O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, março 21, 2018

O SEMINÁRIO DO PORTO E S. TOMÁS DE AQUINO



Há dias, ao revisitar velhas prateleiras, deparei-me com o suplemento dominical «Letras e Artes» do jornal “Novidades”, de 8 de Março de 1959, - fez 59 anos - que abria com a seguinte nota:
O nosso número de hoje, dedicado a S. Tomás, foi organizado, como nos anos anteriores, por alunos do curso de Filosofia do Seminário Maior do Porto.”
Lembro que a festa litúrgica de S. Tomás celebrava-se, então, no dia 7 de março.

Nesse ano, o reitor, Dr. Domingos de Pinho Brandão, convidou pessoalmente três alunos do 3º ano de filosofia.

Manuel Correia Fernandes inicia a sua dissertação sobre «Cristianismo e Filosofia até S. Tomás de Aquino», dizendo: “O aparecimento do cristianismo, no meio de heterogéneas concepções políticas, sociais e morais, e sobretudo no meio de um sincretismo religioso e de ecletismo intelectual da Roma pagã, marca, sem dúvida, o mais importante momento da História da Humanidade. A sua expansão, obra heroica de sacrifícios de Apóstolos, obra realizada à custa do sangue de mártires, veio provocar, na efervescência do Mundo romano, uma profunda modificação no campo filosófico e cultural”. Depois de um longo e aprofundado articulado, conclui: “A doutrina de S. Tomás é de um equilíbrio admirável, como todo o sistema tomista: vemos nela a realização de um ponderado meio-termo entre dois exageros: o misticismo agostiniano e o racionalismo averroísta”.

 Já Joaquim Carneiro Dias, de saudosa memória, abordou a “Teoria do Conhecimento” com o texto «Do Valor da Inteligência». Depois de esclarecer os leitores sobre a complexidade do tema e circunscrever o âmbito da sua análise, afirma: “Importa colocar S. Tomás como mestre inconfundível da verdade porque só ele libertou e restaurou a inteligência, atribuindo-lhe o papel que realmente desempenha na vida”. E afirma, perentório: “S. Tomás é, por excelência, o filósofo da inteligência e, na frase de Maritain, se a inteligência não for salva, nada será salvo”.

Eu, por sugestão do Dr. Ângelo Alves, nosso professor de Filosofia, aventurei-me pelos caminhos da Metafísica, com «Mudanças Substanciais e Hilemorfismo». Depois de situar a problemática subjacente ao tema, descrevo as “soluções do problema das mudanças na filosofia helénica”, desde Parménides a Aristóteles, passando por Heráclito e Demócrito. E analiso, à luz dos dados científicos então conhecidos, a “realidade das mudanças substanciais” nos “corpos orgânicos e inorgânicos”, demorando-me nos “corpúsculos infra-atómicos”. E concluo: ”Se bem que o argumento das mudanças substanciais, defendido por S. Tomás, fosse posto em dúvida por alguns filósofos, podemos asseverar, com os melhores autores, ser ele, nas circunstâncias presentes, a melhor prova a favor do hilemorfismo.”

O Seminário do Porto era alfobre de cultura e escola de grande prestígio.

(21/3/2018)

quarta-feira, março 14, 2018

METANOIA - MUDANÇA



Era dia de festa. A mãe fazia 40 anos. A filha, com a ajuda do pai, preparou um almoço – surpresa! Convidou amigos e não se esqueceu da avó materna. Alguns convidados ofereceram uma flor à mãe da aniversariante. O almoço corria em ambiente de festa quando a avó desabafa: “Este é um dia muito triste para mim!” Todos ficaram surpreendidos com tão imprevista como inoportuna declaração. Os adultos até compreenderam porque conheciam o motivo do seu desgosto. A neta é que não. Ficou triste… Tinha preparado tudo com muito gosto e a avó, em vez de lhe louvar a iniciativa, veio estragar a festa. - “A avó não pensou em mim!” As lágrimas afloraram ao rosto da festejada: mais uma vez a mãe lhe estragava uma hora de felicidade.

Foi então que me veio à mente a frase de Picasso: “Há pessoas que transformam o sol numa mancha amarela, mas há também aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol”.

Há pessoas que avolumam seus problemas como se fossem os únicos, sem se preocuparem com a angústia que provocam nos que os rodeiam. Só pensam em si e exigem que todos andem à sua volta… Parece que sentem prazer em fazer sofrer quem os ama.

Nós próprios, infelizmente, quantas vezes magoamos aqueles que mais amamos…

A Quaresma é tempo de metanoia, que quer dizer mudança de sentimentos, arrependimento, mágoa, penitência. É tempo para se pensar nas pequeninas coisas da vida que fazem sofrer os que nos cercam.

Quando fazia esta reflexão chegou-me às mãos a carta de despedida que Gabriel Garcia Marques, prémio nobel de literatura, escreveu aos amigos. Aconselho a sua leitura integral. Na impossibilidade de a apresentar, ofereço para reflexão apenas alguns dos seus pensamentos.

“Se por um instante Deus me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.

 s, para sentir el dolor de sus espinas, y el encarnado beso de sus pétalos... Dios mío, si yo tuviera un trozo de vida... No dejaría pasar un sólo día sin decirle a la gente que quiero, que la quiero.Meu Deus, se eu tivesse um pedaço de vida... Eu não deixaria passar um dia sem dizer às pessoas que as amo, que as amei. Convencería a cada mujer u hombre que son mis favoritos y viviría enamorado del amor. 

Aprendi que todos querem viver no topo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na escalada para lá chegar. He aprendido que cuando un recién nacido aprieta con su pequeño puño, por primera vez, el dedo de su padre, lo tiene atrapado por siempre.

Hoje pode ser a última vez que estás com quem amas. Por eso no esperes más, hazlo hoy, ya que si el mañana nunca llega, seguramente lamentarás el día que no tomaste tiempo para una sonrisa, un abrazo, un beso y que estuviste muy ocupado para concederles un último deseo. Então, não esperes, faz isso hoje, porque, se o amanhã nunca chegar, certamente te arrependerás do dia em que não arranjaste tempo para um sorriso, um abraço, um beijo. Mantén a los que amas cerca de ti, diles al oído lo mucho que los necesitas, quiérelos y trátalos bien, toma tiempo para decirles "lo siento", "perdóname", "por favor", "gracias" y todas las palabras de amor que conoces. Àqueles que amas, conta-lhes o quanto precisas deles, trata-os bem, arranja tempo para dizer "sinto muito", "perdoa-me", "por favor", "obrigado" e todas as palavras bonitas que conheces. Nadie te recordará por tus pensamientos secretos. Ninguém se lembrará de ti por causa de teus pensamentos secretos. Pide al Señor la fuerza y sabiduría para expresarlos. Pede ao Senhor a força e a sabedoria para os expressar.” (adaptado) Demuestra a tus amigos cuanto te importan."

A Quaresma não nos pede grandes conversões, mas mudanças pequeninas que não dão para pôr no facebook mas podem fazer mais felizes os que nos são próximos…

( 14/3/2018)

quarta-feira, março 07, 2018

"LEVANTO MINHAS MÃOS..."



A história construiu castelos que se afrontam: Tui e Valença; Monção e Salvaterra. A geografia fez aproximações. Se a história separou, a geografia uniu. O rio Minho foi a grande estrada que facilitou a permuta entre as povoações das suas margens. Na Idade Média, os rios mais que barreiras, criavam pontes de vizinhança.

O concerto que o Coro Gregoriano do Porto apresentou na igreja matriz de Caminha, em 28 de julho passado, abriu com uma homenagem à raiz cultural que une as povoações ribeirinhas do rio Minho. E fê-lo com a leitura de “Cantigas de Amigo”: «Ai flores, ai flores de verde pino», do nosso rei D. Dinis, e «Ondas do mar de Vigo», do jogral galego Martim Codax. A que juntou duas “Cantigas de Santa Maria”, de Afonso X, em galaico-português. Como é belo este lirismo saudoso de que falava Castelao…

A realização deste concerto, junto à foz do Minho, fez crescer em nós o desejo de ir à procura das suas origens. E fomos…

Por terras de Lugo, subimos a serra de Meira. Ao chegar a Pedregal de Irimia, admirámos o carinho com que o povo galego aconchega o nascimento do Rio Minho a que chamam “Pai dos rios galegos”. São muitas as placas que o engrandecem. Numa lê-se:

 “Pedregal de Irimia é o primeiro lugar onde se pode ver a auga formando caule do Rio Miño. Trs o seu passo pola terra que o viu nascer, continúa o seu camiño dirección a Lugo, seguindo o seu percorrido co desexo de alcanzar terras pontevedresas, onde fai fronteira com Portugal. Com 343 km de lonxitude “, os seus últimos 76 km servem de fronteira.



E há poemas, feitos de saudade como o do “poeta de Meira”, Avelino Dias:

“Craro Rio Miño… Por eso te quero mais. Quizabes tuas augas levan  As bágoas de miña nai” (mãe).

É um lugar feito de contrastes. Ao fundo duma alongada penedia, nasce, sob a frescura dum arvoredo, um fio de água que, qual bebé, balbucia de pedra em pedra.

Sobre a origem deste pedregal, a lenda fala duma pastora já idosa. Perante o ataque dos lobos, a anciã correu atrás deles atirando-lhe pedras e deixando cair as que tinha no regaço. As pedras começaram a crescer monte abaixo, abrindo a terra e deixando sair um pequenino regato. O Minho nasce aqui.

É muito significativo que o “Movimento dos Crentes Galegos” tenha realizado aqui a sua primeira “Romaxe, em 16/9/1978, sob o lema “Eu renazo galego” e dado à sua revista o título “Irimia”.

Sentimo-nos em casa, apesar da distância. O rio Minho também é português. Como nos soube bem refrescar os pés naquelas águas virginais!

 
 
 
 
 
Em terra de silêncio, o céu fez-se mais próximo. Um hino de louvor brotou-nos do coração. E, como Melquisedec, rezamos: “Levanto as minhas mãos para o Senhor, Deus Altíssimo, que criou o céu e a terra” - Gn 14,21. (6/3/2018)