ECOS DE UMA PALESTRA SOBRE O PATRIMÓNIO DO PORTO
No passado dia 17, a Associação Católica do Porto prestou mais um bom serviço ao Porto e à Cultura. No salão nobre, decorreu uma Palestra/Debate sobe o “Património da Cidade do Porto”
Depois de a Tuna Feminina da E.S. de Enfermagem do Hospital de Santa Maria ter dado um toque de juventude a uma conferência que iria debruçar-se sobre a memória, ouvimos a mensagem em vídeo do nosso Bispo, D. Manuel Clemente, que falou do Porto, do seu valor patrimonial e da alma da sua gente, caracterizando-o como uma cidade intimista.
O progresso do Porto fez-se à custa da destruição do património. Orlando Massena,Arquitecto, partindo da análise do contributo que a construção da "Ponte D. Luís" deu ao progresso do Porto, mostrou como a sua ligação à “Baixa do Porto”, com a abertura da Avenida da Ponte, destruiu uma parte muito considerável do Porto medieval situada junto à “Muralha Suévica”; como a construção da estação de S. Bento se fez à custa da destruição do Convento da Ave-Maria e de parte da “Muralha Fernandina” que lhe estava adjacente; como a construção do pavilhão dos Desportos (hoje “Pavilhão Rosa Mota”) obrigou à destruição do palácio de Cristal. Com um certo respirar de alívio, afirmou que o Porto esteve (ou ainda está? - pergunto eu) para ver destruído o seu “Mercado do Bolhão”- património emblemático da cidade - para dar lugar a um moderno centro comercial. E terminou com um desabafo: como seria bom se nós, hoje, tivéssemos a Estação de S. Bento mas também o Mosteiro da Ave-Maria e a Muralha Fernandina!...
O Porto não tem património industrial.
Maciel dos Santos, da Universidade do Porto, debruçou-se, especificamente, sobre o património industrial, manifestando a sua estranheza pelo o facto de o Porto ter sido uma cidade industrial muito importante nos séculos XIX/XX, ao ponto de ser considerada a Manchester Portuguesa, e hoje muito pouco possuir desse seu património. Para a memória se transformar em monumento precisa de se apoiar num grupo social com poder. O que faltou à memória industrial do Porto foi um poder institucional que a tornasse património: o poder político nunca se preocupou, a classe industrial interessou-se pelo aproveitamento económico dos espaços das suas fábricas e a classe trabalhadora do Porto, apesar do seu número, nunca foi um poder com força para criar esse património, contrariamente ao que aconteceu noutras cidades europeias de que citou, particularmente, Barcelona.
E interrogou-se: o que resta dos grandes aglomerados industriais do Porto tais como Massarelos, Praça da Galiza, Antas, Campo 24 de Agosto? - Nada.
Defender o património não significa defender o imobilismo.
Manuel Cordeiro, da Universidade do Minho, retomou o tema do património industrial para afirmar que preservar o património não significa manter os edifícios tais como eram as unidades fabris. O importante é aproveitá-los (e alguns são de incontestável valor arquitectónico) para outras finalidades economicamente viáveis mas mantendo os seus elementos arquitectónicos estruturais e a memória do seu passado. E apontou como exemplo o que foi feito nas antigas instalações da fábrica de Massarelos. Lamentou que o mesmo não tenha acontecido a outras fábricas que fazem parte da memória do Porto de que destacou, entre outras, a Fábrica de Salgueiros. Chamou especial atenção para o crime patrimonial que, neste momento, se está a cometer à vista de toda a gente na cidade do Porto, sem se ouvir qualquer protesto: o abandono da Ponte de D. Maria. Afirmou que esta ponte, construída pelo Engenheiro Gustavo Eiffel, o mesmo que construiu a Torre Eiffel em Paris, é o nosso monumento mais conhecido internacionalmente, o mais classificado e citado pelas revistas da especialidade como um monumento único ou quase único no Mundo. E lamentou que ela não tivesse sido considerada “Património da Humanidade” por ficar um pouco afastada do centro histórico do Porto. Foi pena, foi muita pena!...
Respondendo a uma questão colocada por um participante, falou do edifício da Fábrica “Moagem Harmonia”, construído no século XIX, no jardim principal do Palácio do Freixo. Narrou os seus debates com o Arquitecto Fernando Távora que, para recuperar integralmente essa obra-prima de Nazoni, defendia a mudança da “Moagem Harmonia” para outro local. A opinião por si defendida acabou por prevalecer e a fábrica manteve-se. A sua utilização para aposentos de uma pousada de luxo, conjuntamente com o Palácio do Freixo, não o contrariaria desde que ela mantivesse os seus elementos arquitectónicos estruturais e a memória do seu passado. Como isso não está acontecer, considerou tratar-se de mais um atentado com o nosso património.
Um assistente ainda falou da “aberração que foi a destruição da nossa belíssima Avenida dos Aliados” o que me fez lembrar o que, nessa avenida, já lá vão uns vinte anos, me dizia um velho amigo, professor na Universidade de Santiago de Compostela: “ não conheço em toda a Espanha uma avenida tão bonita como esta”
Uma dúvida, duas perguntas e um apelo
Quando me lembro do grito de revolta que se levantou no Porto por causa da transformação do Coliseu num local de culto de uma instituição religiosa (e ainda bem que surgiu…) e o comparo com a passividade que se verifica perante o abandono da Ponte D. Maria e da fraca adesão da população do Porto e das personalidades mais representativas da consciência cívica da cidade às acções de protesto dos comerciantes do “Mercado do Bolhão”, uma dúvida me surge. O que terá estado na origem do grande movimento popular em defesa do Coliseu do Porto? Um despertar violento da consciência cívica das gentes do Porto que se manteve adormecida quando se destruiu o “Palácio de Cristal” que, à época, já era único do Mundo, uma vez que o de Londres já tinha sido destruído? Ou terá sido um afloramento serôdio do conflito que os cidadãos do Porto sempre travaram com o poder religioso, de que é expressão maior a casa-torre, com 22 metros de altura, que, no século XV, o poder municipal construiu (e foi recentemente reconstruída) mesmo à ilharga da Sé Catedral?
E, como perguntar não ofende, duas perguntas me ficam. O que teria acontecido se, em vez de um lugar de culto, tivesse nascido o projecto de um centro comercial para ocupar o Coliseu? O que teria sucedido se, em vez do projecto dum centro comercial, o Bolhão fosse comprado por uma qualquer instituição para nele instalar um templo religioso?
Termino com um apelo. Senhores Autarcas do Porto e de Gaia, não deixem cair a “Ponte D. Maria”. Enquanto é tempo, encontrem uma utilização prática. Ponham-na ao serviço da Comunidade.Lembrem-se que a "Torre Eiffel" em Paris, recebe, anualmente, cerca de sete milhões de visitantes!... Não seria possível criar um circuito turístico que ligasse a Ribeira à Ponte D. Maria, utilizando o velho caminho de ferro, há muito abandonado, que liga a Estação de Campanhã à Alfândega? Salvemos a nossa “Ponte Eiffel”.
Depois de a Tuna Feminina da E.S. de Enfermagem do Hospital de Santa Maria ter dado um toque de juventude a uma conferência que iria debruçar-se sobre a memória, ouvimos a mensagem em vídeo do nosso Bispo, D. Manuel Clemente, que falou do Porto, do seu valor patrimonial e da alma da sua gente, caracterizando-o como uma cidade intimista.
O progresso do Porto fez-se à custa da destruição do património. Orlando Massena,Arquitecto, partindo da análise do contributo que a construção da "Ponte D. Luís" deu ao progresso do Porto, mostrou como a sua ligação à “Baixa do Porto”, com a abertura da Avenida da Ponte, destruiu uma parte muito considerável do Porto medieval situada junto à “Muralha Suévica”; como a construção da estação de S. Bento se fez à custa da destruição do Convento da Ave-Maria e de parte da “Muralha Fernandina” que lhe estava adjacente; como a construção do pavilhão dos Desportos (hoje “Pavilhão Rosa Mota”) obrigou à destruição do palácio de Cristal. Com um certo respirar de alívio, afirmou que o Porto esteve (ou ainda está? - pergunto eu) para ver destruído o seu “Mercado do Bolhão”- património emblemático da cidade - para dar lugar a um moderno centro comercial. E terminou com um desabafo: como seria bom se nós, hoje, tivéssemos a Estação de S. Bento mas também o Mosteiro da Ave-Maria e a Muralha Fernandina!...
O Porto não tem património industrial.
Maciel dos Santos, da Universidade do Porto, debruçou-se, especificamente, sobre o património industrial, manifestando a sua estranheza pelo o facto de o Porto ter sido uma cidade industrial muito importante nos séculos XIX/XX, ao ponto de ser considerada a Manchester Portuguesa, e hoje muito pouco possuir desse seu património. Para a memória se transformar em monumento precisa de se apoiar num grupo social com poder. O que faltou à memória industrial do Porto foi um poder institucional que a tornasse património: o poder político nunca se preocupou, a classe industrial interessou-se pelo aproveitamento económico dos espaços das suas fábricas e a classe trabalhadora do Porto, apesar do seu número, nunca foi um poder com força para criar esse património, contrariamente ao que aconteceu noutras cidades europeias de que citou, particularmente, Barcelona.
E interrogou-se: o que resta dos grandes aglomerados industriais do Porto tais como Massarelos, Praça da Galiza, Antas, Campo 24 de Agosto? - Nada.
Defender o património não significa defender o imobilismo.
Manuel Cordeiro, da Universidade do Minho, retomou o tema do património industrial para afirmar que preservar o património não significa manter os edifícios tais como eram as unidades fabris. O importante é aproveitá-los (e alguns são de incontestável valor arquitectónico) para outras finalidades economicamente viáveis mas mantendo os seus elementos arquitectónicos estruturais e a memória do seu passado. E apontou como exemplo o que foi feito nas antigas instalações da fábrica de Massarelos. Lamentou que o mesmo não tenha acontecido a outras fábricas que fazem parte da memória do Porto de que destacou, entre outras, a Fábrica de Salgueiros. Chamou especial atenção para o crime patrimonial que, neste momento, se está a cometer à vista de toda a gente na cidade do Porto, sem se ouvir qualquer protesto: o abandono da Ponte de D. Maria. Afirmou que esta ponte, construída pelo Engenheiro Gustavo Eiffel, o mesmo que construiu a Torre Eiffel em Paris, é o nosso monumento mais conhecido internacionalmente, o mais classificado e citado pelas revistas da especialidade como um monumento único ou quase único no Mundo. E lamentou que ela não tivesse sido considerada “Património da Humanidade” por ficar um pouco afastada do centro histórico do Porto. Foi pena, foi muita pena!...
Respondendo a uma questão colocada por um participante, falou do edifício da Fábrica “Moagem Harmonia”, construído no século XIX, no jardim principal do Palácio do Freixo. Narrou os seus debates com o Arquitecto Fernando Távora que, para recuperar integralmente essa obra-prima de Nazoni, defendia a mudança da “Moagem Harmonia” para outro local. A opinião por si defendida acabou por prevalecer e a fábrica manteve-se. A sua utilização para aposentos de uma pousada de luxo, conjuntamente com o Palácio do Freixo, não o contrariaria desde que ela mantivesse os seus elementos arquitectónicos estruturais e a memória do seu passado. Como isso não está acontecer, considerou tratar-se de mais um atentado com o nosso património.
Um assistente ainda falou da “aberração que foi a destruição da nossa belíssima Avenida dos Aliados” o que me fez lembrar o que, nessa avenida, já lá vão uns vinte anos, me dizia um velho amigo, professor na Universidade de Santiago de Compostela: “ não conheço em toda a Espanha uma avenida tão bonita como esta”
Uma dúvida, duas perguntas e um apelo
Quando me lembro do grito de revolta que se levantou no Porto por causa da transformação do Coliseu num local de culto de uma instituição religiosa (e ainda bem que surgiu…) e o comparo com a passividade que se verifica perante o abandono da Ponte D. Maria e da fraca adesão da população do Porto e das personalidades mais representativas da consciência cívica da cidade às acções de protesto dos comerciantes do “Mercado do Bolhão”, uma dúvida me surge. O que terá estado na origem do grande movimento popular em defesa do Coliseu do Porto? Um despertar violento da consciência cívica das gentes do Porto que se manteve adormecida quando se destruiu o “Palácio de Cristal” que, à época, já era único do Mundo, uma vez que o de Londres já tinha sido destruído? Ou terá sido um afloramento serôdio do conflito que os cidadãos do Porto sempre travaram com o poder religioso, de que é expressão maior a casa-torre, com 22 metros de altura, que, no século XV, o poder municipal construiu (e foi recentemente reconstruída) mesmo à ilharga da Sé Catedral?
E, como perguntar não ofende, duas perguntas me ficam. O que teria acontecido se, em vez de um lugar de culto, tivesse nascido o projecto de um centro comercial para ocupar o Coliseu? O que teria sucedido se, em vez do projecto dum centro comercial, o Bolhão fosse comprado por uma qualquer instituição para nele instalar um templo religioso?
Termino com um apelo. Senhores Autarcas do Porto e de Gaia, não deixem cair a “Ponte D. Maria”. Enquanto é tempo, encontrem uma utilização prática. Ponham-na ao serviço da Comunidade.Lembrem-se que a "Torre Eiffel" em Paris, recebe, anualmente, cerca de sete milhões de visitantes!... Não seria possível criar um circuito turístico que ligasse a Ribeira à Ponte D. Maria, utilizando o velho caminho de ferro, há muito abandonado, que liga a Estação de Campanhã à Alfândega? Salvemos a nossa “Ponte Eiffel”.
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