O Tanoeiro da Ribeira

segunda-feira, janeiro 19, 2009

D. António Taipa e a Obra Diocesana de Promoção Social

Ceia de Reis” e D. António Taipa

A “Ceia de Reis” da Obra Diocesana, no dia 10 de Janeiro, foi pontilhada por momentos de intensa vivência fraterna, desde a ternura dos momentos musicais até ao carinho das palavras de D. Manuel Clemente, passando pelos espaços de gratidão e reconhecimento. Porém, esta fraternidade atingiu o seu auge quando, por convite do Presidente do Conselho de Administração, todos os convivas, de pé, fizeram um minuto de oração silenciosa, irmanando-se no sofrimento do nosso Bispo Auxiliar, D. António Taipa, que, a essa hora, rezava na igreja de Freamunde, junto ao féretro da mãe, falecida nesse dia. O que talvez poucos soubessem é que esse gesto era também um acto de gratidão a quem, desde o início, identificou com a Obra Diocesana. Eu conto.
O primeiro trabalho de campo da “Obra dos Bairros”, com início na Páscoa de 1964, teve lugar no Bairro do Cerco do Porto.
De entre as muitas equipas de trabalho que nasceram nas reuniões efectuadas com os chefes de família do bairro, apenas uma era de cariz iminentemente religioso: a Comissão da “Missa e Catequese”. Enquanto as comissões de carácter social (“Centro de Convívio”, “Salas de Estudo”, “Posto de Enfermagem”, “Fundo de Auxílio Mútuo”, “Marco de Correio e Telefone”, “Mercado”, “Higiene e Limpeza”, “Transportes”) eram apoiadas pela assistente social Maria Augusta Negreiros, a “Missa e Catequese” dependia directamente do Pe. João, sacerdote responsável pela Obra. Esta Comissão, liderada pelos senhores Alexandre e Guilherme e apoiada por José Moura, dos Cursos de Cristandade, preparou a celebração da Missa Campal, no largo fronteiro ao bloco 19, no dia 15 de Agosto de 1964, que foi presidida por D. Florentino de Andrade e Silva, o fundador da Obra, com a presença do Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Nuno Pinheiro Torres, que, com o seu apoio pessoal e institucional, desempenhou um papel decisivo na criação da Obra Diocesana de Promoção Social.
A partir dessa data, nunca mais deixou de haver missa dominical no bairro. Como não havia local de culto, passou a ser celebrada no átrio da escola primária, cedida ao domingo para esse efeito, pelo Director Escolar do Porto.
Era reconfortante para um jovem sacerdote ver como, todos os domingos, os cristãos se afadigavam em montar e desmontar altar, em dispor e guardar as alfaias litúrgicas, em preparar acólitos, leitores e cantores, em arrumar e limpar todo o espaço de modo que, na segunda-feira, tudo estivesse limpo e asseado para as crianças. E isto aconteceu ao longo de mais de dois anos.

António Taipa e o Bairro do Cerco do Porto

A partir de Novembro desse ano, um aluno do Seminário Maior do Porto, ofereceu-se para colaborar com o sacerdote da Obra nas manhãs de domingo. Para além de participar na preparação e dinamização da Missa, no final, dava um curso de formação religiosa a jovens e adultos. Esse aluno brilhante, do melhor que o Seminário possuía, que todos os domingos se deslocava ao bairro, pondo o saber e entusiasmo apostólico ao serviço da Obra, chamava-se António Maria Bessa Taipa. De tal modo foi acolhido que, quando foi ordenado diácono, aquele núcleo de cristãos, a semente da futura paróquia de Nossa Senhora do Calvário, encheu a Sé Catedral, festejando a sua ordenação como se de um vizinho se tratasse. Na Missa do domingo seguinte, todos os comungantes quiseram ter o privilégio de receber Cristo das suas mãos jovens que tremiam de emoção. Foi uma festa!...
Esta comunhão de sentimentos foi ainda mais longe. Quando, no dia 15 de Agosto de 1966, foi ordenado Presbítero, a Comunidade do Cerco apresentou-se em peso na Sé para participar na ordenação sacerdotal de alguém a quem queria como pessoa da família. Num gesto de amizade e gratidão, o novo sacerdote convidou vários jovens para partilharem do almoço da sua “Missa Nova”, pedindo desculpa por não poder convidar toda a gente…Mais ainda, como sinal da sua estima pela Obra Diocesana, escolheu para pregar nessa “Primeira Missa”, em Freamunde, não um pregador afamado, mas sim o jovem sacerdote responsável pela Obra Diocesana com quem trabalhara no bairro do Cerco do Porto.
Em síntese, atrevo-me a dizer que a escola/capela do bairro do Cerco, o primeiro local de cultura e de culto da “Obra dos Bairros”, terá sido a primeira “cátedra” onde o futuro Professor Catedrático deu as suas primeiras lições de Teologia, assim como a primeira “catedral” onde o futuro Bispo, pela primeira vez, proclamou a Palavra e distribuiu a Sagrada Comunhão.

terça-feira, janeiro 06, 2009

A MARCHA DO TEMPO

2008 já é passado. Perante esta marcha inexorável, uma pergunta aflora ao pensamento: o que é o tempo? Sem me demorar noutras considerações, contento-me em dizer, como Santo Agostinho, se não me perguntam, eu sei; se me perguntam, já não sei.
Mais importante que chorar o tempo que passou, é importante viver o tempo que passa porque, como diz Vergílio Ferreira, “o tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que já passou”. Sim, o que importa não é o tempo que passa mas o que se passa em nós enquanto o tempo passa. E, inerente à passagem do tempo, está o nosso próprio envelhecimento que temos de humanizar.
Esta minha reflexão nasceu no dia 27 de Dezembro quando participava nas “Bodas de Ouro Matrimoniais” da Maria Augusta e do Dr. Guilherme, em Cabeceiras de Basto, cuja Eucaristia foi animada pelo Coro Gregoriano do Porto. O Dr. Guilherme, na lucidez dos seus 82 anos, dizia que, para não se envelhecer, é preciso tomar três pastilhas: a primeira consiste em manter o cérebro activo, e por isso, ele, ainda há bem pouco tempo, se fizera assinante da Voz Portucalense, jornal que lê todas as semanas; a segunda é não se deixar cair no esquecimento e, por isso, a celebração das suas Bodas para reavivar a memória e congregar familiares e amigos; a terceira é ter sempre algo de novo a fazer na vida e, por isso, vai inscrever-se numa Universidade Sénior para aprender a navegar na Internet.

O cérebro precisa de se manter activo

Quanto menos se anda, mais custa a andar. Os músculos “enferrujam”. É o que acontece com o cérebro: quanto menos for usado, mais dificuldades temos em pensar. É preciso cultivar o espírito. E, como dizia minha mãe, para saber é preciso passear ou ler. Quando se passeia, admiram-se novas paisagens, contemplam-se monumentos, contacta-se com outras pessoas e tudo isso contribui para enriquecer o espírito. Também a leitura desempenha um papel fundamental para se manter o espírito activo. E, actualmente, estão a ser publicados alguns bons livros. Ter um livro sempre à mão é um precioso auxiliar para não se deixar envelhecer ou, melhor, para um envelhecer sadio. E porque não, também socorrermo-nos da Internet? Ela põe-nos em contacto com tudo o que se passa no mundo. É um valioso meio de informação e formação. A televisão também poderá desempenhar um papel importante.
É, pois, com agrado que vejo muitas autarquias preocupadas em organizar passeios para os idosos e assisto ao nascer de muitas Universidades Seniores.

Não se deixar cair no esquecimento

Como diz o povo, ”longe da vista, longe do coração”. Este é o perigo que corremos quando nos reformamos. Deixamos de aparecer no local onde estão os colegas com quem convivêramos ao longo dos anos. E, como não aparecemos, vamos sendo esquecidos pelos antigos e deixamos de conhecer os novos. Quando, mais tarde, regressamos ao nosso antigo posto de trabalho, sentimo-nos a mais num lugar que tínhamos como nosso. Desanimados, fechamo-nos em casa, iniciando o calvário de uma progressiva solidão. Razão teve aquele professor que resolveu criar o “Grupo da Boa Memória” para congregar os colegas reformados. Nas suas iniciativas, o convívio e a cultura caminham de mãos dadas, ajudando os participantes a manterem velhas amizades e a sentirem-se úteis a si próprios e aos outros.
Se, como diz um provérbio árabe, “sempre que morre um velho é uma biblioteca de livros únicos que desaparece”, há que aproveitar a sua sabedoria enquanto estão entre nós. São a memória que mantém viva as nossas tradições, os nossos valores e nos ajuda a preservar o nosso património cultural. São a permanência num mundo em mudança acelerada. São fonte de serenidade, de equilíbrio. de bom senso.

Ter sempre algo de novo a realizar

Os anos não se contam; os anos vivem-se. Mais que acrescentar anos à vida, importa acrescentar vida aos anos. Mais importantes que os anos já vividos são os anos que temos para viver. E, como ninguém sabe quantos serão, ficamos todos no mesmo plano, não há novos e velhos. Face ao desconhecido, não há patamares. Os cristãos, por maioria de razão, devem viver o presente na perspectiva do futuro porque sabem que não nasceram para morrer, mas para viver para sempre. E é no presente que a eternidade se vai construindo. A fome de viver deve projectar-nos para o futuro próximo cuja duração desconhecemos e para o grande Futuro que acreditamos ser eterno.
Nunca gostei de rotular pessoas porque o rótulo é sempre redutor. Servem para arquivar objectos em prateleiras. Mas nós não somos objectos nem nos deixamos arrumar em prateleiras por mais arejadas que elas sejam. Portanto, temos de mostrar que estamos vivos. Tudo o que é vivo está sujeito à mudança. Só os fósseis não mudam. Não nos deixemos fossilizar!... Mortos-vivos, não. Aceitemos a nossa animalidade com as suas fragilidades, mas exaltemos a nossa humanidade. Que os outros nos coloquem à margem, é muito mau; mas pior, muito pior, é quando somos nós que nos colocamos à margem da vida. Criemos rotinas que nos obriguem a organizar o nosso tempo. Façamo-nos úteis a nós e aos outros porque há sempre quem precise de nós.
O Tempo é a raiz da Eternidade. O bem que fizermos acompanhar-nos-á para sempre, como li num epitáfio do meu irmão António “Contigo, vai o bem que fizeste. Connosco, fica a memória e a saudade”.