A IGREJA DO PORTO E A RESISTÊNCIA AO “ESTADO NOVO”
No “Dia do Pai”, meus filhos ofereceram-me um livro cuja leitura despertou em mim saudáveis recordações: “A Oposição Católica ao Estado Novo” - tese de mestrado de João Miguel Almeida, investigador da Universidade Católica Portuguesa.
OS PIONEIROS Ao ler o livro, logo ecoaram na memória nomes que vêm da década de quarenta, pioneiros que ousaram enfrentar o poder do “Estado Novo”:
- Padre Joaquim Alves Correia, no dizer de D. António Ferreira Gomes, “grande homem da Igreja ele é por isso homem de todo o mundo. Profundamente português e europeu pela cultura, fez-se missionário em África. (…) Homem de inteligência e de cultura cristã, nada de humano e cristão podia considerar-se alheio a si; e, porque o sentiu e o disse, veio a morrer exilado na Norte-América”, em 1951; o Presidente da República concedeu-lhe, a título póstumo, a Ordem da Liberdade, em 1980.
- Padre Abel Varzim, o líder reconhecido dos “católicos sociais”, padre incómodo falecido no Porto em 1964, que, por defender os direitos dos trabalhadores, foi expulso de todos os cargos que exercia na Acção Católica Portuguesa.
Monumento inaugurado, no dia 6 de Maio de 1978, por D. António Ferreira Gomes, na “Senhora do Salto”, em Aguiar de Sousa, Paredes, terra natal do Pe. Alves Correia.
D.SEBASTIÃO SOARES DE RESENDE – BISPO DA BEIRA Também lembro D. Sebastião Soares de Resende, natural de Milheirós de Poiares, Feira e primeiro Bispo da Beira. Idealizava Moçambique como uma sociedade integrada de raças e cidadãos iguais perante a lei e, em 1958, formulou uma pergunta muito incómoda para o Estado Novo: “Qual o futuro político e nacional de Moçambique? Será o da independência, em épocas mais ou menos remota ou próxima, como país integrado plenamente no conjunto dos países africanos?” Viu a sua acção torpedeada, os seus textos censurados e suspenso o seu jornal “Diário de Moçambique”.
D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES – BISPO DO PORTO Enquanto D. Sebastião abalava o colonialismo em Moçambique, na Metrópole, um outro padre do Porto, agora Bispo, fazia estremecer o regime de Salazar. Depois de, em 1957, denunciar “A miséria imerecida do nosso mundo rural” e aconselhar os jornalistas a não terem medo da verdade, tornou-se o símbolo da resistência católica à ditadura de Salazar, em 1958, com o seu “Pro Memoria”, a famosa “Carta do Bispo do Porto a Salazar”, que passou a ser “sinal verde” para todos os cristãos que se opunham ao Estado Novo. Esta coragem valeu-lhe um exílio de 10 anos, que só terminou quando Salazar deixou de governar. Homem forte que sempre foi fiel ao lema” De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens.”.
PADRE MÁRIO OLIVEIRA – PÁROCO DE MACIEIRA DA LIXA Um outro caso que deu brado foi o do Pe. Mário. Preso pela PIDE em 1970 e em 1973.
Aquando do seu primeiro julgamento o “Notícias da Amadora” em 28 de Dezembro de 1970, escrevia: “ Os jornais do passado dia noticiaram o início do julgamento, no Plenário do Porto, do Pe. Mário de Oliveira acusado de, nas homilias de algumas missas dominicais, ter incitado à desobediência colectiva à ordem pública e publicado e difundido escritos seus atentórios da paz social e das Autoridades do Chefe de Estado e da Assembleia Nacional. O texto a negrito não foi publicado porque foi cortado pela Censura.
DEZASSETE SACERDOTES DO PORTO (1) No “Dia Mundial da Paz”, de 1974, dezassete sacerdotes do Porto leram uma homilia nas missas onde denunciavam:
" As informações que a T.V. , os jornais e a Rádio dia a dia nos fornecem são frequentemente incompletas, quando não falsas; os cidadãos são impedidos de se reunirem, de se associarem e de exprimirem livremente as suas opiniões (…). É a esta luz que encaramos, por exemplo: as eleições para a Assembleia Nacional, nas condições em que decorreram; as limitações no funcionamento dos Sindicatos; a alteração dos nomes de realidades que permanecem ( casos da A. N. P. / União Nacional ; Exame Prévio / Censura ; D. G. S. / P.I.D.E. (…)
" Há treze anos que Portugal mantém uma guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, com toda uma série de consequências que nos tocam de perto:
- militares mutilados ou enfraquecidos na saúde e gastos nos nervos;
- famílias abaladas pela ausência ou morte de militares; (…)
- mortes, violências e massacres de um e doutro lado (…) Esta homilia valeu aos seus autores a suspensão do passaporte e o início de um processo que não se sabe aonde os conduziria, não fora o “25 de Abril”.
D.MANUEL VIEIRA PINTO – BISPO DE NAMPULA, MOÇAMBIQUE
Seria ingratidão acabar sem referir um outro sacerdote do Porto e Bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto. Em Março de 1974, o Governo Português expulsou-o de Moçambique sob o pretexto de o proteger contra a animosidade da população branca. Ele, porém, afirmou “ Fica bem claro que saio de Moçambique por ordem do Governo e contra a minha vontade”. Só regressou a Nampula depois do “25 de Abril”. Muitos dos seus textos foram censurados como aconteceu à sua homilia do Dia da Paz de 1974 de que transcrevo a parte final: “Quem responderá, diante de Deus e da história, pelo sangue derramado ao longo destes dolorosos dez anos? (...) A história julgará os homens que, ao longo destes anos de guerra, cometeram impunemente acções violentas e homicidas contra inocentes. (...) Não será semeando a morte que obteremos a vida. Os homens de Moçambique, as raças, as culturas devem encontrar-se. E parece ter chegado a hora do encontro. Será um encontro na morte ou um encontro na vida e para a vida?” Esta homilia foi lida por vários sacerdotes do Porto no domingo que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Conheço um sacerdote que policopiou este texto e distribuiu-o a todas as pessoas que o foram buscar à sacristia. Por isso, nessa mesma semana foi procurado pela PIDE que não o encontrou...Talvez tenha sido este o último sinal da Igreja de resistência à ditadura marcelista.
CONCLUSÃO Como o autor do livro que motivou este texto, posso afirmar “ Pelos debates e intervenções da oposição católica passaram parte das transformações mentais e culturais que fariam do 25 de Abril uma esperança de liberdade e justiça”
E a Igreja do Porto pode alegrar-se pelo seu passado na luta pela afirmação da dignidade da Pessoa e dos Povos.
(1) Afonso Moreira da Rocha, Agostinho Cesário Jardim Moreira, António Brito Peres, António José Ribeiro, António Orlando Ramos dos Santos, António Pinto Santana, António da Silva Martins, António Teixeira Coelho, Bernardino de Queirós Alves (diácono), Carlos Lino de Seabra, Celestino Domingos da Hora, João Alves Dias, Joaquim Pereira Sampaio, José Alves Rodrigues, José Maria Pacheco Pereira, Leonel Barnabé C. de Oliveira, Manuel Agostinho Pereira de Moura
OS PIONEIROS Ao ler o livro, logo ecoaram na memória nomes que vêm da década de quarenta, pioneiros que ousaram enfrentar o poder do “Estado Novo”:
- Padre Joaquim Alves Correia, no dizer de D. António Ferreira Gomes, “grande homem da Igreja ele é por isso homem de todo o mundo. Profundamente português e europeu pela cultura, fez-se missionário em África. (…) Homem de inteligência e de cultura cristã, nada de humano e cristão podia considerar-se alheio a si; e, porque o sentiu e o disse, veio a morrer exilado na Norte-América”, em 1951; o Presidente da República concedeu-lhe, a título póstumo, a Ordem da Liberdade, em 1980.
- Padre Abel Varzim, o líder reconhecido dos “católicos sociais”, padre incómodo falecido no Porto em 1964, que, por defender os direitos dos trabalhadores, foi expulso de todos os cargos que exercia na Acção Católica Portuguesa.
Monumento inaugurado, no dia 6 de Maio de 1978, por D. António Ferreira Gomes, na “Senhora do Salto”, em Aguiar de Sousa, Paredes, terra natal do Pe. Alves Correia.
D.SEBASTIÃO SOARES DE RESENDE – BISPO DA BEIRA Também lembro D. Sebastião Soares de Resende, natural de Milheirós de Poiares, Feira e primeiro Bispo da Beira. Idealizava Moçambique como uma sociedade integrada de raças e cidadãos iguais perante a lei e, em 1958, formulou uma pergunta muito incómoda para o Estado Novo: “Qual o futuro político e nacional de Moçambique? Será o da independência, em épocas mais ou menos remota ou próxima, como país integrado plenamente no conjunto dos países africanos?” Viu a sua acção torpedeada, os seus textos censurados e suspenso o seu jornal “Diário de Moçambique”.
D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES – BISPO DO PORTO Enquanto D. Sebastião abalava o colonialismo em Moçambique, na Metrópole, um outro padre do Porto, agora Bispo, fazia estremecer o regime de Salazar. Depois de, em 1957, denunciar “A miséria imerecida do nosso mundo rural” e aconselhar os jornalistas a não terem medo da verdade, tornou-se o símbolo da resistência católica à ditadura de Salazar, em 1958, com o seu “Pro Memoria”, a famosa “Carta do Bispo do Porto a Salazar”, que passou a ser “sinal verde” para todos os cristãos que se opunham ao Estado Novo. Esta coragem valeu-lhe um exílio de 10 anos, que só terminou quando Salazar deixou de governar. Homem forte que sempre foi fiel ao lema” De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens.”.
PADRE MÁRIO OLIVEIRA – PÁROCO DE MACIEIRA DA LIXA Um outro caso que deu brado foi o do Pe. Mário. Preso pela PIDE em 1970 e em 1973.
Aquando do seu primeiro julgamento o “Notícias da Amadora” em 28 de Dezembro de 1970, escrevia: “ Os jornais do passado dia noticiaram o início do julgamento, no Plenário do Porto, do Pe. Mário de Oliveira acusado de, nas homilias de algumas missas dominicais, ter incitado à desobediência colectiva à ordem pública e publicado e difundido escritos seus atentórios da paz social e das Autoridades do Chefe de Estado e da Assembleia Nacional. O texto a negrito não foi publicado porque foi cortado pela Censura.
DEZASSETE SACERDOTES DO PORTO (1) No “Dia Mundial da Paz”, de 1974, dezassete sacerdotes do Porto leram uma homilia nas missas onde denunciavam:
" As informações que a T.V. , os jornais e a Rádio dia a dia nos fornecem são frequentemente incompletas, quando não falsas; os cidadãos são impedidos de se reunirem, de se associarem e de exprimirem livremente as suas opiniões (…). É a esta luz que encaramos, por exemplo: as eleições para a Assembleia Nacional, nas condições em que decorreram; as limitações no funcionamento dos Sindicatos; a alteração dos nomes de realidades que permanecem ( casos da A. N. P. / União Nacional ; Exame Prévio / Censura ; D. G. S. / P.I.D.E. (…)
" Há treze anos que Portugal mantém uma guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, com toda uma série de consequências que nos tocam de perto:
- militares mutilados ou enfraquecidos na saúde e gastos nos nervos;
- famílias abaladas pela ausência ou morte de militares; (…)
- mortes, violências e massacres de um e doutro lado (…) Esta homilia valeu aos seus autores a suspensão do passaporte e o início de um processo que não se sabe aonde os conduziria, não fora o “25 de Abril”.
D.MANUEL VIEIRA PINTO – BISPO DE NAMPULA, MOÇAMBIQUE
Seria ingratidão acabar sem referir um outro sacerdote do Porto e Bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto. Em Março de 1974, o Governo Português expulsou-o de Moçambique sob o pretexto de o proteger contra a animosidade da população branca. Ele, porém, afirmou “ Fica bem claro que saio de Moçambique por ordem do Governo e contra a minha vontade”. Só regressou a Nampula depois do “25 de Abril”. Muitos dos seus textos foram censurados como aconteceu à sua homilia do Dia da Paz de 1974 de que transcrevo a parte final: “Quem responderá, diante de Deus e da história, pelo sangue derramado ao longo destes dolorosos dez anos? (...) A história julgará os homens que, ao longo destes anos de guerra, cometeram impunemente acções violentas e homicidas contra inocentes. (...) Não será semeando a morte que obteremos a vida. Os homens de Moçambique, as raças, as culturas devem encontrar-se. E parece ter chegado a hora do encontro. Será um encontro na morte ou um encontro na vida e para a vida?” Esta homilia foi lida por vários sacerdotes do Porto no domingo que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Conheço um sacerdote que policopiou este texto e distribuiu-o a todas as pessoas que o foram buscar à sacristia. Por isso, nessa mesma semana foi procurado pela PIDE que não o encontrou...Talvez tenha sido este o último sinal da Igreja de resistência à ditadura marcelista.
CONCLUSÃO Como o autor do livro que motivou este texto, posso afirmar “ Pelos debates e intervenções da oposição católica passaram parte das transformações mentais e culturais que fariam do 25 de Abril uma esperança de liberdade e justiça”
E a Igreja do Porto pode alegrar-se pelo seu passado na luta pela afirmação da dignidade da Pessoa e dos Povos.
(1) Afonso Moreira da Rocha, Agostinho Cesário Jardim Moreira, António Brito Peres, António José Ribeiro, António Orlando Ramos dos Santos, António Pinto Santana, António da Silva Martins, António Teixeira Coelho, Bernardino de Queirós Alves (diácono), Carlos Lino de Seabra, Celestino Domingos da Hora, João Alves Dias, Joaquim Pereira Sampaio, José Alves Rodrigues, José Maria Pacheco Pereira, Leonel Barnabé C. de Oliveira, Manuel Agostinho Pereira de Moura
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