O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, janeiro 20, 2010

UM BISPO QUE INCOMODOU SALAZAR

Não, desta vez não é de D. António Ferreira Gomes que vou falar.
No livro “A Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique”, encontrei duas afirmações que provocaram este texto:
1ª. - Em Portugal, raros são aqueles que sabem quem foi D. Sebastião Soares de Resende. Desconhecem a importância deste homem na História de Portugal e de Moçambique.
2ª.- A historiografia portuguesa nunca deu relevo algum a este homem, nem ao facto de o “Caso do primeiro bispo da Beira” ter tido, em termos internacionais, mais repercussões que o conhecidíssimo “Caso do bispo do Porto”, nem ao facto de ter sido um autêntico herói nacional.
É da mais elementar justiça evocar esta figura insigne do Clero do Porto, no aniversário da sua morte, ocorrida em 25 de Janeiro de 1967.



Natural de Milheiros de Poiares, Feira, D. Sebastião Soares de Resende foi sagrado Bispo na Sé do Porto em 15 de Agosto 1943. Logo em 8 de Dezembro tomou posse como primeiro bispo da Diocese da Beira, em Moçambique.

Um Profeta

* No Anúncio
Apóstolo da Palavra privilegiou a escrita para o que criou o “Diário de Moçambique” (“Um jornal é mais importante que três ou quatro missões.”, dizia).
Difundiu a Palavra, também, através da Rádio Pax.
Logo na primeira das suas quinze pastorais, afirmou a sua preocupação. “Pretendia lutar por um conjunto de princípios e ia empenhar-se na resolução de graves problemas que assolavam a sociedade africana” (obra citada).

* Na Denúncia
- “Impera na Beira a escravatura!”
- “ Querem o preto selvagem para continuar a ser animal de carga.”

* No Prenúncio
- “ Haverá no futuro muito sangue a correr em África”.
- “Moçambique tem os seus direitos e uma vez que seja possível, deve tornar-se independente, com negros e brancos a governar”.

* No sofrimento.
O seu jornal foi suspenso por três vezes; todos os seus movimentos eram controlados pela PIDE e, em 1962, Salazar impediu a sua nomeação para Arcebispo de Lourenço Marques.

A sua voz teve grande repercussão internacional. Nos Estados Unidos, foi ouvida pelo Presidente Kennedy e pelo Arcebispo de Nova Iorque, Fulton Sheen.
No Brasil, foi sócio correspondente da Academia de Letras.
Fez dez intervenções directas no Vaticano II: “ Tratei da igualdade da pessoa humana, do amor para com os inimigos e da igualdade entre os homens”

Um Precursor

* Na democratização do ensino. Criou muitas escolas básicas. Introduziu o ensino secundário na Beira. Fundou escolas para professores, especialmente nativos. Lutou pela “ Universidade da África Portuguesa aberta igualmente a todas as raças e dotada de todas as faculdades”

* Na ida de missionários estrangeiros, ao arrepio da vontade de Salazar. Fizeram História os “Padres de Burgos” na denúncia dos massacres de Wiriyamu.

* Na igreja moçambicana. Para além de fundar muitas paróquias e missões, deu especial relevo à ordenação de padres negros, contrariando o Governo Português que temia a sua adesão à causa da autodeterminação. O terceiro negro a ser ordenado na Beira foi Jaime Pedro Gonçalves que é o actual Arcebispo da Beira.

Evocar D. Sebastião é trazer à memória outros dois grandes vultos do Clero do Porto que com ele se cruzaram na luta pela Justiça e pela Fraternidade: D. António Ferreira Gomes, seu companheiro e amigo desde os bancos do seminário, e D. Manuel Vieira Pinto de quem foi mentor e precursor em terras moçambicanas.
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