O Tanoeiro da Ribeira

quinta-feira, dezembro 31, 2020

HAVERÁ NATAL!

Com votos de Santo Natal, partilho convosco um poema cujo autor terá merecido um telefonema do papa Francisco. “Haverá Natal?” Claro que sim! Mais silencioso e com mais profundidade, / Mais parecido com o primeiro em que Jesus nasceu em solidão. Sem muitas luzes na terra, mas com a da estrela de Belém fulgurando trilhos de vida em sua imensidão. Sem cortejos reais colossais, mas com a humildade de sentir-nos pastores e servos buscando a Verdade. Sem grandes mesas e com amargas ausências, mas com a presença de um Deus que tudo plenificará. Haverá Natal? Claro que sim! Sem as ruas a transbordar, mas com o coração aquecido pelo que está a chegar. Sem barulhos nem ruídos, propagandas ou foguetes…mas vivendo o Mistério sem medo do «covid-herodes» que pretende tirar-nos até o sonho da esperança. Haverá Natal! Porque Deus está ao nosso lado /E partilha, como Cristo no presépio, nossa pobreza, prova, pranto, angústia e orfandade. Haverá Natal! Porque necessitamos de uma luz no meio da tanta escuridão. A Covd 19 nunca poderá chegar ao coração nem à alma dos que no Céu põem sua esperança e seu maior ideal. Haverá Natal! Cantaremos nossos cantos natalícios! Deus nascerá e nos trará a liberdade!” (P. Javier Leoz, pároco de São Lourenço de Pamplona, Espanha) O modo de ser e viver (cultura) dum povo assenta num conjunto de crenças e valores – «mitos» - que se manifestam em celebrações coletivas – «ritos». Quando o mito definha também o rito se vai esvaindo e, se subsiste, assemelha-se àquelas abóboras que apodrecem nos campos. À vista, continuam bonitas, mas desfazem-se ao mais leve toque porque estão mirradas por dentro. Assim, o Natal. Nasceu como manifestação da Fé no Mistério da Incarnação. Mas o materialismo consumista dos nossos tempos fez o que Herodes não conseguiu, “matou” o Deus-Menino nascido num estábulo. E substituiu-O por um simpático velhinho, carregado de prendas, e anestesiou-nos com a febre das compras natalícias. Manteve-se o rito, agora explorado até à exaustão. Porém, bastou um pequeno vírus para estilhaçar o seu invólucro e mostrar que o interior estava vazio. E logo se apregoou: “Não haverá Natal”. Para nós, porém, “Haverá Natal” porque acreditamos no Mistério nuclear da fé cristã, apesar das imprescindíveis e dolorosas alterações que a pandemia nos impõe na sua celebração. No silêncio, interiorizemos e celebremos as palavras do papa Francisco: “Nesta noite, do ventre da mãe Igreja, nasceu de novo o Filho de Deus feito homem. O seu nome é Jesus, que significa Deus salva. O Pai, Amor eterno e infinito, enviou-O ao mundo, não para condenar o mundo, mas para o salvar (cf. Jo 3, 17). O Pai no-Lo deu, com imensa misericórdia; deu-O para todos; deu-O para sempre. E Ele nasceu como uma chamazinha acesa na escuridão e no frio da noite”. Parafraseando o que o SDL escreveu sobre o Advento (cf. VP, 25/11), também o Natal é “sempre inédito”. E este ano, o próprio rito apela à criatividade. “Felizes os que creem sem terem visto!” (Jo 20, 29). (16/12/2020)

quarta-feira, dezembro 09, 2020

AO SERVIÇO DA FÉ E DA CULTURA

Vi-o pela primeira vez numa Eucaristia em que participei na igreja de Rio Tinto. Soube, então, que era cónego da Sé de Lamego, de que fora deão, e, agora, vivia naquela cidade em casa da sua afilhada Virgínia que o acompanhou desde que foi lecionar teologia na UCP, em Lisboa, até ao seu falecimento (22/12/2016), tendo sido sepultado em Moldes, Arouca, sua terra natal. Voltei a encontrá-lo no Liceu Carolina Michaelis em 24 de maio de 2001. Foi com surpresa e agrado que ouvi a sua palestra integrada no “Colóquio Internacional sobre Carolina Michaelis”. Surpresa, porque não sabia que o elogiado conferencista, Dr. Mendes de Castro, era o circunspecto presbítero que residia em Rio Tinto; agrado, pela elegância e consistência da sua comunicação. Há dias, sob o título “No Centenário do Cónego Dr. Mendes de Castro”, o P. Justino Lopes publicou, na “Voz de Lamego”, um artigo que, com vénia, passarei a citar. Apesar de algumas supressões, espero não desvirtuar a verdade nem o calor da mensagem. “Doutorou-se em Teologia pela Universidade de Comillas, seguindo depois para o Instituto Bíblico de Roma. Na volta, ficou professor do Seminário. Era um bom articulista e, semanalmente, aguardávamos ansiosos a Voz de Lamego para ler o Editorial quase sempre escrito por ele. Foi meu professor de Dogmática e Sagrada Escritura. Não levava livro nem apontamentos. Expunha a lição citando a Bíblia ou os Santos Padres em hebraico, grego ou latim. Nas raras chamadas era muito humano, muito compreensivo. E, nos exames, procurava não entalar o aluno, pelo contrário, dava-lhe sempre umas dicas se o via atrapalhado. O Dr. Joaquim Mendes de Castro foi «um homem a quem o trabalho não cansou, o medo não silenciou e a liberdade e a coerência nunca abandonaram». Nos meus anos de Teologia, andava ele com outros biblistas, às voltas com a “Primeira tradução da Bíblia feita em Portugal com critérios científicos” a partir dos textos originais. Era editada, em fascículos, pela Editorial Universus. Mais tarde aparece, em volume, com o título de “Bíblia Monumental”. Descobrira, na Biblioteca de Lamego, um códice inédito da Bíblia em versão medieval. Deu-o à estampa com um comentário. Ficou conhecida como – “A Bíblia de Lamego”. Publicou, ainda, “Samuel Usque e o seu contributo para a versão portuguesa da Bíblia”, trabalho premiado pela Academia Portuguesa de História. Era um pregador muito requisitado, não pela voz que era frágil mas pela doutrina esplanada. Tinha o condão de animar os jovens que escreviam, em prosa ou em verso, nos jornais. Era muito amigo dos padres, ficava muito contente quando sabia que eram acompanhados por uma irmã e preocupava-se com o seu parco sustento. A sua débil saúde não o deixou voar mais alto mas não o impediu que vivesse 96 anos fecundos. Ao celebrar, no Céu, o centenário do seu nascimento (21/06/1920) aqui deixo, timidamente, um pouco da minha admiração grata que sinto por ele.” Quem, como eu, o conheceu no Porto estava longe de imaginar que o porte distinto mas discreto e a «voz frágil» daquele padre escondiam uma tão rica inteligência, um coração tão bondoso, um tão devotado “servo” da fé e da cultura. Uma palavra de parabéns para a diocese de Lamego.(9/12/2020)

domingo, dezembro 06, 2020

A VIRGEM DE GUADALUPE

Era bem moço quando aprendi a «Rianxeira», canção tradicional galega da «Ria de Arousa»: “A Virxe de Guadalupe/ Cando veu para Rianxo…”. Mais tarde, visitei, em Vila Real, uma igreja gótica, dedicada à Senhora de Guadalupe. Em Águas Santas, a sua capela está no coração das terras e gentes da Maia. No verão, em Vila do Bispo, estive na ermida romano-gótica da “Virgem protetora dos navegadores e dos cativos” onde o Infante D. Henrique assistia à missa quando estava na Quinta da Raposeira, entre Lagos e o cabo de S. Vicente. Soube que noutras terras, incluindo os Açores, há várias capelas em sua honra. A origem desta invocação mariana está no «Real Mosteiro de Nossa Senhora de Guadalupe», a uns 100 km. de Cáceres, Espanha. Segundo a tradição, perpetuada nas pinturas do «claustro mudéjar», a imagem da autoria de S. Lucas foi oferecida pelo papa Gregório Magno a São Leandro, arcebispo de Sevilha. Em 714, com a invasão árabe, uns clérigos, em fuga, enterraram-na nas margens do rio Guadalupe. Encontrada, miraculosamente por um pastor, após a «Reconquista Cristã», foi entronizada numa pequena ermida e recebeu o nome de Guadalupe que significa «rio escondido». A história começa com Afonso XI, rei de Castela, quando, em 1330, rezou nessa capela pedindo a proteção de Virgem para a batalha do Salado onde - com o nosso Afonso IV, «O Bravo» devido a essa batalha - derrotou os Mouros. Em ação de graças, declarou o mosteiro património real. E, em 1389, entregou-o à Ordem de São Jerónimo. No século XV, recebeu grande impulso dos «Reis Católicos». À entrada do mosteiro, somos acolhidos pelo busto de “Isabela la Católica” que em 1464, ainda infanta, o visitou, quando aí se deslocou para acordar o casamento com Afonso V, de Portugal, que acabou por recusar. Lá voltou para agradecer: em 1477, a vitória na batalha de Toro – de má memória para nós e onde se notabilizou D. Duarte de Almeida, «O Decepado»; em 1492 a rendição de Granada. Na Semana Santa de 1486, Cristóvão Colombo veio aí pedir-lhe o financiamento da sua “viagem às Índias”. E a rainha, em 1492, daí, mandou entregar-lhe duas caravelas. O navegador, que também se encomendou à Virgem antes da viagem, lá regressou após a descoberta da América, depois de ter dado o nome de Guadalupe a uma das primeiras ilhas que descobriu nas Caraíbas. Em 1835, os Jerónimos foram expulsos pelo Governo Espanhol e, em 1908, foi confiado aos Franciscanos que o revitalizaram até aos nossos dias. Em 1910, Pio X consagrou a Virgem de Guadalupe como «Padroeira da América Latina»; com festa litúrgica no dia 12 de dezembro. O mosteiro, mescla harmoniosa de gótico, mudéjar, renascença, barroco e neoclássico, foi construído entre os séculos XIII e XVIII. Nele, “o «gótico» faz-se espiritual e luz nas suas arcadas, janelas, portadas e pináculos e funde-se com o «mudéjar» na airosa rosácea sobre o frontispício”. Em 1993, foi reconhecido como «Património da Humanidade». ( 2/12/2020)