O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, julho 25, 2018

MAIS DE MIL ANOS DE HISTÓRIA...

 
As férias estão aí. Como em anos anteriores, apresento-vos uma sugestão de visita.

Antes de mais, um passeio pela história. Serve-nos de guia o texto que o P. Pedro Gradim ofereceu ao Grupo Boa Memória, no passado dia 23 de maio.

Um documento de 18/Março/1003 mostra que, há cerca de 1015 ano, já existia um convento nas margens do rio Leça. Foi para ocupar esse espaço, então em ruínas, que a Rainha D. Teresa, mãe do nosso primeiro Rei, chamou a Ordem Soberana e Militar dos Religiosos Cavaleiros do Hospital de São João de Jerusalém,

Esta Ordem foi criada na cidade de Jerusalém, em meados do século XI, por alguns mercadores cristãos de Amalfi, Itália, a que se juntaram outros, vindos de sete países, entre os quais Portugal. Fundaram uma casa religiosa, sob a regra de São Bento, para recolha de peregrinos que, rapidamente, se tronou numa Ordem Militar Cristã, com regra própria, para assistir os peregrinos e defender a Terra Santa. Com este objetivo, levantou, em Jerusalém, o primeiro hospital. Enfraquecida com a perda pelos cruzados dos territórios da Palestina, a Ordem, depois de Chipre, ocupou a ilha de Rodes, onde era soberana. Em 1530, o Imperador Carlos V ofereceu-lhes a ilha de Malta para onde transferiram a sua sede. Começou a chamar-se “Ordem de Malta”. Os Hospitalários formavam uma comunidade religiosa e uma ordem de cavalaria que muito ajudou os reis portugueses a conquistar os territórios do Além- Mondego.

Foi a esta Ordem que Dona Teresa, no início do século XII, com receio dos Árabes que se aproximavam, deu, em Leça do Balio, a sua primeira casa capitular. Reconstruiram as ruínas do anterior Convento e estabeleceram aí a sua sede. D. Afonso Henriques confirmou, em 1140, o gesto da mãe e concedeu à ordem a “Carta de Couto” que incluía, para além de Leça do Balio, as quatro freguesias vizinhas: Custóias, S. Mamede de Infesta, Gueifães e Barreiros.

A igreja atual – magnífico templo gótico do séc. XIV – foi mandada edificar por D. Frei Estevão Vasques Pimentel, entre 1306 e 1336, para substituir o templo, de estilo românico, que já não correspondia à importância da Ordem.

A sua monumentalidade impõe-na como “um dos mais notáveis exemplares da nossa arquitetura guerreira-religiosa da Idade Média” .

 No interior, merecem atenção especial a “pia batismal” de Diogo Pires, o Moço e uma placa de bronze, com motivos decorativos e epitáfio em caracteres leoneses.

 Foi esta igreja, escondida no vale do rio Leça, que o rei D. Fernando, para evitar arruaças, escolheu para casar (15/5/1372) com D. Leonor Teles, “a aleivosa”, no dizer de Fernão Lopes (Crónica de D. João I), e a quem Alexandre Herculano chamou a “Lucrécia Bórgia portuguesa”

É bom sentar num banco e, no silêncio, respirar mais de mil anos de história…

(25/7/2018)

quarta-feira, julho 18, 2018

ORGANISTA DA CATEDRAL

                             

”Vamos com alegria para a Casa do Senhor.”

Amigo, foi este o último salmo que te ouvi cantar, na “Missa de 7º dia” de tua mãe, Benilde. Foi ao seu colo que te conheci quando vinha à Escola Primária do Cerco participar na Eucaristia da incipiente comunidade cristã que esteve na origem da paróquia da Senhora do Calvário. Já então teu pai, Alfredo Costa, era responsável pela liturgia.

Foste criado numa família a quem a paróquia muito deve. Não faltava a nada. Além das celebrações litúrgicas, participava nas peregrinações a Fátima, nos convívios e em tudo mais.… Ainda estou a ver teus pais, carregados de farnéis, a correr, na estação de Contumil, para apanhar o comboio especial que a paróquia tinha alugado para o convívio em Barcelos. E, atrás, lá vinhas tu com tuas irmãs. Linda imagem que recordo com uma lágrima de saudade!

Quando teu pai te pedia para dizeres teu nome, logo tu, pequenino, respondias: “TóMáTiPi a Tó” o que significava: António Mário da Silva Pinto da Costa. Como tua mãe gostava de recordar, este foi o nome pelo qual sempre te tratei e que te fazia sorrir.

Desde muito novo, foste um vocacionado para a música. Nos finais de 1966, a capela da Senhora do Calvário, recém-inaugurada, adquiriu um harmónio. Ainda sinto a alegria do teu pai quando, no final da Eucaristia, te colocava no banco do harmónio e tu, com o dedito, tocavas algumas notas dos cânticos da Missa. Depois, começaste a aprender piano e era no piano da “Casa Paroquial” que te aperfeiçoavas. Passavas horas a tocar e nunca te cansavas.

A seguir, veio o Curso diocesano de Música Litúrgica (cf. VP, 11/7/2018). E foste subindo… subindo… mas nunca esqueceste as origens. Para os amigos de infância, continuaste a ser o Toni. Ainda no dia 22 de abril do ano passado, vieste à capela da Senhora do Calvário tocar no decrépito órgão dos teus inícios. Como ele se sentiu revigorado quando teve sobre suas teclas as mãos do organista titular da Catedral do Porto!...

Sempre colaboraste com a Fundação Voz Portucalense. Por isso, foste agraciado com o diploma “Reconhecimento” que irias receber das mãos de D. António Francisco, no Santuário do Monte da Virgem, em 4 de junho do ano passado – “Dia da Voz Portucalense”. Infelizmente, a doença impediu a tua presença.

O teu funeral, no dia 25 de junho em Aradas-Aveiro, foi uma enorme manifestação de pesar. Sensibilizou-me a participação grata da Igreja do Porto representada por D. António Augusto, pelo Cabido e pelos responsáveis do Seminário Maior, Centro de Cultura Católica e Universidade Católica, onde foste professor e por muitos dos teus alunos e amigos. Quanta emoção havia no rosto do Cónego Ferreira dos Santos, o teu primeiro professor de órgão que sempre te apadrinhou! E no coração do pároco que te acompanhou desde os tempos de menino…

Dou graças a Deus por ti e tua família.

(18/7/2018)

quarta-feira, julho 11, 2018

EM DEFESA DA LIBERDADE



Depois de amanhã, dia 13, faz 60 anos que D. António escreveu a “Carta a Salazar”. Em sua honra, o poema que Sophia lhe dedicou.

“Na cidade do Porto há muito granito/Entre névoas sombras e cintilações/A cidade parece firme e inexpugnável/E sólida – mas habitada/Por súbitos clarões de profecia
/Junto ao rio em cujo verde se espelham as visões/ Assim quando eu entrava no Paço do Bispo/E passava a mão sobre a pedra rugosa/O paço me parecia fortaleza/Porém a fortaleza não era/Os grossos muros de pedra caiada/Nem os limites de pedra nem a escada/De largos degraus rugosos de granito/Nem o peso frio que das coisas inertes emanava/Fortaleza era o homem – o Bispo - /Alto e direito firme como torre/Ao fundo da grande sala clara: fortaleza/De sabedoria e sapiência/De compaixão e justiça
/De inteligência a tudo atenta/E na face austera por vezes ao de leve o sorriso/Inconsútil da antiga infância.”

Esta efeméride fez-me evocar o estudo “Os Bispos do Porto…”, de Ribeiro da Silva.

            Escreve o prestigiado investigador:

“Poderemos recuar até ao séc. VI, visto que as circunstâncias conhecidas da vida do primeiro bispo do Porto e no Porto, D. Constâncio (585-589), oferecem pistas sedutoras. Efectivamente, Constâncio, para além de inaugurar a lista, foi também o primeiro Bispo a conhecer o sabor acre da ousadia de afrontar o poder constituído e a sofrer as agruras do exílio por razões de fidelidade à ortodoxia e de coerência com as próprias convicções. O rei Leovigildo, de fé ariana, tendo conquistado o antigo reino dos suevos, colocou no Porto um bispo heterodoxo, de nome Argiovito, porque o titular, Constâncio, fora capaz de contornar e resistir tanto às pressões como às ameaças e seduções do vencedor, mantendo-se firme na recusa do arianismo, preferindo o exílio a dobrar-se à vontade do soberano. A morte do rei em 586, abreviou o tempo do afastamento forçado do bispo, que mal chegou a dois anos. Mas não deixam de ser culturalmente curiosas e, de alguma forma, premonitórias as circunstâncias do primeiro bispo”. 

E acrescenta: “Passadas muitas centenas de anos, a defesa da liberdade levaria outros a conhecer os mesmos fragosos, injustos e sombrios caminhos do exílio. D. António Ferreira Gomes é o exemplo próximo que nos acode de imediato à memória, mas não podemos esquecer de D. António Barroso, bispo do Porto ao tempo da proclamação da República, que foi despudoradamente destituído da Diocese.”

No dizer de Agustina, na paisagem do Porto sobressaem “as agulhas dos seus templos, as torres cinzentas”. Também, na sua história, avultam as pegadas dos seus bispos.

O nome de D. António Francisco, para a nova ponte, homenageia os bispos que, ao longo dos séculos, tanto influenciaram o caráter desta cidade “sólida - mas habitada por súbitos clarões de profecia”. (11/7/2018)

quarta-feira, julho 04, 2018

FEZ, NO DOMINGO, 151 ANOS...


 
Nesse longínquo 1 de julho de 1867, Portugal fez-se luzeiro de humanismo e exemplo para as nações civilizadas. Por defender o direito à morte? Não. Sim, por defender o direito à vida.

Portugal tornou-se no primeiro Estado do mundo a abolir a pena de morte. O grande pensador francês, Victor Hugo, logo que teve notícia, felicitou, em carta enviada ao amigo Brito Aranha, o nosso país nestes termos: “A vossa nobre carta faz-me bater o coração. Não; não há povos pequenos. Há pequenos homens, ai de nós! E algumas vezes são esses os que conduzem os grandes povos. Os povos que têm déspotas assemelham-se a leões que tivessem açaimes. Eu amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. Ele é livre; portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a pena de morte. Consumar esse progresso é dar o grande passo da civilização. De hoje em diante, Portugal está à frente da Europa. Vós não haveis cessado de ser, portugueses, navegadores intrépidos. Avante outrora no Oceano, hoje na verdade. Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos. Clamo: Glória a Portugal!”

Este texto de Victor Hugo, que nos honra, diz-nos que não precisamos de ser subservientes ao argumento da autoridade que nos chega do estrangeiro…

A nossa “Lei de Abolição” foi de tal modo significativa para a humanidade que, no dia 15 de abril de 2015, recebeu a distinção de «Marca do Património Europeu». “Esta consagração pretende contribuir para a promoção dos valores da Cidadania Europeia com especial enfoque nos Direitos Humanos, e para a construção de uma identidade baseada nos valores da tolerância e respeito pela vida Humana”.

No passado, o exemplo de Portugal serviu de argumento aos defensores das correntes abolicionistas de então como o caso de um país que, nascido e herdeiro da mesma tradição histórica e cultural de outras regiões da Europa, teve a coragem de abraçar e aplicar uma reforma de grande alcance civilizacional.

Ontem, como hoje, a Carta de Lei de 1867 tem um forte valor simbólico para a Europa, na medida em que encerra em si muitos dos valores e ideais atualmente plasmados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

As gentes do Porto têm razões de sobra para se sentirem ufanas. Com efeito, Sampaio Bruno, grande pensador portuense que a cidade honra com uma rua na «Baixa», lembra o relevante papel desempenhado pelo deputado do círculo de Cedofeita, Aires de Gouveia. Desde 1863, este representante portuense nas Cortes encetara intensa campanha a favor da abolição da pena de morte. Com tudo isto, o nome de António Aires de Gouveia, no dizer de Bruno, fica ligado “ indissoluvelmente à abolição da pena de morte em Portugal, (e) um reflexo desta glória ilumina a terra em que ele nasceu.” Sejamos dignos dos nossos “egrégios avós”!

 

(4/7/2018)