O Tanoeiro da Ribeira

quarta-feira, setembro 25, 2019

MAS QUE HÁ COINCIDÊNCIAS, HÁ...


Primeira – No dia oito de setembro, quando me preparava para ir à missa da festa da Senhora de Campanhã, li, no «facebook», um texto do dia anterior - “Amanhã, Dia da Natividade de Nossa Senhora, - O Seu Aniversário “ - que transcrevia uma parte do “Sermão do Nascimento da Mãe de Deus”, do P. António Vieira:
"Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria? “
“Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina, dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz, os discordes para Senhora da Paz, os desencaminhados para Senhora da Guia, os cativos para Senhora do Livramento, os cercados para Senhora do Socorro, os quase vencidos para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho, os navegantes para Senhora da Boa Viagem, os temerosos da sua fortuna para Senhora do Bom Sucesso, os desconfiados da vida para Senhora da Boa Morte, os pecadores todos para Senhora da Graça, e todos os seus devotos para Senhora da Glória. E se todas estas vozes se uniram em uma só voz, todas estas perguntas em uma só pergunta, e todas estas respostas em uma só resposta, ou, mais abreviadamente, todos estes nomes em um só nome, dirão que nasce Maria para ser Maria, e para ser Mãe de Jesus

Segunda - Quem encaminhou o texto foi o P. Justino Lopes. Em 1971, no Colóquio Europeu de Paróquias, em Estrasburgo, conheci dois presbíteros da diocese de Lamego: o cónego Rafael, depois bispo de Bragança, e o, então, pároco de Nespereira, Cinfães que nunca mais encontrei. Quando - 46 anos depois (8/6/2017) - visitei, com o grupo «Boa Memória», a matriz de Vila Nova de Paiva foi nosso guia o seu pároco. No final, cheguei à conclusão que ele era o pároco de Nespereira que estivera comigo em Estrasburgo. Ficámos felizes!

Terceira – Disse-me que era leitor da Voz Portucalense desde o tempo em que tal era tido por subversivo, em Lamego. E é seu assinante de longa data. Lia o meu nome mas não imaginava de quem se tratava.

Quarta – Falámos longamente sobre D. António Francisco, seu colega no seminário, que ambos admirávamos. No final, pediu-me para lhe apresentar cumprimentos.

Quinta – Só pude satisfazer este seu pedido, na festa da Senhora de Campanhã (8/9/2017) a que D. António presidiu. Feliz e com luz nos olhos, lembrou esses seus tempos de menino. Ficou-me na alma a ternura daquele sorriso saudoso. Recordei-o e, por ele, dei graças a Deus.

Que a “Senhora-de-Todos- os- Nomes” o acolha na Glória.

E as coincidências não serão pseudónimos de Deus-Providência? (25/9/2019)

 

 

quarta-feira, setembro 18, 2019

O AVIVAR DE VELHAS AMIZADES


Quando jovens, conviveram em múltiplas atividades numa paróquia do Porto. A vida dispersou-os. Após várias décadas, resolveram criar o grupo “EVA- Encontro Velhos Amigos”. E, no dia 6 de julho, foram cerca de 30 os que se juntaram na Praça da Liberdade para uma visita à “Baixa do Porto”.

Começaram por saber que a terra que pisavam pertencera às “hortas do bispo”. Em 1682, passou a chamar-se “Praça da Natividade” em honra duma capela com essa invocação. Depois, foi “Campo da Hortas”. Em 1711, recebeu o nome de “Praça Nova das Hortas”. Com a revolta liberal em 24 de Agosto de 1820, passou a “Praça da Constituição” e, em 1833, a “Praça de D. Pedro IV” em homenagem ao “Rei-Soldado” que, com o “Exército Libertador”, entrou na Cidade, em 9 de julho de 1832. Com a implantação da República, em 1910, começou por ser “Praça da República” para, logo em 27 de outubro, receber o nome atual. E porquê? A resposta é-nos dada por duas placas que, em 1914, a Câmara do Porto mandou colocar na base da estátua D. Pedro, em honra dos “Mártires da Liberdade” com os nomes dos doze liberais que, em 1829, foram enforcados nessa praça, por ordem de D. Miguel. Para os portuenses, esta é, por antonomásia, a sua «Praça».

Na estátua equestre, inaugurada em 1866, mereceu especial atenção a mão direita de D. Pedro com a “Carta Constitucional” que outorgou à Nação (1826), em substituição da Constituição de 1822, que, para além do Poder Executivo, atribuía ao Rei o 4º Poder, “Poder Moderador”.

Na “Porta dos Carros”, falou-se sobre a Muralha Fernandina, construída no século XIV e derrubada ao longo dos séculos XVIII e XIX. Aí, observaram a estação de S. Bento, obra do arquiteto Marques da Silva, edificada no local onde D. Manuel mandara, em 1518, construir o Mosteiro de São Bento da Ave Maria para, nele, congregar as monjas dos mosteiros de Rio Tinto, Tuías, Tarouquela e Macieira de Sarnes.

Encaminharam-se, de seguida, para a rua das Flores aberta no reinado de D. Manuel (1521). No cruzamento com a antiga rua do Souto que, outrora, ligava a “Cruz do Souto” à Porta do Olival, viram as ruínas do hospital D. Lopo que, no século XVI, substituíra o Rocamador criado nos tempos de D. Sancho I. À esquerda, pararam na “Rua Afonso Martins Alho”, o mercador portuense que, em 1353, celebrou, em nome de D. Afonso IV, o primeiro “acordo comercial com Inglaterra”. E fê-lo com tal astúcia que passou à história como símbolo de esperteza e sagacidade. Assim nasceu o dito: ”Fino como um alho” ou melhor: “Fino que nem o Alho”.

Depois de trocarem abraços e endereços no Largo de S. Domingos, o encontro terminou, na antiga “Araújo e Sobrinho”, junto da imagem de Santa Catarina de Alexandria que deu nome à rua de Santa Catarina das Flores, atual rua das Flores.

Como foi bom percorrer, com “velhos amigos”, estes caminhos da História…

(18/9/2019)

 

 

 

quinta-feira, setembro 12, 2019

EM CONTRAPONTO...



Alguma comunicação social parece que se compraz em denegrir determinados “bairros camarários”, explorando até á exaustão o mal e silenciando o bem que neles se faz. Em contraponto, quero prestar homenagem a um desses bairros, o Cerco do Porto, onde mora muito boa gente, e faço-o a propósito do 53º aniversário do seu clube de pesca.

Quando em 1964, a Obra Diocesana aí iniciou o seu trabalho comunitário, logo um grupo de moradores mostrou interesse em criar um clube que agregasse os apaixonados pela pesca desportiva. A Obra intercedeu junto do Dr. Nuno Pinheiro Torres, presidente da Câmara, que lhes cedeu a cave no bloco 2 onde, ainda hoje, funciona a sua sede. Gerido desde a sua criação por gente do bairro, goza de plena autonomia, sem exclusivismos nem discriminações.

Ao longo de mais de meio século, como disse o seu presidente na festa do último aniversário, “o Clube ocupou a sua atividade entre o trabalho dentro de portas e o praticado fora, na pesca. Promovemos vários colóquios sobre pesca de competição; participámos em centenas de provas federadas a nível regional e nacional, organizámos provas de carácter nacional, cada uma delas com centenas de pescadores; um pescador do clube representou a Cidade do Porto numa prova internacional”.

Para além destes êxitos desportivos, o Clube é uma força integradora dos seus moradores, de acordo com a matriz inclusiva que esteve na sua origem. O seu mais novo associado é um jovem de etnia cigana que, quando vivia no bairro de S. João de Deus, colaborou com o centro social: dá gosto ouvi-lo falar da sua paixão pela leitura e é comovente o carinho que dedica à esposa e suas duas filhas.

Mas o que mais me encanta neste clube é a simpatia exemplar da sua gratidão.

A data oficial da criação do Clube, 15 de agosto (1966), foi assumida em memória do dia da primeira missa celebrada no bairro por D. Florentino em 1964. Um dos seus pescadores que, segundo a vizinhança “quando via um padre mudava de passeio”, fez e ofereceu o sacrário para a capela do bairro em 1966.”Não frequentava a igreja mas era assíduo no clube de pesca. Sagradas são as pessoas e não os locais. São elas que fazem a Igreja e não as pedras. A Igreja é o povo de Deus que, pelos caminhos dos homens, peregrina para o Pai.”( No Princípio foi assim…)

Nomearam sócio - honorário do clube o responsável da então “Obra dos Bairros”. No 20º aniversário (1986), presidiu à cerimónia de entrega de prémios do “II Grande Concurso Nacional de Pesca Desportiva de Rio”. Sempre o convidam para a festa de aniversário e, ainda este ano, lhe ofereceram uma salva que dizia: “Pelo muito que fez desde 1966 até hoje pelo clube, a nossa perene gratidão”. E tudo isto só porque foi o rosto da Obra que patrocinou a sua criação. Muito pouco para tanta gentileza.

Gente de bem que cultiva a memória e sabe agradecer…(11/9/2019)

PASTOR VIGILANTE E BONDOSO



Faz hoje 101 anos que, na Sé do Porto, se realizaram as exéquias de D. António Barroso (4/9/1918).

Em 17 de maio passado, foi apresentado o livro «António Barroso e o Vaticano», escrito por D. Carlos Azevedo, que abre assim: “Em figuras cristãs de rara lucidez unem-se exemplar determinação e simplicidade evangélica, transparecem unidas a coragem e a fidelidade ao ideal. Não podem, por isso, negligenciar-se esforços para conhecer os detalhes das suas vidas, o itinerário das suas lutas, a clareza do seu pensamento”.

São 400 cartas que nos fazem mergulhar na intimidade dum bispo “que não arrasta problemas, antes os enfrenta, não exige o impossível, mas desafia a uma revolução permanente”.

Destas, destacar, em primeiro lugar, a que D. António, sete dias após a implantação da República, escreveu (12/10/1910) a Afonso Costa. É uma carta oportuna e corajosa, notável pelo que revela do seu pensamento e da sua personalidade.

 “ Permita V. E. que, com vista nos altos interesses morais que me estão confiados, e que tanto importam ao Estado português, eu venha pedir a V. E. que as medidas, que se diz o Governo Provisório da República Portuguesa tenciona tomar, com respeito a assuntos eclesiásticos, não sejam decretados antes da reunião da Assembleia constituinte, mas sim sejam a ela presentes. Como cidadão português, ouso esperar que o Governo do meu país, nas medidas que sobre tais assuntos houver de tomar ou propor, se inspirará nos elevados princípio e sentimentos de liberdade, de justiça e de equidade, que podem concorrer para a ordem pública e para a tranquilidade e bem de todos, o que certamente constitui a aspiração do Governo.”

D. António não contesta a República, mas, apoiado nos valores de “liberdade, justiça e equidade” e no bem comum - fim último do Estado - pede que seja observada a separação dos poderes que, desde Montesquieu, carateriza os regimes democráticos. Por isso, solicita que o Governo respeite o poder legislativo da Assembleia Constituinte. Em síntese: não apela à Religião mas à Ética e pede Democracia.

Em homenagem às gentes de Vila Real, no primeiro centenário da sua diocese (20/4/1922) e ao seu novo Pastor, D. António Augusto, realço uma segunda carta (28/4/1917). Consultado pelo Núncio Apostólicos obre a criação dessa diocese, D. António começa por afirmar perentório: “Aprovei e aprovo a ideia de criação de uma nova diocese, com sede em Vila Real, ponto importante e centro de comércio e transações, que domina uma larga zona”. Quanto aos recursos materiais para a sua sustentação, diz: “ O povo de Trás-os-Montes é brioso e generoso por índole natural e essas qualidades de raça são das que perduram e com as quais se deve contar. Estão hoje pobres? (…) Os pobres são mais pressurosos em concorrer para a Igreja com o seu óbolo, do que os ricos.”

 D. António revela-se e revive nas suas cartas.(4/9/2019)