O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, maio 25, 2016

UMA VOZ SE CALOU


 
 
O Ângelo Jorge tinha 15 anos, quando, em 7 de março de 1965, entrou em vigor a reforma litúrgica do Vaticano II. Desde logo, começou a servir a liturgia como leitor e guia da assembleia. Ainda hoje é recordado com saudade: “ Associo sempre a sua linda voz e presença às primeiras missas em português”. Quando D. Florentino, no dia 7 de março de 1966, celebrou a Eucaristia comemorativa do primeiro aniversário da capela da Senhora da Paz no bairro de S. Roque, foi ele quem dirigiu a assembleia. E tão bem o fez que, no final, o senhor Bispo o felicitou, surpreendendo-se com a sua idade.



O gosto e a experiência adquirida nas liturgias levaram-no a concorrer à Rádio Renascença. O responsável pela seleção, ao ouvir a sua prova, logo lhe perguntou se já tinha experiência de rádio. Ao que ele respondeu: - Não tenho, mas estou habituado a falar ao microfone nas missas da minha paróquia. Foi selecionado e, em 1968, com apenas 19 anos, ingressou nos quadros dessa Rádio. Durante cerca de 20 anos, a sua voz passou a ser companhia regular dos muitos ouvintes da Emissora Católica. Em 1989, partiu para novos projetos, mas a sua ligação com a Renascença não se quebrou. E foi com agrado que, no dia do seu funeral, ouvi, num programa da manhã, os apresentadores falarem, com emoção, do amigo que partiu. Numa sociedade onde as instituições esquecem quem as serviu, soube muito bem saber dum comunicado emitido pela Rádio Renascença que, em parte, transcrevo: “Morreu Jorge Peixoto, voz de referência da Renascença

17 Mai, 2016 - 20:12 - Morreu esta terça-feira, aos 67 anos, uma das vozes de referência dos estúdios do Porto da Renascença. Jorge Peixoto ingressou nos quadros da Emissora Católica em 1968 saindo em 1989 para dirigir a Rádio Press. Regressou em 1993, colaborando com o grupo até 2010. O seu nome fica associado a inúmeros programas de autor como “Sequência da Tarde”, “Ou 20 ou Nada”, mas também o programa da manhã da Rádio Sim ou “Serra de Estrelas”, em 1984, antecâmara do “Oceano Pacífico”, no projecto embrião da futura RFM. Também apresentou programas desportivos, inúmeros espectáculos e foi locutor de continuidade na televisão pública. Deu aulas no Instituto Multimédia do Porto e, em 2008, fundou o GPS – Grupo de Peregrinos de Santiago, sendo, até há pouco, o seu principal dinamizador.“

No dia do funeral, um dos caminheiros do GPS, confidenciava-me: “O Jorge era um construtor de amizades, um construtor de pontes a quem o grupo muito deve”.

Calou-se a voz mas, na nossa memória, perduram as ressonâncias. Termino com a mensagem que alguém escreveu no cartão que acompanhava um ramo de flores: “Que, na Liturgia Celeste, Deus te recompense pelo bem que fizeste nas liturgias da tua paróquia.” Que Nossa Senhora da Paz o acolha no seu regaço.

(24-5-2016)

 

quarta-feira, maio 18, 2016

EM MEMÓRIA DE UM SANTO


 

Ao percorrer o norte de Itália foi minha intenção visitar Trento em honra de Frei Bartolomeu dos Mártires que participou no Concílio aí realizado de 1545 a 1563. O então Arcebispo de Braga distinguiu-se por “dizer muito em poucas palavras”.

 A história exalta as suas virtudes,” encarecendo os louvores que lhe são devidos pela singular franqueza e isenção com que falou perante os padres do concilio”. Vindo de Roma, terá viajado incógnito para evitar honrarias e chegado a Trento disfarçado de obscuro sacerdote. A sua presença, porém, não passou despercebida a eminentes figuras da Igreja que o iam visitar à estalagem em que se hospedara para falar com um prelado que, “sob a capa de humildade tão sincera” granjeara grande autoridade e respeito.

Ao viajar até Trento no dia 3 de janeiro, nunca pensei que, passados dezassete dias (20 de janeiro) o Papa Francisco iria autorizar a sua canonização, dispensando o milagre “formalmente demonstrado” para a declaração de santidade. Feliz coincidência que agora partilho convosco.
 
 

A partir de Verona, segui o rio Ádige que, vindo dos Alpes, vai desaguar no Adriático um pouco a sul de Veneza. Foi uma viagem de sonho por vales, ora largos, ora apertados, com lagos e ribeiros entrecortados por povoações embaladas no gorgolejar das águas. As neves alpinas contrastavam com o castanho das vinhas e o verde dos bosques que trepavam pela montanha. Como seriam penosos estes caminhos no tempo do Concílio! Pobre Frei Bartolomeu que por aqui passou e coitada da mula Águia que o transportou…
 

Trento é uma cidade aristocrática com ruas apertadas entre ricos palácios renascentistas. Em muitos deles, há placas com o nome do “Padre Conciliar” que aí residiu durante o Concílio. Não vi nenhum a lembrar Frei Bartolomeu dos Mártires… E não encontrei a sua estalagem…
 
 
É imponente a Piazza Duomo com o Palácio Pretório, magnífica construção medieval, e a Sé, iniciada no século XIII em estilo românico que foi continuado ao longo de toda construção só terminada no século XVI. Daí a sua harmonia e robustez.

Emocionei-me ao entrar na Catedral, onde se realizaram muitas das sessões do Concílio de Trento. Fiz silêncio e pareceu-me ouvir a voz de Frei Bartolomeu que, com “nobre coragem e audaciosa humildade”, dizia a uma assembleia de padres conciliares deveras surpreendida: «Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma; (…) Vossas senhorias são as fontes donde todos os prelados bebem; necessário é portanto que a água seja limpa e pura.». E ainda senti o remexer incomodado das púrpuras cardinalícias e os olhares perturbados de tão ilustres “príncipes da igreja”.

Não admira, pois, que o Papa Francisco tenha facilitado a sua canonização…

(18-5-2016)

 

 

quarta-feira, maio 11, 2016

SALVA. MATER MISERICORDIAE


 

 Fez, no passado dia 9, quatro anos, que o Coro Gregoriano do Porto rezou este cântico, na Praça de S. Pedro em Roma, na Audiência Geral de Bento XXVI.
Ao cantar este motete, não poderia sonhar que, em breve, um outro Papa iria decretar o Jubileu da Misericórdia e fazer deste cântico o tema da sua homilia, no dia 1 de janeiro -“Dia da Paz”- na abertura da Porta Santa da Basílica de Santa Maria Maior:
 “Salve, Mater Misericordiae. É com esta saudação que queremos dirigir-nos à Virgem Maria. «Salva Mãe de misericórdia, Mãe de Deus e Mãe do perdão, Mãe da esperança e Mãe da graça, Mãe cheia de santa alegria». Nestas poucas palavras, está sintetizada a fé de gerações de pessoas, que, mantendo os olhos fixos no ícone da Virgem, pedem a sua intercessão e consolação”.
 

Como ressonância da passagem da “Virgem Peregrina” pela nossa diocese, respigo alguns pensamentos dessa homilia do Papa Francisco:

Maria é Mãe de Deus, é Mãe de Deus que perdoa, que dá o perdão, e, por, isso, podemos dizer que é Mãe do perdão. Esta palavra - «perdão» -, tão mal entendida pela mentalidade mundana, indica precisamente o fruto próprio e original da fé cristã. Quem não sabe perdoar, ainda não conheceu a plenitude do amor. E só quem ama de verdade é capaz de chegar até ao perdão, esquecendo a ofensa recebida. Ao pé da cruz, Maria vê o seu Filho que Se oferece totalmente a Si mesmo e, assim, dá testemunho do que significa amar como Deus ama. Naquele momento, ouve Jesus pronunciar palavras nascidas provavelmente do que Ela mesma Lhe ensinara desde criança: «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc,23,34). Naquele momento, Maria tornou-Se, para todos nós, Mãe do perdão. A Mãe do perdão ensina à Igreja que o perdão oferecido no Gólgota não conhece limites. O perdão da Igreja deve ter a mesma extensão que o de Jesus na Cruz, e de Maria ao seu pé. Não há alternativa”.

E o Papa Francisco continua: “ Mãe da esperança e Mãe da graça, Mãe cheia de santa alegria. A esperança, a graça e a santa alegria são irmãs: todas são dom de Cristo; melhor, são nomes d’Ele, inscritos, por assim dizer, na sua carne. A prenda que Maria nos dá, ao oferecer-nos Jesus Cristo, é o perdão que renova a vida, permitindo-lhe voltar a cumprir a vontade de Deus e enchendo-a de verdadeira felicidade. Esta graça abre o coração, para olhar o futuro com a alegria de quem espera. A força do perdão é o verdadeiro antídoto para a tristeza provocada pelo rancor e a vingança. O perdão abre à alegria e à serenidade, porque liberta a alma dos pensamentos mortíferos quando o rancor e a vingança se insinuam na mente e dilaceram o coração tirando-lhe o descanso e a paz. Coisas detestáveis são o rancor e a vingança!”

E conclui: “Com amor de filhos, aclamemo-La: Santa Mãe de Deus!”

(11-5-2016)

quarta-feira, maio 04, 2016

UMA FONTE PARA DOIS RIOS




O Boletim D. António Barroso, no seu último número, lembrou as palavras que D. António Barroso apresentou no primeiro encontro da “Associação dos Médicos Católicos”. A revista Vida Católica publicou-o, em 1915, com a seguinte justificação: “Notabilíssimo discurso proferido por DOM ANTÓNIO BARROSO, Bispo do Porto, na inauguração do I Congresso dos Médicos Católicos. A atualidade candente do assunto, a forma conceituosamente elevada como o benemérito Prelado versa tão melindroso problema, numa síntese extremamente luminosa, são, por de sobejo, motivo a acreditarmos que fazemos obra grata aos nossos leitores, encastoando na Vida Católica a joia literária que é a brilhante oração de S. Ex.ª Rev.ma”.

Nesse discurso, D. António começa por afirmar: “É com o mais vivo júbilo que saúdo os ilustres e dedicados médicos, hoje aqui reunidos em Congresso, em nome dos salutares princípios católicos. O médico é um admirável benfeitor da humanidade, e no exercício da sua nobre e difícil profissão, encontra-se não raro ao lado do padre, chamado pela voz imperiosa do dever à cabeceira do enfermo, para aureolar a alma com a luz bendita da graça e lhe incutir coragem e resignação nas aperturas do sofrimento.”

De seguida, descreve, com fino recorte literário, várias das manifestações que mostram o valor e a beleza da vida: “Estremece na fibra da erva e no roble das florestas; palpita no inseto que rasteja no prado e na águia que corta triunfantemente os ares; no peixe que cruza o oceano e na fera que ruge nos bosques; tem ostentações de força no leão e fulgurações surpreendentes no homem.”

E interroga: “Donde vem, pois, a vida, tão admirável no seu movimento íntimo e em todos os seus fenómenos?”

Para responder, começa por enunciar a resposta dos “adversários da crença tradicional” para quem a vida é produto “das forças físicas e químicas”. Em contraponto, recorre às experiências de Pasteur e à afirmação de Virchow no Congresso de Munique dos naturistas alemães, em 1877: “A geração espontânea... não está provada de modo algum... Duvidamos que ela possa ser aceite como patenteando a origem da vida”. E conclui que “para explicar satisfatoriamente a vida é preciso recorrer a Deus”. Em jeito de síntese, afirma: “Razão e Fé são dois raios que partem do mesmo foco, dois rios que correm da mesma fonte; esse foco, essa fonte é Deus, Deus scientiarum Dominus est”

E termina: “É em nome de Deus – Senhor de toda a luz e centro de toda a verdade – que eu declaro aberto este prestigioso congresso dos médicos católicos do meu país”.

A “Associação dos Médicos Católicos” honra-se do seu ilustre patrono. Nós também e, no “Dia da Voz Portucalense”, na igreja de Santo Ildefonso, vamos rezar pela declaração oficial da sua santidade.


(4-5-2016)