O Tanoeiro da Ribeira

sábado, dezembro 15, 2007

EM FÁTIMA – UMA OUTRA VIVÊNCIA


“ Melquisedeque (…) sacerdote do Deus Altíssimo (…) abençoou Abrão, dizendo: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo que criou o céu e a terra! (…) E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”.Génesis, 14,18

Esta cena bíblica apresenta-nos o encontro do Deus da Criação com o Deus da Revelação. Melquisedeque passa o testemunho a Abraão. O Deus da Aliança é, ao mesmo tempo, o Deus da Criação e o Deus da Revelação, o Deus da Natureza e o Deus da Palavra, o Deus da Razão e o Deus da Fé. A Fé não é uma anulação mas um suplemento da razão. Por isso, Galileu afirma que não pode haver contradições entre as verdades científicas e os dogmas da fé pois provêm da mesma fonte. E já S. Boaventura mostrava como a mente humana, partindo da observação das coisas sensíveis, pode subir até ao seu Criador. Se a Natureza manifesta Deus, só a Palavra O revela. Se pela razão se pode chegar ao Deus-Criador, só pela Fé poderemos conhecer o Deus-Amor.

Como é bom, ao acordar de manhã, podermos dar os bons-dias ao Pai, rezando como S. Francisco de Assis:
Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor e irmão Sol,
o qual faz o dia epor ele nos alumia
E ele é belo e radiante, com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem
”.
Todos nós conhecemos lugares cuja beleza nos encanta e aproxima de Deus. São verdadeiras manifestações do sagrado (hierofanias).
Como esses locais tocam a alma portuguesa! Recordo um pensamento do poeta galego Castelão que dizia: se um galego e um português estiverem a rezar e ouvirem um rouxinol a cantar interrompem a sua oração e louvam a Deus pela beleza daquele cantar; um castelhano, pelo contrário, mandará calar o rouxinol porque quer rezar. Lembra-nos o lirismo das cantigas de amigo:“ Ai flores, ai flores do verde pino…”
Não foi sem razão que o povo soube erguer os seus santuários em locais paradisíacos onde o silêncio apela à contemplação e à transcendência. Só para citar alguns: Assunção em Santo Tirso, La Salette em Oliveira de Azeméis, S. Domingos em Castelo de Paiva, Castelinho no Marco de Canaveses, Senhora da Serra em Baião, São Félix na Póvoa de Varzim, Santa Justa em Valongo, Senhora da Mó em Arouca, Santa Quitéria em Felgueiras, Monte da Virgem em Gaia. Para já não falar em Santa Luzia - Viana do Castelo, Sameiro - Braga, Penha - Guimarães, Senhora dos Remédios - Lamego, Senhora da Graça - Mondim de Basto e nas muitas capelinhas que sacralizam os cumes dos nossos montes e que o povo tão bem sabe cantar:
“ Olha a bela capelinha,
Lá no alto onde ela mora,
Vamos todos à tardinha (bis)
Rezar a Nossa Senhora.”


E que tem isto a ver com Fátima? Poder-se-á perguntar.
Em Fátima, para além do Santuário, há um outro local em que sabe bem rezar. A natureza convida-nos à oração. Estou a falar da “Via Sacra ”. Trata-se de um caminho, levemente ascendente, que se inicia junto da “Rotunda Sul” e, depois de passar nos Valinhos (onde se deu a aparição de Agosto), nos leva até ao Calvário Húngaro, próximo da “Loca do Cabeço”(local das aparições do Anjo). É uma antiga vereda, hoje caminho reservado a peões, que passa por entre azinheiras e oliveiras que parecem curvar-se quando subimos em oração. Não há construções nem lojas de objectos religiosos, nem vendedores ambulantes. O terreno marginal mantém-se como seria no tempo dos “Pastorinhos”. O silêncio é total, apenas quebrado, de quando em vez, pelo chilrear de um pássaro ou pela oração de um dos vários grupos que percorrem os ”Passos do Senhor”. A Paróquia da Senhora do Calvário do Porto, há mais de quarenta anos, faz dessa Via-Sacra o momento fulcral da sua peregrinação.

Depois de percorrer as quinze estações da Via-Sacra (a décima quinta representa a Ressurreição de Jesus), com uma paragem frente à imagem da Virgem , nos Valinhos, como é bom subir ao terraço da capela e contemplar aquele horizonte povoado de azinheiras e oliveiras! O silêncio é total. Depois de respirar o ar fresco da serra, deixemo-nos imbuir do misticismo do lugar. Se olharmos na direcção do norte, veremos, lá em baixo, o Santuário da Cova da Iria e uma oração à Virgem brotará espontânea do nosso coração. Sentimos próximo o Deus da Aliança. Em nós actualiza-se o encontro de Abraão e Melquisedeque. A nossa alma eleva-se e apetece-nos cantar com o salmista:
“ Dos céus, louvai o Senhor,
Louvai-O nas alturas do firmamento
Louvai-O, sol e lua;
Louvai-O, astros brilhantes.
Montanhas e colinas,
Árvores de fruto e cedros
Louvem todos o nome do Senhor
Porque só o seu nome é excelso
Sua majestade transcende a terra e o céu.”