O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 23, 2014

Faz amanhã 55 anos



No dia 1 de julho, na Torre da Marca, Torres Queiruga, ao iniciar a magnífica conferência sobre o “Sacramento do Perdão”, lembrou o seu encontro com D. António cuja Carta XIII ia comentar. Foi na 2.ª feira de Páscoa de 1970. Um grupo de padres galegos quis visitar o recém-regressado bispo que os recebeu na sua casa de Penafiel. Ao aperceber-se da presença de um professor de Teologia do Seminário de Santiago, entabulou com ele um profundo diálogo sobre a enculturação do cristianismo na “nação galega” e a identidade da “alma luso-galaica”. Torres Queiruga nunca mais o esqueceu e no livro Repensar a Teoloxia, Recuperar o Cristianismo, lembrou “aquel obispo valiente desterrado por Salazar ”

Quando se passam 55 anos da sua partida para o exílio (24/7/1959), gostaria de registar alguns testemunhos que poderão ajudar a conhecer o bispo sábio e corajoso de que falou o conhecido teólogo galego, na palestra promovida pela Fundação SPES.

. No dia do funeral de Salazar, D. António, ao ver as exéquias no cemitério de Santa Comba Dão, ficou imóvel. Benzeu-se. E em total recolhimento. Pareceu balbuciar uma oração. No final, voltou a benzer-se e, em jeito de desabafo, disse para si mesmo: “este já não faz mais mal a ninguém”.

. Quando em 1976, entregava a um presbítero o rescrito que o dispensava “das obrigações do estado sacerdotal”, afirmou que não concordava com a expressão “redução ao estado laical”. E acrescentou: “A grande maioria dos que pedem dispensa são homens de muito valor, eu espero que formem a retaguarda teológica da Igreja”.

. Numa conversa informal em que falava de D. António Barroso, alguém lhe perguntou a razão para a independência dos bispos do Porto face ao Estado. Respondeu, de modo muito simples: “É que nós não casamos as filhas dos Senhores Ministros nem lhes batizamos os netos…”

. Num dia de inverno, em 1970, na grande sala de audiências, a conversa era sobre os sinais de pobreza na Igreja. D. António disse que era preciso ter cuidado com a autenticidade desses sinais. “Este paço episcopal é muito frio e desconfortável. Eu podia ir viver para um apartamento. Há quem mo aconselhe. E todos louvariam a minha atitude. Seria visto como um sinal de pobreza mas eu é que sairia beneficiado... Não o farei”.

. Quando, em 1975, um grupo que, por motivações políticas, havia tomado de assalto um centro social da Obra Diocesana, lhe veio propor conversações, D. António mandou-lhes dizer que “não negociava com ladrões”.

Autêntico e frontal. Era assim o “famoso bispo do Porto”, como lhe chamou João Paulo II, quando, em 1982, se despedia na Serra do Pilar. Para melhor o conhecer, aconselha-se a leitura das suas “Cartas ao Papa”, obra que se encontra disponível na livraria da Voz Portucalense.

(23/7/2014)