O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, setembro 26, 2018

SAUDADE - CAMINHO DO CORÇÃO PARA DEUS



Este título, com ressonâncias do “Itinerarium Mentis in Deum” de S. Boaventura, foi enviado por Torres Queiruga ao VI Colóquio Luso-Galaico (cf. VP, 30/5/2018). Nele, assume a “ideia geral da Saudade, feita simultaneamente de presença e ausência, lembrança ao mesmo tempo triste e alegre, seja como recordação, antecipação ou presença não reconhecida”

Nesta ascensão para Deus, o filósofo-teólogo demora-se em quatro patamares de contemplação:

1º- Em «Os salmos ou a saudade de Deus, fonte e meta das saudades humanas», diz: “Descoberto Deus como origem absoluta, abre-se um horizonte sem limites e um caminho difícil e acidentado, porém apoiado numa fidelidade que não falha. Toda a ausência concreta está alimentada pela promessa da plenitude inscrita no coração da criatura. Toda a saudade humana leva a marca indelével da saudade de Deus”. Reflete sobre os salmos 41/42, 2-3; 136/137, 5-6; e muito especialmente 136/137 – «Os rios de babilónia».

2º- Prossegue com «Santo Agostinho ou o esforço da reflexão no assombro do sentimento”. Analisa a afirmação agostiniana «Senhor, fizeste-nos para ti e nosso coração está saudoso enquento não descansar em ti», para concluir: “A intuição do génio logrou sintetizar numa breve frase, a essência mesma da dinâmica da saudade. Tanto a origem insondável como a meta ansiada recebem nome expresso e reconhecido”.


3º- Em «São João da Cruz ou a ausência na presença», afirma que, nele, “toda a realidade se faz transparência da presença amada. Porém não se anula a ausência, senão que aumenta a saudade clamando pela incompletude da presença”. E acrescenta: “A tensão resolve-se pela força da presença que, após a passagem pela «noite escura», nimba de gozosa esperança toda a sua poesia”.

4º- E termina com «Rosalía de Castro ou a presença na ausência». Esclarece que, nela, os muitos rostos da saudade culminam na Saudade com maiúscula – o encontro com a totalidade do ser e com o sentido último da existência. Embrenha-se na análise do poema “Campanas de Bastabales” de que traduzo os últimos versos - “Vem a noite..., morre o día. / Os sinos tocam longe / O toque da Ave María. / Eles tocam pra que reze / Eu não rezo, que os suspiros / Afogando-me parece /Que por mim têm que rezar.”

 E apresenta um paralelismo: “Suas palavras evocam quase à letra S. Paulo aos Romanos, o cerne inefável da esperança cristã: «Do mesmo modo, o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém. (8,26)». Para concluir: “Pelo milagre maravilhoso e inesgotável da comunhão humana, dois génios unem-se para levantar a ponta do mistério que somos e nos habita. E nós mergulhamos no mistério do homem e na profundidade de Deus”.

Como é bom que os teólogos sejam mestres em filosofia e ouçam o coração…
(26/9/2018)

quarta-feira, setembro 19, 2018

SUBSÍDIOS PARA OS DIAS DE HOJE


 

Ao iniciar-se um novo ano letivo, faço-me eco de alguns desafios que Clóvis de Barros Filho, professor de Ética na Universidade de S. Paulo - «o filósofo da felicidade» - nos deixou aquando da sua passagem pelo Porto em março passado. Depois duma conferência no dia 14, o Jornal de Notícias publicou, no dia 19, uma entrevista de que, com vénia, respiguei algumas das ideias que suscitaram a minha reflexão.

Face à pergunta “Os limites do corpo são mais fáceis de superar que os da mente?”, responde: “Vivemos numa época em que a sobrevalorização da estética se tornou escravizante. É urgente introduzir um pouco mais de inteligência, de subtileza, de delicadeza”. E acrescenta: “Os meios de comunicação, turbinados pelas redes sociais, consagram modelos tirânicos que inviabilizam a felicidade daqueles que buscam uma aproximação que nunca conseguirão”.

- “Estamos escravos de estereótipos?” Eis a resposta: -“É difícil não estar. Para onde quer que olhemos, encontramos um aviso de como deveríamos ser para sermos belos”.

- Sobre o papel das escolas, comenta “A escola é um espaço de preparação. Mas hoje ela encara a vida vindoura como sendo o momento de maior valor. Os professores vendem a vida que é, por uma vida que não é ainda, ou que talvez não seja nunca. Perdem a oportunidade de mostrar aos alunos que a escola é um espaço de livre pensamento e que nunca mais será possível fora dali. É a instrumentalização da educação.” E profetiza, com mágoa: ”Teremos uma sociedade acrítica porque os alunos foram impedidos de aprender a refletir criticamente”.

- “A perda de importância da religião na sociedade influi no desinteresse crescente pelo bem comum?” A sua resposta surge sem hesitações: -”Não tenho dúvidas”. E logo continua: “Mas a família também se acobardou na educação dos filhos. Quer apenas compensá-los da ausência dos pais a qualquer preço. Educação implica, muitas vezes, dor, mão firme, autoridade legítima. Implica um redirecionamento das energias vitais que espontaneamente os filhos não têm”. E conclui: “A escola, por sua vez, tornou-se um espaço de clientes. Onde existe relação de clientela não há educação”.

- “É por essa ausência de hierarquia que muitos pais se sentem muitas vezes impotentes para ensinar os filhos a serem felizes?”A resposta é clara: ”Muitas vezes, essa sensação de impotência abriga o comodismo, a preguiça. Ou mesmo a cobardia. A educação foi terceirizada pelas demandas cada vez maiores do mundo profissional. Sem educação, vamos ter gerações inteiras ao sabor dos apetites. A civilização é um espaço de reorganização das pulsões” E termina questionando: “ Se isso não é ensinado, por que razão esperar que alguém saiba lidar com os seus anseios ou as suas expectativas, em nome de valores e do bem-estar do outro?”

Tecnologias sim, mas ao serviço duma inteligência reflexiva, crítica e dialogante…

(19/9/2018)

 

quinta-feira, setembro 13, 2018

GESTOS EXEMPLARES



Correspondendo ao pedido que D. António Marto nos fez, no passado dia 2 em Fátima, manifesto a minha “profunda comunhão” com o Santo Padre que está ser vítima de um “ataque ignóbil e organizado” que procura “pôr em causa a sua credibilidade e criar uma divisão na Igreja” (JN, 3/9/2018). E faço-o, fazendo-me eco do artigo “Mulheres no Santo Ofício” (JN, 23/4/2018).

O seu autor, P. Fernando Calado, começa por afirmar que “o Papa Francisco deu mais um sinal claro da sua determinação em dar mais relevo às mulheres no interior da Igreja Católica”. E fundamenta: “No sábado passado, pela primeira vez, foram nomeadas três peritas como consultoras da Congregação da Doutrina da Fé”. Cargo que sempre esteve reservado a clérigos. “A partir de agora o conjunto dos consultores daquela Congregação – que já se chamou do Santo Ofício – passa a ser maioritariamente feminino”. É formado por dois clérigos e três leigas que são: Linda Ghisoni especialista em Direito Canónico, Michelina Tenace, professora de teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e Laetitia Calmeyn, professora de teologia no Collège des Bernardins, em Paris.

Esta inusitada nomeação é “mais um exemplo que demonstra a preocupação de Francisco em promover os leigos e em dignificar a mulher na Igreja”. E está em consonância com o documento final da reunião plenária, realizada em Roma entre 6 e 9 de março, da Pontifícia Comissão para a América Latina a quem o Papa pediu que refletisse sobre “A mulher, pilar da edificação da Igreja e da sociedade na América Latina”. Esse texto-síntese denuncia que, na América Latina, continuam a existir “ clérigos machistas, mandões, que pretendem usar as mulheres apenas como escravas dentro da sua paróquia, e como clientela submissa ao culto e mão-de-obra barata para tudo o que se necessite”. Quantas trabalham apenas motivadas e recompensadas pela sua consciência de bem servir.

 O documento recomenda a integração “das mulheres nas estruturas pastorais das comunidades paroquiais, diocesanas, ao nível das Conferências Episcopais e na Cúria de Roma”. Mas é necessária, diz, “mudança de mentalidades e um processo de transformação” para que a Igreja se veja “livre de preconceitos, dos estereótipos e das discriminações sofridas pela mulher”.

E o P. Calado comenta: “ O Papa, não só concorda com essa dignificação da mulher no seio da Igreja, como a está a promover ao escolhê-las para ocupar cargos que, até agora, eram reservados aos clérigos”. Então, poder-se-á perguntar: por que não avança para a ordenação de mulheres? “Há ainda demasiadas resistências ao sacerdócio feminino numa instituição que, durante dois milénios, foi completamente dominada por homens”. Mas o caminho do Papa “no futuro, facilitará uma maior abertura à sua ordenação”.

Deixo-vos com a pergunta de Frei Bento Domingues: “Em nome de quê, ou de quem, não podem as mulheres ser ordenadas?” (JN, 2/9/2018)

(12/9/2018)

 

quinta-feira, setembro 06, 2018

FAZ, HOJE, CEM ANOS



 “A Voz Portucalense tem procurado a proximidade com D. António Barroso, no sentido de manter vivo o interesse e intensificada a oração em prol da sua beatificação”, afirmou D. António Francisco na Sé do Porto. Com efeito…

Em 2011, D. Manuel Clemente, com a presença de D. Jorge Ortiga, presidiu à Romagem que a VP realizou a Remelhe para assinalar o centenário das primeiras ordenações sacerdotais na “Catedral do Exílio”, como lembra a lápide que, na romagem de 2012, D. Pio Alves descerrou nessa capela: “No ano de 1911, D. António Barroso, exilado da sede episcopal, ordenou nesta capela de S. Tiago 23 sacerdotes da sua diocese do Porto. No dia 4 de Setembro de 2011, recordando os 100 anos do acontecimento, a Fundação Voz Portucalense, com a participação do Bispo D. Manuel Clemente, fez memória desse gesto profético, com um Te Deum e uma evocação neste local pelo Padre José Adílio de Macedo”.

Nesse mesmo ano, no dia de São Francisco de Sales, D. Carlos Azevedo proferiu a conferência «D. António Barroso e a Primeira República». Outras se lhe seguiram: «A Santidade da Igreja: três processos de beatificação», por Monsenhor Ângelo Alves; «A ação missionária de D. António Barroso», pelo Dr. Amadeu Araújo; “De S. Francisco de Sales a D. António Barroso”, pelo P. José Adílio de Macedo. Em 2017, com a presença de D. António Augusto, organizou uma romagem ao monumento de D. António Barroso, com visita à “Associação de Protecção à Infância”.

Nos últimos anos, o jornal diocesano publicou mais de 40 títulos sobre D. António Barroso, designadamente: «O Senhor Bispo era um santo», «O Colégio Português em Roma e D. António Barroso, «Passos de um calvário», «O Arquivo do Vaticano e D. António Barroso», «O Bispo dos pobres», «Sacerdotes do exílio», «Missionário dos três continentes», «Aqui há santidade», «Uma fonte para dois rios», «Quem conhece este monumento?», «Memória viva de D. António Barroso-API», «Santuário do Monte da Virgem». Em 2012, com a coordenação de Amadeu Gomes de Araújo e Prefácio de D. Manuel Clemente, editou o livro «D. António Barroso – Memórias de um Bispo Missionário».

No “Dia da Voz Portucalense”, sempre rezámos «Por D. António Barroso para que se realizem as condições humanas e eclesiais que possibilitem a proclamação oficial da sua santidade».

Não foi por acaso que, nos primeiros cinco, na Sé, os senhores bispo presidiram com o báculo e a mitra de D. António Barroso. O sexto decorreu em Santo Ildefonso, “a igreja onde se deu início à sua entrada solene na diocese” em 1899. E a última, em 2017, aconteceu no Monte da Virgem“ onde D. António Barroso tanto gostava de rezar e meditar”.

“Para memória…”…no dia em que faz 100 anos que o corpo de D. António Barroso foi sepultado em Remelhe, sua terra natal (5/9/1918).

(5/9/2018)