - “Que movimentos são esses que ondeiam no ar produzindo uma melodia que desconheço, mas me é familiar?” – “É a Música celeste que te fala”, responde o Anjo. -“Que me anuncias?” - “Trago-te a Verdade que em teu ventre se gerará” responde o Anjo em voz Off

O terceiro - CARIDADE- traz-nos as angústias de José que dialoga “consigo mesmo. Como em espelho”. E de Maria que se desdobra num diálogo introspetivo e sofre. -“Ai se eu te pudesse dizer, José.”. São diálogos que nos mostram como, mesmo em sofrimento, é grande o carinho que os une. Para concluir: “A Esperança é filha da Fé.”, diz José - “E tem uma irmã chamada Caridade”, acrescenta Maria.

Amigo leitor, aproveite a sessão do dia 22 às 17 horas, no mesmo local. E sentirá a doçura das amêndoas pascais… (8/4/2018)

quarta-feira, abril 11, 2018

A IGREJA DE FRANCISCO


 
Em 13 de março, dia em que se completavam 5 anos da eleição do Papa Francisco, o JN publicou o título que encima este artigo.

A autora, Paula Ferreira, começa por explicar que o Papa Francisco é uma figura ímpar na Igreja e no Mundo não por ser “o primeiro papa da América Latina” mas porque “nos últimos cinco anos, tem levado a Igreja às pessoas, de braços abertos, sem ressentimentos, aos que mais precisam da palavra, dum gesto, para iluminar as suas vidas. A Igreja do Papa Francisco regressa ao princípio. Posiciona-se ao lado dos deserdados, dos caídos na solidão extrema: os cidadãos em quem quase ninguém repara, aqueles a quem a sociedade dá uma esmola e segue o seu caminho de consciência tranquila, sensação de dever cumprido.” E o Papa fá-lo em contraponto com muito do passado e ainda do presente: “A Igreja herdada por Francisco era também o espelho dessa sociedade desigual, estratificada. E ainda é. A velocidade a que o velho jesuíta (quem diria?) de Buenos Aires traz o mundo real para dentro do Vaticano é demasiado célere. Ele é a voz, ele desassossega as consciências em relação aos verdadeiros problemas que abalam a sociedade dos nossos dias”.

Enaltece a «encíclica ecológica»: “Perseguindo o bem comum, pela mão do Papa, o Mundo teve acesso a um dos mais importantes documentos sobre as alterações climáticas. A Laudato Si é um verdadeiro grito de alerta sobre o clima, a ameaça para o Planeta e, uma vez mais, para a fragilidade dos mais pobres”.

Afirma que o Papa Francisco trouxe o Evangelho para os gólgotas dos nossos dias. “Pela sua voz, ouve-se falar do horror do dia-a-dia na Síria. Ele nos sacode sempre que mais um ser humano perde a vida ao tentar atravessar o Mediterrâneo em busca da vida digna”.

E deixa-nos uma interrogação. “O papado de Francisco cumpre o papel primordial de acolhimento do mais fraco, de denúncia da desigualdade. Não basta a caridade, pretende mudar mentalidades. Um homem só, porém, dificilmente consegue alterar a velha Igreja, por muito que a sua imagem nos chegue refrescada. Há uma questão a carecer de resposta: o que de facto mudou na Igreja com o papa da América Latina? Talvez pouco. Mas Francisco retoma o pensamento de cristãos progressistas, de meados do século passado: «uma civilização não tem que se preocupar em ser cristão, mas em ser livre e justa», defendiam. Parece ser o caminho – e esta posição, num Papa, faz toda a diferença.”

A propósito da nomeação D. Manuel Linda, o seu diretor acrescentou “É deste Papa, que fala simples e nos propõe o retorno ao essencial, o encontro com os outros, que o novo bispo do Porto acaba de receber a bênção”. “É nas pegadas de Francisco que quer caminhar, «sair da sacristia», não ter medo de «meter os pés na lama e ir ao encontro das pessoas.” (25/3/2018)
(11/4/2018)

sábado, abril 07, 2018

COINCIDÊNCIAS...


Com este título, publiquei um texto, em 5 de março de 2014, a propósito da nomeação de D. António Francisco para bispo do Porto, dando nota da boa impressão que me tinha ficado dum encontro fortuito em 2007.

O mesmo acontece agora. Foi há muitos anos.

Em 1994, meu filho João participou em Vilar de Perdizes num “Campo de Trabalho” organizado pelo P. António Fontes com a colaboração do seminarista Heitor Antunes. No ano seguinte, ordenado presbítero, o P. Heitor convidou-nos para a “Missa Nova” na igreja de Mourilhe. O almoço foi servido ao ar livre. No seu início, entabulei conversa com o companheiro de mesa. Quando soube que éramos do Porto, disse-me que dava aulas na faculdade de Teologia e se chamava Manuel Linda. Foi longa, muito longa a nossa conversa… Começámos por falar de teologia e logo surgiu a década de sessenta e seus contrastes. Época de grande fecundidade teológica com uma plêiade de teólogos que muito influenciou os trabalhos do Concílio: Rahner, Congar, Chenu, de Lubac, Jean Daniélou, Schillebeeckx, Hans Küng, Metz, von Balthasar, Ratzinger, o futuro Bento XVI. Mas, apesar disso, continuávamos a estudar pelos velhos compêndios, muitos deles em latim. Lembro o entusiasmo com que mandei vir de Espanha o “Vocabulario de Teologia Bíblica” de X. Léon Dufour. Acabado o curso, o velho tratado de Noldin foi suplantado pela “Lei de Cristo” de Häring, e o compêndio de Tanquerey silenciado pelos documentos conciliares que iam saindo, apoiados por livros que chegavam de Espanha, de que lembro “Conceptos  Fundamentales de la Teologia”.

Porque estávamos em terra fronteiriça, veio à baila a relação Portugal - Galiza. Falei-lhe dos meus amigos galegos que D. António recebera na sua casa em Milhundes, na Páscoa de 1970 e com quem teve uma longa conversa sobre a enculturação do cristianismo na alma galega. Mostrou-se surpreendido e muito interessado. Falámos de D. António que ambos admirávamos e também de Torres Queiruga que fazia parte do grupo mencionado. Aproveitei a oportunidade para lhe falar do desejo que este teólogo tinha de publicar artigos em português, na revista galega “Encrucillada” que fundara e dirigia.

Sensibilizou-me a simpatia do seu acolhimento e a generosidade da sua atenção. Ficou-me a abrangência das suas análises e a coragem das suas afirmações.

Simplicidade no ser, clareza no pensar, bom senso e determinação no agir são qualidades que vi confirmadas por amigos comuns, como aconteceu na última viagem que fiz a Terras do Barroso.

Como em 2014, concluo: “Coincidências…Sinais que abrem caminhos de Esperança”.

 

D. Manuel, seja bem-vindo e só desejo que se faça realidade o ideal que deixou bem claro na primeira mensagem que dirigiu à Diocese:
“Procurarei reconduzir a Igreja a uma tal simplicidade evangélica que a constitua referencial ético para o mundo atual.” (28/3/2018)