O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 30, 2014

Uma sugestão para este verão


Quando passo na estrada marginal que liga o Porto a Entre-os-Rios, sempre me lembro das “Jornadas em Portugal” de Antero de Figueiredo: Como Portugal é vário e vivaz, pitoresco e lindo! Hoje, vou deter-me nos primeiros quatro quilómetros dessa viagem. Logo ao sair da Rotunda do Freixo, prende-nos a atenção o “Museu da Imprensa” com as paredes exteriores decoradas com fac-similes de gazetas e jornais antigos. A pedir uma visita. A seguir, é o Palácio do Freixo, obra-prima de Nazoni recuperada por Fernando Távora, que, com a Moagem Harmonia, memória da arqueologia industrial, forma a moderna Pousada do Porto onde se pode entrar para tomar café e admirar sua beleza. Depois, surge-nos um recanto bucólico que nos faz recuar a tempos antigos. É a Ribeira de Abade com “barcos valboeiros”, de cores garridas e proa pontiaguda, que baloiçam, à sombra de amieiros, nas águas do Douro. A pacatez do lugar é apenas quebrada pelo bulício de crianças que brincam no parque infantil e pelos muitos caminheiros que aproveitam o passadiço que bordeja o rio desde a Marina do Freixo até ao Clube Naval Infante D. Henrique. Mais adiante, à esquerda, no “Lugar do Desenho”, aproveite-se para visitar a Fundação Júlio Resende e conhecer a obra deste mestre da pintura portuguesa, insigne portuense, criador da “Ribeira Negra”. A seguir, em Gramido, lá está a “Casa Branca”, famosa por, em 29/6/ 1847 (fez ontem 167 anos) ter sido palco da “Convenção de Gramido” que pôs fim à guerra da Patuleia. Que guerra foi esta que, durante oito meses, dizimou o País? O Governo de Costa Cabral produziu um conjunto de leis que, aliadas à crise económica, geraram descontentamento e motins populares como o da “Maria da Fonte”. O povo cantava: Viva a Maria da Fonte/ com a pistola na mão/ para matar os Cabrais/que são falsos à Nação. Quando, em 1946, D. Maria nomeou o Duque de Saldanha para chefe do Governo, os Setembristas, defensores da Constituição de 1838, formaram, no Porto, a Junta Provisória do Supremo Governo do Reino chefiada pelo presidente da Câmara, Passos Manuel. A guerra dos “pés descalços” explodiu com o apoio de alguns dos melhores generais portugueses como Sá da Bandeira de quem “Zé do Telhado” foi ordenança e de quem recebeu como sargento a “Torre e Espada” por lhe ter salvo a vida em 1846. Foi um período de grandes convulsões que é pouco conhecido e praticamente esquecido nas nossas escolas.

Atualmente, a Casa Branca é sede da “Loja Interativa de Turismo de Gondomar” e nela pode ser visitada a “Exposição integrada no XVI- 2014- Porto Cartoon- World Festival”.

Visitar a estes locais poderá ser uma boa sugestão para os amantes da história, da arte, da paisagem ou simplesmente dum passeio a pé à beira rio.

 

(30/7/2014)

quarta-feira, julho 23, 2014

Faz amanhã 55 anos



No dia 1 de julho, na Torre da Marca, Torres Queiruga, ao iniciar a magnífica conferência sobre o “Sacramento do Perdão”, lembrou o seu encontro com D. António cuja Carta XIII ia comentar. Foi na 2.ª feira de Páscoa de 1970. Um grupo de padres galegos quis visitar o recém-regressado bispo que os recebeu na sua casa de Penafiel. Ao aperceber-se da presença de um professor de Teologia do Seminário de Santiago, entabulou com ele um profundo diálogo sobre a enculturação do cristianismo na “nação galega” e a identidade da “alma luso-galaica”. Torres Queiruga nunca mais o esqueceu e no livro Repensar a Teoloxia, Recuperar o Cristianismo, lembrou “aquel obispo valiente desterrado por Salazar ”

Quando se passam 55 anos da sua partida para o exílio (24/7/1959), gostaria de registar alguns testemunhos que poderão ajudar a conhecer o bispo sábio e corajoso de que falou o conhecido teólogo galego, na palestra promovida pela Fundação SPES.

. No dia do funeral de Salazar, D. António, ao ver as exéquias no cemitério de Santa Comba Dão, ficou imóvel. Benzeu-se. E em total recolhimento. Pareceu balbuciar uma oração. No final, voltou a benzer-se e, em jeito de desabafo, disse para si mesmo: “este já não faz mais mal a ninguém”.

. Quando em 1976, entregava a um presbítero o rescrito que o dispensava “das obrigações do estado sacerdotal”, afirmou que não concordava com a expressão “redução ao estado laical”. E acrescentou: “A grande maioria dos que pedem dispensa são homens de muito valor, eu espero que formem a retaguarda teológica da Igreja”.

. Numa conversa informal em que falava de D. António Barroso, alguém lhe perguntou a razão para a independência dos bispos do Porto face ao Estado. Respondeu, de modo muito simples: “É que nós não casamos as filhas dos Senhores Ministros nem lhes batizamos os netos…”

. Num dia de inverno, em 1970, na grande sala de audiências, a conversa era sobre os sinais de pobreza na Igreja. D. António disse que era preciso ter cuidado com a autenticidade desses sinais. “Este paço episcopal é muito frio e desconfortável. Eu podia ir viver para um apartamento. Há quem mo aconselhe. E todos louvariam a minha atitude. Seria visto como um sinal de pobreza mas eu é que sairia beneficiado... Não o farei”.

. Quando, em 1975, um grupo que, por motivações políticas, havia tomado de assalto um centro social da Obra Diocesana, lhe veio propor conversações, D. António mandou-lhes dizer que “não negociava com ladrões”.

Autêntico e frontal. Era assim o “famoso bispo do Porto”, como lhe chamou João Paulo II, quando, em 1982, se despedia na Serra do Pilar. Para melhor o conhecer, aconselha-se a leitura das suas “Cartas ao Papa”, obra que se encontra disponível na livraria da Voz Portucalense.

(23/7/2014)

 

quarta-feira, julho 16, 2014

São João o Novo


No dia 24 de junho, a igreja de S. João Novo, encheu-se para celebrar a Eucaristia em honra de S. João. Marcaram presença as irmandades e confrarias de S. Nicolau e da Vitória que, assim, quiseram associar-se à renovada Irmandade do Senhor dos Passos, Cruz de Cristo e Nossa Senhora do Rosário que, nesse dia, fazia a primeira apresentação pública. A valorização das antigas irmandades faz parte do projeto do seu pároco, P. Jardim Moreira, que, pelo culto e pela cultura, quer fazer das igrejas do centro histórico, habitualmente vazias e muitas vezes fechadas, centros de proximidade e polos revitalizadores duma zona da cidade que, nos últimos anos, perdeu cerca de 20 mil habitantes.

Há dias, o Cónego Rui Osório afirmava que a matriz da Foz do Douro era “ a única igreja da cidade do Porto que tem S. João Baptista como padroeiro”. Sendo assim, que dizer da igreja de S. João Novo? Quem é este “S. João-o-Novo”? Um pouco de história.

Quando, nos finais do século XVI, se extinguiu a freguesia de S. João Baptista de Belomonte, criada em 1582,  a igreja paroquial foi entregue aos Frades Eremitas Descalços de Santo Agostinho que a apearam e construiram um convento dedicado a um novo S. João - S. João de S. Fecundo - um santo da sua Ordem, que acabava de ser beatificado (1601) e foi canonizado em 1690. O complexo monástico, que levou cerca de um século a levantar, passou a chamar-se S. João-o- Novo, depois S. João Novo.

 No convento, nacionalizado em 1834, funciona o Tribunal Criminal que conserva o antigo nome. A igreja manteve-se ao culto. A fachada, de imponência austera, “tem a discreta dignidade de uma verídica obra de arquitectura”. Faz lembrar S. Lourenço (dos Grilos). Divide-se em três partes coroadas por três frontões e uma cruz enquadrada por dois colunelos barrocos.  No interior,  abre-se, logo à direita da entrada, a capela de S. João Baptista a lembrar o velho orago da primitiva igreja e padroeiro da antiga freguesia. Ao entrar, prende-nos a atenção a abóbada cilíndrica, toda de pedra, com caixotões lavrados. Nas paredes, podemos admirar quarto portais alusivos a Nossa Senhora, Santo Agostinho e São Patrício e azulejos decorativos do século XVIII.

Em conclusão, na cidade do Porto (nessa época, S. João da Foz ainda não fazia parte) havia uma igreja dedicada a S. João Baptista, bem no centro histórico, demolida no início do século XVII e substituída por uma nova igreja consagrada a outro S. João – “o novo”. Mas a memória do “velho” S. João (Baptista) perdurou nas gentes do Porto e o P. Jardim faz bem em avivar essa tradição cujas raizes remontam a tempos medievais.

Que a renovada Irmandade conseguia manter aberta diariamente essa igreja que bem merece a nossa visita. Fica o voto.

(16/7/2014)

sexta-feira, julho 11, 2014

O cuidado para bem ajudar


 

Como prometi, hoje vou explicitar três situações em que não é fácil manter o equilíbrio na ajuda.

- É bom que os pais ajudem os filhos mas sem nunca os substituir, nem infantilizar ou tornar paterno-dependentes. O perigo cresce quando estes casam e se redobram as atenções e, por vezes, as concorrências afetivas. Cuidado. Ajudar sim, mas apenas quando solicitarem. Há matrimónios que se desfazem devido à demasiada intromissão da família. No programa “Prós e Contras” “ do dia 31 de março, o psiquiatra Daniel Sampaio apontava a dependência da família como uma das atuais grandes causas de divórcio. O perigo redobra nos nossos tempos em que muitos filhos casados, por razões económicas, voltam a viver com os pais. Ajudá-los, sim, mas sem interferir na sua autonomia: não é por viver em nossa casa que voltam a ser solteiros… Não é por acaso que logo no início da Bíblia, Deus diz: Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher (Gn, 2,24).

- É bom que nos preocupemos com um amigo em hora de sofrimento. Mas atenção. Em certos momentos, as palavras podem estar a mais. Especialmente, na morte de um familiar. E há pessoas que têm sempre muito para dizer - “De que morreu? E a que horas foi? Onde? E sofreu muito? Foi de repente? Coitadinho!...” E têm sempre uma história para contar, um conselho para dar. Como apetece repetir o dito do Rei de Espanha a Hugo Chávez: por qué no te callas?”… A morte é a mais íntima e a mais silenciosa das interrogações que nos confronta com o sentido da vida. Como soberana, impõe respeito e distanciamento. Quão reconfortante se torna, nessas horas, a presença dum amigo, disposto a partilhar dos nossos silêncios…

- Quão digno de louvor é quem cuida de idosos. Exerce a sublime missão de apoiar aqueles em quem e por quem Deus fez maravilhas. São tesouros em vasos de vidro: o invólucro é frágil mas a joia é preciosa. Também aqui é preciso adequar a ajuda ao seu ritmo e não esquecer a sua experiência de vida. Lembro aquela senhora que entrou para um lar de idosos e, logo no dia seguinte, uma funcionária veio dizer-lhe que estava na hora da ginástica. Perante a insistência, suplicou: “ó menina, toda a vida fui criada de servir, cansei-me a correr de um lado para o outro ao mando das patroas. Agora, ao menos, deixe-me ficar aqui descansadinha!”. Devido às muitas preocupações, nem sempre se respeita a identidade, a intimidade, a autonomia, os silêncios, os laços afetivos dos idosos. Eu sei que fazê-lo não é tarefa fácil porque exige disponibilidade de tempo e muita paz interior. Coisas que, nestes tempos conturbados, não abundam.

Concluindo… Ajudar é bom, mas ajudar de forma ajustada às circunstâncias e num respeito total pelas pessoas é ainda melhor.

(9/7/2014)

 

 

 

 

Para bem ajudar


 

A recente visita do Santo Padre à Terra Santa aliada à sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais trouxe-me à mente a reflexão que, no ano 2 000, fiz na antiga estrada que desce de Jerusalém para Jericó onde a tradição coloca o episódio que nos fala do “Bom Samaritano” (Lc10,30). Ao ver aquele local medonho no fundo de um barranco, pensei no que poderia ter levado o sacerdote a não prestar atenção ao homem que agonizava no seu caminho: viu e passou adiante. Descia de Jerusalém onde trabalharia. Dirigir-se-ia para sua casa. Que preocupações lhe encheriam a mente? Que medos o atormentariam? E, mais do que condená-lo, refleti no que ainda hoje nos acontece. Não é verdade que, por vezes, andamos tão angustiados com a vida que nem reparamos na miséria dum vizinho, no rosto triste de um amigo, no silêncio de um filho, nos olhos húmidos da esposa? Quantos medos e desconfianças não nos inibem a espontaneidade! Como diz o papa Francisco, o outro não será para nós “um estranho de quem é melhor manter distância”?

Em contraponto, um samaritano viu e moveu-se de compaixão. Desceu do cavalo, tratou-lhe as feridas, deixou-o numa estalagem, comprometendo-se a pagar o que fosse preciso pelo seu tratamento. Na volta to pagarei. E seguiu viagem. O samaritano é um exemplo não só porque ajudou mas também pelo modo como ajudou. O seu gesto faz-nos pensar no cuidado que se deve ter quando se presta uma ajuda. É que algumas pessoas, embora bem-intencionadas, tornam-se incómodas e intrometidas. Fazem lembrar aquele jovem que, para cumprir a sua “boa ação diária”, ajudou uma velhinha a atravessar a passadeira. Só que ela não ia atravessar… Há pessoas a quem apetece dizer: ajude… mas não tanto. Na ânsia de ser úteis, não veem que estão a ultrapassar os limites. É que até nas ofertas e nos gestos de delicadeza pode haver violência… A ajuda nunca pode invadir a intimidade do outro nem afetar a sua autonomia. Ajudar, sim, mas com equilíbrio para que a virtude não se transforme em vício. Razão tinha o grande Aristóteles que escreveu: “Sendo assim, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o justo meio. Estou falando da virtude, pois é esta que se relaciona com as emoções e ações, e nestas há excesso, falta e justa medida”. E Séneca, filósofo latino contemporâneo de Jesus, dizia: Toda a virtude assenta na justa medida, e a justa medida baseia-se em proporções determinadas. Penso que é neste sentido que deve ler-se o que diz a Bíblia (Ecl 7, 16) “Não sejas justo excessivamente, nem sábio além da medida. Porque te tornarias estúpido”.

É como o sal na comida: nem de mais, nem de menos… Na próxima semana, explicitarei três situações em que este equilíbrio se torna bem difícil.

(3/7/14)