O Tanoeiro da Ribeira

terça-feira, janeiro 06, 2009

A MARCHA DO TEMPO

2008 já é passado. Perante esta marcha inexorável, uma pergunta aflora ao pensamento: o que é o tempo? Sem me demorar noutras considerações, contento-me em dizer, como Santo Agostinho, se não me perguntam, eu sei; se me perguntam, já não sei.
Mais importante que chorar o tempo que passou, é importante viver o tempo que passa porque, como diz Vergílio Ferreira, “o tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que já passou”. Sim, o que importa não é o tempo que passa mas o que se passa em nós enquanto o tempo passa. E, inerente à passagem do tempo, está o nosso próprio envelhecimento que temos de humanizar.
Esta minha reflexão nasceu no dia 27 de Dezembro quando participava nas “Bodas de Ouro Matrimoniais” da Maria Augusta e do Dr. Guilherme, em Cabeceiras de Basto, cuja Eucaristia foi animada pelo Coro Gregoriano do Porto. O Dr. Guilherme, na lucidez dos seus 82 anos, dizia que, para não se envelhecer, é preciso tomar três pastilhas: a primeira consiste em manter o cérebro activo, e por isso, ele, ainda há bem pouco tempo, se fizera assinante da Voz Portucalense, jornal que lê todas as semanas; a segunda é não se deixar cair no esquecimento e, por isso, a celebração das suas Bodas para reavivar a memória e congregar familiares e amigos; a terceira é ter sempre algo de novo a fazer na vida e, por isso, vai inscrever-se numa Universidade Sénior para aprender a navegar na Internet.

O cérebro precisa de se manter activo

Quanto menos se anda, mais custa a andar. Os músculos “enferrujam”. É o que acontece com o cérebro: quanto menos for usado, mais dificuldades temos em pensar. É preciso cultivar o espírito. E, como dizia minha mãe, para saber é preciso passear ou ler. Quando se passeia, admiram-se novas paisagens, contemplam-se monumentos, contacta-se com outras pessoas e tudo isso contribui para enriquecer o espírito. Também a leitura desempenha um papel fundamental para se manter o espírito activo. E, actualmente, estão a ser publicados alguns bons livros. Ter um livro sempre à mão é um precioso auxiliar para não se deixar envelhecer ou, melhor, para um envelhecer sadio. E porque não, também socorrermo-nos da Internet? Ela põe-nos em contacto com tudo o que se passa no mundo. É um valioso meio de informação e formação. A televisão também poderá desempenhar um papel importante.
É, pois, com agrado que vejo muitas autarquias preocupadas em organizar passeios para os idosos e assisto ao nascer de muitas Universidades Seniores.

Não se deixar cair no esquecimento

Como diz o povo, ”longe da vista, longe do coração”. Este é o perigo que corremos quando nos reformamos. Deixamos de aparecer no local onde estão os colegas com quem convivêramos ao longo dos anos. E, como não aparecemos, vamos sendo esquecidos pelos antigos e deixamos de conhecer os novos. Quando, mais tarde, regressamos ao nosso antigo posto de trabalho, sentimo-nos a mais num lugar que tínhamos como nosso. Desanimados, fechamo-nos em casa, iniciando o calvário de uma progressiva solidão. Razão teve aquele professor que resolveu criar o “Grupo da Boa Memória” para congregar os colegas reformados. Nas suas iniciativas, o convívio e a cultura caminham de mãos dadas, ajudando os participantes a manterem velhas amizades e a sentirem-se úteis a si próprios e aos outros.
Se, como diz um provérbio árabe, “sempre que morre um velho é uma biblioteca de livros únicos que desaparece”, há que aproveitar a sua sabedoria enquanto estão entre nós. São a memória que mantém viva as nossas tradições, os nossos valores e nos ajuda a preservar o nosso património cultural. São a permanência num mundo em mudança acelerada. São fonte de serenidade, de equilíbrio. de bom senso.

Ter sempre algo de novo a realizar

Os anos não se contam; os anos vivem-se. Mais que acrescentar anos à vida, importa acrescentar vida aos anos. Mais importantes que os anos já vividos são os anos que temos para viver. E, como ninguém sabe quantos serão, ficamos todos no mesmo plano, não há novos e velhos. Face ao desconhecido, não há patamares. Os cristãos, por maioria de razão, devem viver o presente na perspectiva do futuro porque sabem que não nasceram para morrer, mas para viver para sempre. E é no presente que a eternidade se vai construindo. A fome de viver deve projectar-nos para o futuro próximo cuja duração desconhecemos e para o grande Futuro que acreditamos ser eterno.
Nunca gostei de rotular pessoas porque o rótulo é sempre redutor. Servem para arquivar objectos em prateleiras. Mas nós não somos objectos nem nos deixamos arrumar em prateleiras por mais arejadas que elas sejam. Portanto, temos de mostrar que estamos vivos. Tudo o que é vivo está sujeito à mudança. Só os fósseis não mudam. Não nos deixemos fossilizar!... Mortos-vivos, não. Aceitemos a nossa animalidade com as suas fragilidades, mas exaltemos a nossa humanidade. Que os outros nos coloquem à margem, é muito mau; mas pior, muito pior, é quando somos nós que nos colocamos à margem da vida. Criemos rotinas que nos obriguem a organizar o nosso tempo. Façamo-nos úteis a nós e aos outros porque há sempre quem precise de nós.
O Tempo é a raiz da Eternidade. O bem que fizermos acompanhar-nos-á para sempre, como li num epitáfio do meu irmão António “Contigo, vai o bem que fizeste. Connosco, fica a memória e a saudade”.